CMIREPORT Sociedade Civil em Angola: Incursões, Espaço e Responsabilidade Inge Amundsen Cesaltina Abreu - Chr. Michelsen Institute
←
→
Transcripción del contenido de la página
Si su navegador no muestra la página correctamente, lea el contenido de la página a continuación
CMIREPORT Sociedade Civil em Angola: Incursões, Espaço e Responsabilidade Inge Amundsen Cesaltina Abreu R 2007: 8
Sociedade Civil em Angola: Incursões, Espaço e Responsabilidade Inge Amundsen Cesaltina Abreu R 2007: 8
CMI Reports U Esta série pode ser encomendada a: Chr. Michelsen Institute P.O. Box 6033 Postterminalen, N-5892 Bergen, Norway Tel: + 47 55 57 40 00 Fax: + 47 55 57 41 66 E-mail: cmi@cmi.no www.cmi.no Preço: 90 Coroas Norueguesas ISSN 0805-505X ISBN 978-82-8062-205-1 Este relatório encontra-se também disponível no seguinte endereço: www.cmi.no/publications Palavras-chave: Angola Sociedade civil Política Orçamento Finanças Públicas Número do Projecto 26016 Título do Projecto: Angola: Sociedade Civil como Promotora de Governação e Responsabilidade Original report title: Civil Society in Angola. Inroads, Space and Accountability (CMI R 2006:14)
Agradecimentos Foi com imenso prazer que aceitámos realizar este interessante estudo para a Embaixada da Noruega em Luanda, Angola, e estamos igualmente muito satisfeitos com a maneira como as pessoas da sociedade civil angolana reagiram à nossa abordagem e às nossas questões. Representantes, trabalhadores e gestores de ONGs e das organizações da sociedade civil foram todos muito receptivos, partilharam connosco as suas informações e pontos de vista, e disponibilizaram bastante tempo para explicar detalhes e procedimentos das suas organizações, e opiniões sobre o contexto angolano. Sem esta apreciação positiva pelas OSCs em Angola em relação ao projecto e à equipa do projecto, teria sido impossível elaborar este relatório. Todos manifestaram que aguardam ansiosamente este relatório. Com a nossa avaliação, observações, críticas e pareceres bem intencionados, esperamos contribuir de alguma forma para uma mudança no cenário das OSCs em Angola. Este relatório foi baseado em informações obtidas nos encontros com o pessoal das OSCs em Angola e outros informantes, mas o relatório e as suas conclusões são responsabilidade exclusiva dos avaliadores, e não reflectem necessariamente os pontos de vista de pessoas ou organizações entrevistadas. As opiniões e juízos de valor são igualmente nossos, e não reflectem necessariamente os pontos de vista da Embaixada da Noruega. Quaisquer erros factuais, inconsistências e omissões são da responsabilidade exclusiva dos autores. Bergen e Luanda, Outubro de 2006 / Outobro 2007 Inge Amundsen Chr. Michelsen Institute (CMI) Cesaltina Abreu Angola, Instituto de Pesquisa Económica e Social (A-IP) iii
Índice AGRADECIMENTOS ......................................................................................................................................... III ÍNDICE .......................................................................................................................................................... IV FIGURAS .......................................................................................................................................................... V CAIXAS ........................................................................................................................................................... V 1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................................ 1 1.1 METODOLOGIA................................................................................................................................... 2 1.2 ANTECEDENTE HISTÓRICO ................................................................................................................. 2 1.3 HISTORIAL POLÍTICO .......................................................................................................................... 2 1.3.1 Comunismo ................................................................................................................................... 3 1.3.2 Presidencialismo........................................................................................................................... 3 1.3.3 Clientelismo e apadrinhamento .................................................................................................... 4 1.4 ANTECEDENTES ECONÓMICOS ............................................................................................................ 5 1.5 SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS DO GOVERNO ..................................................................................... 7 2. INCURSÕES .......................................................................................................................................... 10 2.1 DUAS ESTRATÉGIAS ......................................................................................................................... 10 2.2 DUAS ABERTURAS ............................................................................................................................ 11 2.3 CARACTERIZAÇÃO ........................................................................................................................... 12 2.3.1 Sociedade política....................................................................................................................... 12 2.3.2 “Contra a corrente”: Rendimento e administração de impostos ............................................... 13 2.3.3 Sistemas de priorização e de orçamento..................................................................................... 14 2.3.4 “Ao sabor da corrente”: Execução orçamental e despesas ....................................................... 15 2.4 CRITÉRIOS ........................................................................................................................................ 18 3. ORGANIZAÇÕES................................................................................................................................. 20 3.1 TIPOS DE ORGANIZAÇÕES ................................................................................................................. 20 3.2 ONGS .............................................................................................................................................. 21 3.2.1 ONGs Nacionais ......................................................................................................................... 21 3.2.2 ONGs Internacionais .................................................................................................................. 27 3.3 OIGS ................................................................................................................................................ 31 3.4 RELIGIÃO E IGREJAS ......................................................................................................................... 33 3.5 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ............................................................................................... 34 3.6 ORGANIZAÇÕES PROFISSIONAIS E SINDICATOS ................................................................................. 36 3.7 REDES DE ORGANIZAÇÕES................................................................................................................ 38 3.8 RELAÇÕES DE GÉNERO ..................................................................................................................... 43 4. ANÁLISE E CONCLUSÕES................................................................................................................ 46 4.1 MANDATO E INFLUÊNCIA ................................................................................................................. 46 4.1.1 Questões gerais de democratização............................................................................................ 46 4.1.2 Questões específicas de finanças públicas.................................................................................. 47 4.2 FALTA DE UMA BASE DE INTERESSE ECONÓMICO ............................................................................. 48 4.3 RESTRIÇÕES DO GOVERNO ............................................................................................................... 49 4.4 INCURSÕES ....................................................................................................................................... 49 4.4.1 Promover o conhecimento sobre o processo do orçamento........................................................ 50 4.4.2 Parcerias internacionais estratégicas......................................................................................... 51 4.4.3 Rede nacional ............................................................................................................................. 54 4.4.4 Meios de comunicação social e as campanhas públicas de informação .................................... 55 ANEXO 1: ACRÓNIMOS E ABREVIAÇÕES ....................................................................................................... 56 ANEXO 2: REFERÊNCIAS E LITERATURA........................................................................................................ 57 iv
Figuras FIGURA 1 RECEITAS PETROLÍFERAS GOVERNAMENTAIS PROJECTADAS 6 Caixas CAIXA 1 A NOVA LEI DAS ASSOCIAÇÕES 8 CAIXA 2 GESTÃO DE DESPESAS PÚBLICAS (GDP) 15 CAIXA 3 SUPERVISÃO DE AQUISIÇÕES NAS FILIPINAS 16 CAIXA 4 DECLARAÇÕES DE ACTIVOS 17 CAIXA 5 RASTREIO DE DESPESAS 17 CAIXA 6 A LEI DE IMPRENSA 35 CAIXA 7 ELEIÇÕES NACIONAIS EM ANGOLA 40 CAIXA 8 PROMOVER A TRANSPARÊNCIA NAS FINANÇAS POLÍTICAS 41 CAIXA 9 A INICIATIVA ORÇAMENTO DE MULHERES 44 CAIXA 10 PROJECTO DE ORÇAMENTO DE AFRICA 51 CAIXA 11 TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL 52 CAIXA 12 PUBLIQUE O QUE PAGA 53 CAIXA 13 INICIATIVA DE TRANSPARÊNCIA DAS INDÚSTRIAS EXTRACTIVAS 54 v
RELATÓRIO CMI SOCIEDADE CIVIL EM ANGOLA R 2007: 8 1. Introdução Em Angola, o engajamento da sociedade civil é essencial para se alcançar um mínimo de transparência e responsabilidade governamentais, numa altura em que se regista um “boom” nas receitas petrolíferas e persiste a incerteza relativamente ao processo eleitoral. Angola não conhece eleições desde 1992, e com as elevadas receitas petrolíferas esperadas, a sociedade civil e a comunidade internacional são as únicas forças capazes de exercerem influência e pressão sobre o governo para demonstrar o adequado respeito pelos direitos humanos e redistribuir as receitas dos recursos minerais. Sem eleições há quase 15 anos, o canal para os cidadãos expressarem as suas preferências de políticas por meio das eleições está bloqueado. O Governo de Angola não está a ser responsabilizado por meio de eleições. Por isso, os cidadãos angolanos possuem poucos meios para expressar as suas preferências de política, excepto, através das organizaçõs da sociedade civil, os meios de comunicação social e a acção directa. A sociedade civil em Angola deve estabelecer e defender os seus direitos ao conhecimento e supervisão (incluindo acesso à informação), e a defender os seus direitos à organização como meio de participação popular, de consulta e de opinião. A sociedade civil tem um papel importante a desempenhar para se estabelecer um mínimo de transparência e responsabilidade nos assuntos de interesse público em Angola. De acordo com o recente relatório dos Direitos Humanos elaborado pelo Departamento de Estado Norte-Americano (2006), existem actualmente mais de 100 ONGs internacionais e aproximadamente 350 ONGs nacionais a trabalhar em Angola. Segundo um recente directório de ONGs elaborado pela Unidade Técnica de Coordenação da Ajuda Humanitária (UTCAH), existem 97 organizações internacionais, 78 nacionais e 15 organizações religiosas (UTCAH 2006). Existem provavelmente mais ONGs nacionais a trabalhar, particularmente a nível local, e as ONGs listadas podem até ser insignificantes e inoperativas. Apesar dos números, foi apenas em princípios de 1990 que a sociedade civil se tornou um factor com significado político, quando a longa história do regime autoritário do partido único conheceu alguma forma de moderação na primeira abertura democrática de Angola. Ainda assim, a não realização de eleições, a dominação do partido único, um legado histórico do regime socialista, e o actual ímpeto da elite no poder de deter o pleno controlo das receitas dos recursos naturais, constituem factores limitativos para a organização da sociedade civil. O objectivo primário deste relatório consiste em desenvolver um entendimento do papel político das organizações da sociedade civil na Angola contemporânea. Analisaremos mais especificamente o papel que a sociedade civil pode desempenhar para influenciar a favor da transparência e da prestação de contas na gestão das finanças públicas, ou, por outras palavras, como a sociedade civil pode contribuir para a transparência, responsabilidade e gestão adequada da riqueza mineral de Angola em crescimento rápido. Neste estudo analisamos principalmente as organizações da sociedade civil com o foco nas políticas das receitas petrolíferas em Angola, no sector petrolífero e na programação e execução do orçamento numa perspectiva de combate à pobreza. Em que medida as organizações da sociedade civil em Angola têm um interesse real e potencial em, e influência sobre, políticas e processos de receitas e de orçamento do Governo? Esta é a questão dos “milhões desaparecidos”, da tributação e receitas dos sectores minerais (principalmente petróleo, gás e diamantes), da gestão das finanças públicas das receitas do petróleo e outras receitas minerais, do próprio processo do orçamento, da redistribuição e orçamentação do combate à pobreza, a implementação da política financeira, e a transparência e a responsabilidade social corporativa das empresas internacionais que operam em Angola. Um segundo e mais amplo objectivo deste relatório consiste em desenvolver um entendimento das forças e actores que podem, eventualmente, contribuir para uma melhor 1
RELATÓRIO CMI SOCIEDADE CIVIL EM ANGOLA R 2007: 8 governação em Angola, incluindo mais transparência nas questões públicas e maior responsabilidade na prestação de contas por parte dos funcionários públicos e dos detentores de cargos eleitos. Esta perspectiva mais ampla visa identificar e categorizar as organizações existentes e as OSCs engajadas em (ou com um potencial para influenciar a favor de) boa governação e prestação de contas em Angola, incluindo os direitos humanos básicos, a transparência, voz e participação, tanto a nível central como local. Este objectivo mais amplo incluirá consequentemente alguma avaliação da potencial oposição à elite no poder em Angola, e lançar alguma luz sobre o papel da sociedade civil como um agente de mudança no processo da democratização em Angola. 1.1 Metodologia O método usado foi, principalmente, o da consulta de documentos, incluindo informações de diversas revistas, relatórios e artigos, e material impresso de várias organizações. A isto acrescentamos entrevistas com representantes e trabalhadores de organizações relevantes em Angola, e alguns observadores bem informados para aprofundar a análise. O nosso método inclui, basicamente, avaliações qualitativas e estudos de caso, uma vez que dados seguros (estatísticas e evidências numéricas) sobre questões como a vontade política, práticas de cooptação, níveis de influência ou eficiência são difíceis se não mesmo impossíveis de se obterem. Tivemos de confiar, principalmente, em formulações discursivas, na triangulação de informações e na nossa própria avaliação das percepções e declarações dos entrevistados. Além disso, o cenário de ONGs e OSCs em Angola é um quadro misto, e a compreensão sobre o papel das organizações pode não ser exacta. Por exemplo, algumas organizações usam meios extra-democráticos, incluindo violência, subornos, e apadrinhamento, e outras são instrumentos do poder. Existe um continuum que vai da oposição radical à cooperação obediente com o governo, e não se pode assumir que todas as organizações da sociedade civil promoverão princípios democráticos, se posicionem a favor dos pobres, e exercerão pressão sobre o governo para a democratização. 1.2 Antecedente Histórico Tal como aconteceu em outras colónias africanas, a potência colonial (Portugal) não permitia a realização de actividade política independente que pudesse desafiar ou ameaçar a ordem colonial em Angola. Com excepção da actividade religiosa, outros princípios organizacionais como sindicatos, associações juvenis, étnicas e regionais, ou partidos políticos eram encarados como forças desestabilizadoras ou de resistência e por isso sistematicamente suprimidos. Assim, quando da saída de Portugal e da independência em 1975, a sociedade civil era fraca e pouco desenvolvida em Angola, à custa de grupos de resistência armada que levavam a cabo a guerra de libertação. Além disso, devido às ideologias de libertação e alianças geopolíticas estratégicas à data da independência, um dos mais fortes movimentos de libertação em Angola “embarcou” na ideologia e princípios organizacionais marxistas-leninistas, apesar das origens étnicas/regionais dos movimentos de libertação. 1.3 Historial político Para além do legado colonial, o legado pré-independência, existem pelo menos três factores políticos na história recente de Angola que vêm impedindo o desenvolvimento de um movimento activo da sociedade civil no país. Estes factores são a ideologia marxista-leninista adoptada pelo governo do MPLA pós-independência, o estabelecimento de um sistema político fortemente presidencialista em Angola (mesmo para os padrões africanos), e um sistema de clientelismo de favores e apadrinhamento. 2
RELATÓRIO CMI SOCIEDADE CIVIL EM ANGOLA R 2007: 8 Para além disso, existe uma elite política em Angola relativamente fechada, autoritária e autoconfiante, que acredita possuir legitimidade política por ter ganho a luta de libertação, por ter ganho “a incursão imperialista e a guerra civil imposta pela UNITA, o apartheid Sul-Africano e os EUA”, bem como ter ganho as eleições em 1992. Ela acredita que tem direito de governar o país sem interferência de forças sociais opositoras, estruturadas como organizações da sociedade civil, partidos de oposição ou outras formas. 1.3.1 Comunismo Um dos factores que tem dificultado a formação/organização da sociedade civil em Angola é o legado do comunismo, ou melhor a versão angolana do marxismo-leninismo. Esta ideologia foi adoptada pelo actual partido no poder MPLA antes da descolonização, como uma base estratégica e ideológica para a sua luta anti-colonial, e como base para a sua luta com os outros movimentos anti- coloniais como a FNLA, a UNITA e outros, sobre o controlo do estado pós-colonial.1 Embora o marxismo-leninismo tenha sido oficialmente abandonado pelo MPLA como ideologia do partido no seu terceiro congresso no ano de 1990, prevalecem ainda práticas autoritárias na estrutura do partido e nas mentes e espíritos tanto dos quadros do partido quanto do público em geral. Por exemplo, a organização das mulheres, OMA, e a organização da juventude, JMPLA, que foram absorvidas pelo partido no poder como suas “organizações de massa” ainda são “filiadas” ao partido, e este tem uma “estrutura de célula” que chega até às comunidades locais e aos locais de trabalho. Mais importante ainda, a tradição comunista do partido como sobreposto ao aparelho de estado ainda é sentida em Angola: várias importantes discussões políticas não foram realizadas no parlamento ou ministérios, mas sim dentro da estrutura do MPLA; a filiação partidária ainda é condição para se obter e manter a maioria dos cargos públicos de autoridade; e o partido ainda supervisiona os ministérios, conselhos locais e várias organizações através da sua rede de células. Existe, consequentemente, um legado ideológico-histórico do centralismo e do controle do partido único em Angola. Embora a constituição revista de 1992, inspirada em Rousseau, tenha aberto espaços para organizações não filiadas ao partido no poder, estratos significativos da sociedade civil ainda são controlados pelo partido no poder como “organizações filiadas ao partido”.2 1.3.2 Presidencialismo Em termos formais, o Presidente da República não é apenas o Chefe de Estado, mas também o Chefe do Governo, o comandante em chefe das forças armadas, e o Presidente do Partido no poder. Portanto, Angola apresenta características de um acentuado presidencialismo (Amundsen 2005:4-6). Em primeiro lugar, o presidencialismo é evidente na composição do governo. O Presidente da República e a Assembleia Nacional (Parlamento) devem ser eleitos (de acordo com a constituição) em eleições separadas, para mandatos fixos. O Presidente da República é eleito em eleições directas para um mandato de cinco anos, e o Governo e os seus ministros e vice-ministros são todos nomeados (designados e podem ser exonerados) pelo Presidente. Além disso, o Presidente 1 Para uma excelente análise do período pós-colonial, vide Hodges 2004. 2 Estas ONGs governamentais (controladas ou constituidas), denominadas CONGOs, não foram incluídas neste estudo embora na linguagem oficial elas façam parte da “sociedade civil organizada”. Em Angola isto inclui a organização das mulheres, da juventude e dos pioneiros do partido no poder, nomeadamente a Organização da Mulher Angolana (OMA), a Juventude do MPLA (JMPLA), e a Organização dos Pioneiros Agostinho Neto (OPA); a Fundação do Presidente (Fundação Eduardo dos Santos, FESA), o Fundo Social da Primeira Dama (Lwini – Fundo de Solidariedade Social); os sindicatos controlados pelo partido no poder (o principal sindicato União Nacional dos Trabalhadores Angolanos, UNTA e as suas organizações-membros como a União dos Jornalistas de Angola, UJA); e os meios de comunicação social controlados pelo partido. 3
RELATÓRIO CMI SOCIEDADE CIVIL EM ANGOLA R 2007: 8 é de facto o Chefe do Governo (preside ao Conselho de Ministros). O Presidente não pode ser deposto pelo parlamento nem pelo voto de falta de confiança ou voto de censura. Além disso, existe um primeiro-ministro constitucionalmente “sem poder”/fraco, ou seja, um Primeiro-Ministro que não é Chefe do Governo e que está sujeito aos poderes exclusivos do Presidente de nomear e exonerar. O conselho de ministros não está sujeito à confiança do legislativo. Mais, o Presidente pode dissolver o Parlamento, mas o Parlamento não pode depor o Presidente. Este facto constitucional é a base para colocar Angola formalmente no grupo de sistemas presidencialistas, apesar da reclamação oficial de Angola de que o regime é semi- presidencialista.3 Em segundo lugar, o Presidente tem poderes discricionários absolutos para nomear (e exonerar) o governo; a iniciativa para reformas constitucionais e nova legislação emana em grande medida da presidência, e os poderes do Parlamento sobre o orçamento são fracos. O papel do Parlamento na discussão, alteração, aprovação formal e controle subsequente dos orçamentos do estado de Angola apenas nos últimos três anos evoluiu “do nada para alguma coisa”. Embora o Parlamento – de acordo com a Constituição – discuta e aprove o Plano Nacional e o Orçamento Geral do Estado (e os seus relatórios de execução), bem como a contracção e concessão de empréstimos, em termos práticos o seu papel é limitado. As medidas de emergência e de secretismo, a protecção dos interesses da elite, e os elevados níveis de corrupção, limitaram a percepção do Parlamento sobre as receitas e despesas estatais e muito ainda há a fazer para se ter uma ampla monitorização/vigilância parlamentar e um controlo efectivo sobre o orçamento.4 Em terceiro lugar, o MPLA, partido no poder, tem um completo controlo do processo parlamentar devido a uma maioria absoluta (129 dos 220 deputados). Acoplada à história de partido único do MPLA e às tácticas informais estabelecidas pela dominação presidencial, parece que Angola instituiu uma prática política (tradição) na qual o Parlamento exerce as suas possibilidades de controlo apenas em certa medida. Finalmente, existe um “elevado grau de intervenção presidencial na gestão diária dos assuntos de estado. Os assessores presidenciais têm muitas vezes mais influência do que os ministros, conduzindo a uma situação em que os ministros são incapazes de exercer a sua autoridade” (Hodges 2004:56). O Presidente dos Santos está no poder há mais de um quarto de século e, obviamente, não age a favor de uma sociedade aberta. 1.3.3 Clientelismo e apadrinhamento O sistema de presidencialismo em Angola, acima descrito, está aliado à concentração de poder político e económico em poucas mãos. Angola é um país de extremas desigualdades económicas. Uma prolongada guerra civil e a dependência (continuada) das receitas do petróleo e dos diamantes criou riquezas imensas para alguns e pobreza extrema para a maioria; uma pequena elite com acesso aos rendimentos do petróleo do governo e à economia do petróleo, e a vasta maioria vivendo numa economia destruída pela guerra e sem acesso nem mesmo aos serviços mais básicos. O neopatrimonialismo e o clientelismo são características da maioria dos estados da África, e incluem políticas de apadrinhamento, várias formas de rent-seeking (a maximização das 3 O actual Primeiro-Ministro, Fernando da Piedade Dias dos Santos ("Nandó") tem a função de “dirigir, orientar e coordenar a acção geral do Governo”, e é “politicamente responsavel” perante o Presidente nos termos da Lei Constitucional, mas ao mesmo tempo e na prática, o Presidente da República é o Chefe do Governo e preside as reuniões governamentais. Houve mesmo uma disputa entre os dois homens quando o Primeiro-Ministro convocou uma reunião governamental sem o conhecimento do Presidente, e dos Santos teve de reafirmar a sua autoridade. 4 De acordo com o Director Geral Adjunto do FMI, Sr Takatoshi Kato, na sequência da sua visita a Angola em Outubro de 2004; “o Governo deve aproveitar os recentes avanços para realizar o objectivo do Presidente de que os escassos recursos sejam usados da melhor maneira possível para o povo de Angola que já consentiu enormes sacrifícios nas últimas duas decadas. Isto envolverá mais esforços para reforçar a transparência no orçamento do Governo e as operações do banco central, incluindo a gestão dos recursos petrolíferos” (www.imf.org/external/np/sec/pr/2004/ pr04233.htm [02.11.04]). Ver também o relatório de 2004 da Human Rights Watch: “Some Transparency, No Accountability” (www.hrw.org/reports/2004/angola0104/angola0104.pdf [081007]). 4
RELATÓRIO CMI SOCIEDADE CIVIL EM ANGOLA R 2007: 8 preferências através do recurso à influência das relações de poder na regulamentação do acesso e usufruto dos recursos) e prebendalismo (a apropriação do aparelho do estado para geração de benefícios materiais para os próprios funcionários públicos, suas famílias e grupos a que pertencem). Angola exibe estas características em grande escala, porque as receitas do petróleo e dos diamantes possibilitam ao regime prestar favores materiais aos “clientes” em troca de apoio político. Ou seja, o controlo do estado sobre as importações possibilita ao regime controlar os interesses envolvidos nas actividades de importação, e inserir importantes aliados no sistema patrimonial. O excessivo número de funcionários governamentais (e políticos!) pode também ser encarado como uma parte da lógica de apadrinhamento. Para além de uma cultura política de secretismo e confidencialidade administrativa, existe igualmente uma cultura de clientelismo e de favorecimento. Isto inclui práticas como as cooptações (o suborno dos rivais políticos, incluindo líderes de ONGs), regras e regulamentos deliberadamente evasivos/cinzentos, (e os subsequentes obstáculos burocráticos como por exemplo o excessivo tempo que demora o registo de uma nova ONG pelo Ministério da Assistência e Reinserção Social), e uma desconfiança generalizada das várias agências governamentais em relação às ONGs.5 1.4 Antecedentes económicos Em termos económicos, a emergência de uma sociedade civil forte em Angola tem sido limitada por um crescente domínio das indústrias de extração mineira, pela falta de oportunidades económicas para actividades independentes, e pela inexistência de uma classe média independente. A economia angolana foi e continua a ser altamente controlada pelo governo, sendo a empresa estatal SONANGOL quase um estado dentro do estado. A ideologia e estratégia dominantes, e a guerra civil, excluíram a propriedade estrangeira e a empresa privada durante a era do partido único, e a pequena classe média (burguesia) é um grupo basicamente dependente do Estado, de empregados e funcionários públicos.6 Recentemente, Angola tem conhecido processos de acumulação violenta e de “privatização primitiva”, através dos quais empresas e recursos do governo têm sido privatizados, mas num processo que transferiu a titularidade para indivíduos pertencentes à elite governante7. Com as ainda existentes restrições do governo sobre as empresas privadas, o desenvolvimento de um grupo independente de pessoas empreendedoras e de negócios é seriamente limitado, e subsequentemente, também, o desenvolvimento de organizações de interesses com base em interesses empresariais e de propriedade, bem como de partidos políticos baseados nesses mesmos interesses também são, igualmente, limitados. Para além destas limitações económicas e estruturais para o dessenvolvimento de organizações de interesse independentes, a “maldição dos recursos” também limita a emergência de actores independentes. 5 Talvez valha a pena acrescentar os persistentes rumores que circulam em Luanda de que o principal partido da “oposição”, a UNITA, procura um arranjo negociado com o partido no poder, o MPLA, sob a forma de fusão dos dois partidos; de acordo com esse rumores, na avaliação dos quadros da UNITA as posições seriam melhor asseguradas em cooperação com o MPLA do que nas próximas eleições. 6 Segundo o relatório da Catham House, os principais agentes económicos em Angola incluem a presidência (com funcionários poderosos, a maior parte (itariamente composta por funcionários) não eleitos que não recebem ordens de estruturas estatais formais), Sonangol e Endiama (as empresas nacionais do petróleo e de diamantes), o MPLA (com as suas próprias participações económicas), o ministério das finanças e outros poucos ministérios (dos petróleos e obras públicas), os “generais” (que obtiveram grandes lucros durante a guerra e que continuam poderosos) e os Empresários de Confiança (poderosas pessoas de negócios privados, muitas vezes de antigas familias do MPLA, que estabeleceram monopólios e oligopólios lucrativos). (Catham House 2005c:8). 7 Este é o desenvolvimento de uma classe de proprietários, capitalista, na terminologia Marxista. Consequentemente esta é uma fase histórica da maioria dos países em desenvolvimento, na qual o estado deve ser activamente usado para criar uma classe capitalista, uma burguesia nacional. Mas, sem transparência e prestação de contas (responsabilidade), existe um grande risco de que o processo degenere em mais extracção primitiva, monopolização, corrupção e desigualdade social. 5
RELATÓRIO CMI SOCIEDADE CIVIL EM ANGOLA R 2007: 8 A teoria da ciência política da “maldição de recursos” defende que os regimes com fácil acesso à riqueza mineral, ou outro tipo de riqueza, serão sempre difíceis de democratizar8. Estes regimes podem manter os impostos baixos, e consequentemente a participação dos cidadãos, o escrutínio e o controlo também em níveis baixos. (Não haverá contrato social entre o governo impondo impostos e os cidadãos impondo controlo). Além disso, isso subdesenvolve a economia local e, consequentemente, também a de grupos de interesse económico, mantendo alta a taxa de câmbio, as importações altas, e a produção local baixa. A súbita e substancial riqueza mineral também concede à elite no poder a força financeira de que necessita para comprar equipamentos e outros meios militares para se defender de quaisquer potenciais oponentes ao seu poder. Angola enquadra-se provavelmente nesta categoria, e muitos observadores defenderão que está “amaldiçoada” pelo petróleo e pelos diamantes, e que a elite no poder demonstrou a sua disposição em recorrer à violência, se necessário, para defender as suas práticas de extracção dos recursos.9 Figura 1: Projecções governamentais das receitas petrolíferas10 90 80 70 60 50 US$ bn 40 30 US$ 75/bbl 20 US$ 45/bbl US$ 25/bbl 10 1990-2005 Norway 0 90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16 18 20 19 19 19 19 19 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 De igual modo, argumenta-se que as elevadas receitas do petróleo e o crescimento do PIB em Angola tornam menos provável que as pessoas se engagem na política em geral, e nas ONGs com fins políticos, em particular. Isto já foi observado em outros países; os indivíduos ambiciosos e 8 A tese da “maldição dos recursos” refere-se ao paradoxo dos países com abundância de recursos naturais que têm crescimento económico menor do que países sem estes recursos naturais. Isto pode acontecer por diversas razões, incluindo um declínio na competividade de outros sectores económicos, subinvestimento na educação, e má gestão dos rendimentos do sector de recursos naturais. (cursos administração incompentente do governo quando existem recursos). De notar que a fonte da “maldição” não são os recursos naturais mas antes a má gestão dos recursos por parte do governo. O termo “maldiçao de recursos” foi usado pela primeira vez por Richard Auty em 1993 para descrever como países ricos em recursos naturais não conseguiam usar essa riqueza para impulsionar as suas economias e como, contra todas as expectativas (-intituivamente), estes países têm crescimento económico mais baixo do que países sem essa abundância de recursos naturais. Contudo, a ideia de que recursos naturais poderiam representar mais uma maldição do que uma benção começa a emergir nos anos 80. Numerosos estudos, incluindo um notável de Jeffrey Sachs e Andrew Warner, demonstraram uma ligação entre a abundância de recursos e o baixo crescimento económico. 9 Vários observadores viram a guerra civil, e especialmente os seus últimos anos, mais em termos de uma luta pelos recursos naturais e uma luta contra o estado que é a principal via para controlar os recursos, do que uma luta entre ideologias ou qualquer outra coisa. 10 A tabela foi retirada da apresentação de David Morrison (Wood Mackenzie) no Workshop de Gestão das Receitas Petrolíferas de Angola, Luanda, Maio de 2006. As cifras estão em bilhões de USD, em três possíveis preços do barril de petróleo. (http://www.eitransparency.org/section/countries/_angola/_angolaworkshopsmay2006 [080806]) 6
RELATÓRIO CMI SOCIEDADE CIVIL EM ANGOLA R 2007: 8 empreendedores terão mais propensão em se inserirem profissionalmente numa economia em rápida expansão, do que em desafiá-la. 1.5 Sociedade Civil e políticas do governo Para além dos factores históricos e estruturais descritos acima que inibem as organizações da sociedade civil em Angola, existe também uma política governamental deliberada de restringir o espaço de manobra e o possível impacto político das organizações da sociedade civil. O governo do MPLA tem uma tradição de controlo comunista e corporativista e de uso das organizações de massa, e o partido ainda mobiliza e controla as mulheres e os jovens através de sub-organizações da mulher, da juventude e dos pioneiros, OMA (Organização da Mulher Angolana), JMPLA (Juventude do MPLA), e a OPA (Organização dos Pioneiros Agostinho Neto). Estas e outras “organizações de massa” controladas pelo governo para o desporto, a cultura e o trabalho social como (Movimento Social Espontâneo, Associação dos Jovens provenientes da Zâmbia (AJAPRAZ), Fundação Eduardo dos Santos (FESA) e Lwiny – Fundo de Solidariedade Social da primeira dama Ana Paula dos Santos etc., são todas usadas para implementar a estratégia do regime angolano e demonstrar legitimidade.11 Na opinião de Nelson Pestana (2003:9), “as organizações nascidas sob a égide desta lógica como a FESA e outras lideradas por familiares do presidente, tentaram instrumentalizar, domesticar e subverter as reclamações das organizações da sociedade civil contra a ideia da sua autonomia”. Segundo, mesmo quando a Constituição foi emendada em 1992 para permitir o registo e a actividade (relativamente livre) das ONGs, o governo tem leis que, se implementadas, podem restringir as ONGs porque dão ao governo o direito de determinar onde e que projectos cada ONG pode implementar, e porque se lhes exige que forneçam detalhes bancários e financeiros. Embora actualmente o governo não exerça o disposto nesta lei, está em curso um processo de revisão legal que pode formalizar e activar estas restrições. Terceiro, pode argumentar-se que o ponto de vista do Governo sobre as ONGs é que elas são (fundamentalmente, deveriam ser) organizações de auto-ajuda e de prestação de serviços; por outras palavras, colectividades de cidadãos sem cidadania. Isto contrasta com o papel mais amplo e mais “político” das ONGs defendido por académicos, activistas e, também, pelos doadores. Devido à limitada capacidade do governo e à guerra civil, existe uma longa tradição em Angola de se aceitar e até mesmo encorajar as OSC a engajarem-se na prestação de serviços e assistência a deslocados e refugiados, particularmente ao nível local. Várias ONGs conseguiram assim um espaço significativo para a prestação de serviços a nível local e a organização de auto-ajuda, e elas protegeram este espaço através de uma cuidadosa gestão das suas relações com o estado.12 11 Em particular os fundos sociais do presidente e da sua esposa promovem uma imagem pública da família presidencial como patronos da caridade e da distribuição, e distancia-os das falhas na prestação de serviços pelo Estado. O que ressalta da recentemente estabelecida organização paramilitar do MPLA, Organização da Defesa Civil, pode ser mais dramático, uma vez que este tipo de “militantes” armados do partido no poder são conhecidos em diversos outros países Africanos por uma extrema violência em períodos pré-eleitorais. 12 Os únicos grupos verdadeiramente não-governamentais autorizados a operar antes de finais dos anos 1980 foram as organizações religiosas, como a Caritas Angola e o Conselho das Organizações Evangélicas de Angola. Apenas com os acordos de paz de Bicesse e a revisão constitucional de 1991, organizações não ecuménicas como a ADRA conseguiram emergir. 7
RELATÓRIO CMI SOCIEDADE CIVIL EM ANGOLA R 2007: 8 Caixa de texto 1 A Nova Lei das Associações O Governo iniciou uma revisão da Lei das Associações (Lei 14/91) e o subsequente decreto (Decreto 84/02). O processo iniciou em Maio de 2006, e é coordenado pela UTCAH (Unidade Técnica de Coordenação da Ajuda Humanitária) do Ministério da Assistência e Reinserção Social. A maneira como iniciou este processo revela algumas características básicas do ambiente institucional angolano. Primeiro, revela o desejo do governo de fazer revisões no quadro legal para que ele se adeqúe à situação de transição após o fim da guerra. Segundo, revela a abordagem de um regime bastante autoritário em relação a uma sociedade civil fraca, e o desejo do governo de (ainda) regular/regulamentar as actividades dos actores não estatais. Em primeiro lugar, o Decreto 84/02 (implementado em 2004) regula e especifica de forma rigorosa um espaço relativamente aberto criado pela Lei 14/91. A lei apresenta uma abordagem ampla à vida associativa, mas o decreto foi desenhado para acomodar apenas o sector das ONGs do vasto mundo dos actores não estatais (deixando de fora outros tipos de vida associativa e de actores não estatais, tais como organizações de massa dos partidos, sindicatos, igrejas, mídia, etc.). E mais, o decreto visa explicitamente “disciplinar” as ONGs uma vez que estabelece alguns requisitos em termos da prestação de contas das ONGs perante as instituições do estado, em contraste/contradição ao princípio geral da independência associativa, controlo de membros e auditoria interna. Pelo decreto, as ONGs são obrigadas a abster-se de “acções políticas e partidárias”, condicionando ainda o emprego de expatriados e exigindo a reportação minuciosa ao órgão de coordenação governamental, a UTCAH. O Decreto estabelece uma tutela governamental das ONGs, exercida pelo Ministério da Assistencia e Reinserção Social. Isto limita rigorosamente o espaço de manobra das ONGs. O decreto indica o que o governo considera ser o papel das ONGs, nomeadamente, ser parceiras do governo e das suas instituições, em projectos e actividades determinadas pelo governo. Isto também foi comunicado pelos representantes da UTCAH ao CONGA e ao FONGA; a intenção do governo consiste em reduzir a independencia das ONGs, e manter as suas intervenções restritas apenas às abordagens humanitárias e de emergência. Visto pelo lado das organizações da sociedade civil, a principal fraqueza do novo decreto é que ele reforça o ambiente institucional adverso, limita o espaço público. Torna bastante dificil para as ONGs levarem o governo e as suas instituições a trabalharem em conjunto naquilo que a sociedade civil encara como necessidades, problemas e soluções. Lamentavelmente, a reacção da sociedade civil à iniciativa do governo é limitada, demonstrando uma falta de entendimento dos riscos envolvidos pelo facto de deixar o governo decidir sobre o quadro legal das ONGs de acordo com os seus próprios objectivos e critérios. Tem sido prestada pouca atenção à análise das implicações políticas desta nova lei, e muito pouco debate público. Mas a sociedade civil emergente enfrenta dificuldades derivadas de uma falta de entendimento comum por parte do governo, sobre o papel dos actores não estatais/civis. Consequentemente, têm ocorrido ultimamente alguns incidentes de tensão social e política, principalmente quando as ONGs intervêm na advocacia dos direitos humanos, procuram intervir no processo de preparação do orçamento nacional, e exigem maior transparência no uso dos rendimentos nacionais. Quarto, existe uma tendência autoritária de controlo das ONGs por parte de alguns ministérios e agências governamentais. Alguns ministros e dignatários do partido no poder são aberta e directamente hostis às ONGs e suas actividades13. Segundo alguns dos nossos informantes, as organizações da sociedade civil são, algumas vezes, monitoradas, infiltradas e manipuladas pelo 13 Numa conferência realizada em Luanda pelo Ministério das Finanças e Banco Mundial, o Vice Ministro das Finanças, Sr. Eduardo Severino de Morais, referindo-se a uma possível participação de ONGs no processo do orçamento, disse que “não existe tecnicamente tempo para a sociedade civil tomar parte no processo do orçamento”, não obstante o facto de a Constituição obrigar o Governo a consultar a sociedade civil no processo de orçamento. Um outro Ministro, Virgilio de Fontes Pereira, disse numa entrevista ao Jornal A Capital (20 de Setembro de 2006) que ele “não toleraria estrangeiros e usaria tudo ao seu dispor para travar as ONGs que tentassem intervir no processo de educação civica para as próximas eleições”. 8
RELATÓRIO CMI SOCIEDADE CIVIL EM ANGOLA R 2007: 8 governo (infiltração pelos Serviços de Segurança de Estado), e ocorrem cooptações14. A maioria dos actores da sociedade civil é cuidadosa nas suas actividades. Por exemplo, é bastante comum que alguns indivíduos e algumas organizações não sejam convidados para discussões/debates, ou não sejam devidamente informados a respeito. Além disso, tem havido em Angola um entendimento generalizado do termo “ONGs” significar “ONGs internacionais”. Muitas pessoas ainda consideram uma ONG como tendo gestores e financiamento estrangeiros, e para muitas pessoas isto significa qualidade e capacidade de deliberação. Contudo, o governo foi algumas vezes muito rápido em desacreditar as ONGs com base no argumento de serem actores internacionais, e porque algumas ONGs internacionais foram usadas para fins políticos durante a guerra.15 Resumindo, as abordagens do Governo relativamente às organizações da sociedade civil são confusas, para usar uma linguagem moderada. Existe uma tradição de supervisão, restrição e controlo (demonstrada entre outras coisas, pela nova proposta de legislação sobre as associações), mas também existe disposição/vontade para deixar as ONGs implementarem algumas formas de prestação de serviços e de redução da pobreza (projectos sociais dentro dos parâmetros da regulamentação do governo), e em alguns ministérios existe uma atitude mais receptiva e aberta para com as ONGs. Assim, existe algum espaço agora para as ONGs operarem em Angola como parceiras do governo, mas apenas dentro dos parâmetros definidos pelo governo para esta relação. Isto significa que existe apenas um espaço limitado para a acção independente fora dos programas e projectos do governo, e restrições à “actividade política” sobre direitos humanos, boa governação, responsabilidade e prestação de contas, transparência, participação, inclusão social e outras questões politicas fundamentais em Angola. Várias das organizações entrevistadas manifestaram preocupação sobre o actual espaço de manobra que consideram vulnerável; apesar de algumas aberturas e de uma crescente compreensão dentro das, e entre as, agências governamentais sobre as questões dos direitos humanos e da cidadania, esta situação pode mudar, especialmente se a actual estratégia de não-confrontação adoptada pelas organizações da sociedade civil for violada. 14 Isto está em contradição com o relatório da Catham House que diz que existe “um relativamente pequeno fluxo de pessoal em outra direcção, da sociedade civil para o MPLA. Conquanto isso possa sugerir que não ocorre muita co- optação, também torna mais difícil que as ideias da sociedade civil penetrem no MPLA”. (Catham House 2005c:4). 15 Importa notar contudo, que a conceptualização muito negativa das ONGs está a mudar. O espaço para as ONGs operarem está a melhorar, tanto temática como geograficamente. Alguns exemplos: quando se realizou o processo de paz em 1992, o Presidente recomendou “todos os actores civis angolanos devem contribuir para a reconstrução e progresso social”, e ouviu-se mais pronunciamentos oficiais como este. Mais tarde, o Presidente convidou as ONGs a estarem representadas na Comissão Eleitoral criada pelo governo. 9
También puede leer