PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018

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PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018
ano VIII, número 28
julho, agosto e setembro de 2018
www.conass.org.br/consensus
ISSN 2594-939X

                   ENTREVISTA               SAÚDE EM FOCO
          Mônica Viegas: como a economia   Ajuste fiscal e seus
             da saúde afeta a gestão        efeitos na saúde

                  PROPOSTAS DO CONASS AOS
                  CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA
                    DA REPÚBLICA EM 2018
PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018
consensus
                    REVISTA DO CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE
                          Ano VIII | Número 28 | Julho, Agosto e Setembro de 2018

                                     ENTREVISTA                  SAÚDE EM FOCO
                            Mônica Viegas: como a economia      Ajuste fiscal e seus
                               da saúde afeta a gestão           efeitos na saúde

                                PROPOSTAS DO CONASS AOS
                                CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA
                                  DA REPÚBLICA EM 2018

A revista Consensus traz em suas páginas códigos que remetem a conteúdos complementares. Acesse e confira.
PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018
consensus entrevista
         Mônica Viegas: particularidades dos mercados da

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         saúde, eficiência, qualidade e investimento público
         e privado em saúde no Brasil

     matéria de capa
         Propostas do Conass aos candidatos à Presidência
         da República em 2018
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                saúde em foco
         18      O ajuste fiscal e seus efeitos para a saúde

                institucional
         26     Programa Nacional de Imunizações – redução das
                desigualdades sociais

         30     Boas práticas na gestão de parceria com o terceiro setor
                na saúde

         36     Banco Mundial apresenta relatório sobre o setor saúde
                no Brasil

         41     Conass trabalha pelo fortalecimento das Escolas Estaduais
                de Saúde Pública

         42      Oficina Tripartite sobre Mortalidade Materna e na Infância

                opinião
         44     Análise Descritiva da Mortalidade Materna e na Infância
                no Brasil, 2007 a 2016

         50     curtas
PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018
editorial

    A     presentamos, nesta edição da Revista Consensus, as Propostas do Conass aos candidatos
          à presidência da República em 2018, documento no qual os gestores estaduais expressam
    os principais desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) no intuito de contribuir com os pro-
    gramas de governo dos presidenciáveis para a área da saúde. O documento, entregue a alguns
    candidatos, foi lançado na assembleia do Conass do mês de agosto e apresentado à Comissão
    Intergestores Tripartite (CIT) no dia seguinte. Foi encaminhado a partidos políticos, a parla-
    mentares e a instituições da saúde em geral, além de veículos de comunicação.
         Por meio do documento, o Conass reitera sua luta constante pelo aprimoramento e for-
    talecimento do SUS, que muito realizou nos seus recém completados 30 anos, mas que ain-
    da carece de muitos avanços e melhorias. As propostas são apresentadas em 10 eixos que de-
    monstram que, em sua trajetória, o SUS foi capaz de se estruturar e de se consolidar como um
    sistema público de saúde de relevância inestimável para a população brasileira, uma conquis-
    ta sem precedentes que hoje se configura como a principal política pública do país. Entende-
    mos, no entanto, que alguns problemas, muitos deles estruturais, atrapalham sua evolução,
    por isso, as propostas seguem os viéses técnico e político e o consenso dos secretários estadu-
    ais de saúde, que são os pilares da atuação do Conass.
         A realidade econômica e financeira do SUS não está desatrelada dos seus desafios e con-
    quistas. Pelo contrário, o financiamento da saúde e todo o seu contexto histórico e operacional
    são de extrema relevância para a reflexão e tomada de decisões em prol do SUS. Diante dessa
    realidade, convidamos a economista Mônica Viegas, da Universidade Federal de Minas Ge-
    rais, para esclarecer como a economia da saúde afeta a gestão. Ela falou a respeito de temas
    relevantes no que concerne à economia da saúde e abordou questões como a regionalização,
    as particularidades dos mercados da saúde, eficiência, qualidade e investimento público e pri-
    vado em saúde no Brasil.
         Ainda na perspectiva econômica, a seção Saúde em Foco traz os impactos do ajuste fiscal
    na saúde. Apuramos, junto a gestores e especialistas, como as medidas de disciplinar os gastos
    impostas pela Emenda Constitucional n. 95 podem afetar a saúde dos brasileiros.
         Eventos importantes marcaram a gestão da saúde nos últimos meses. Relatados na se-
    ção Institucional, seminários e oficinas promovidos pelo Conass e parceiros que fomentaram
    discussões fundamentais para o SUS. As Boas práticas na gestão de parceria com o terceiro se-
    tor na saúde, fruto de parceria entre o Conass, o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais
    de Saúde (Ibross) e o Tribunal de Contas da União (TCU); a oficina tripartite para discutir a
    Mortalidade Materna e na Infância, que, aliás, é tema do artigo assinado por especialistas das
    secretarias de Vigilância em Saúde (SVS) e de Atenção à Saúde (SAS), do Ministério da Saúde.
         O Conass também realizou oficina de trabalho em que estados elaboraram planos de ação
    para enfrentamento da queda das coberturas vacinais e participou na audiência pública: Pro-
    grama Nacional de Imunizações, realizada pelo Ministério Público Federal (MPF). Também
    esteve presente no seminário E agora Brasil?, promovido pelo Banco Mundial e pelo jornal
    Folha de S. Paulo, no qual gestores e especialistas debateram o relatório apresentado pelo banco
    com a finalidade de contribuir com medidas que tornem o SUS mais eficiente.

                                                             Desejamos a todos uma ótima leitura!

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PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018
PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018
consensus entrevista

    ENTREVISTA

    Mônica Viegas
    Andrade
    M     ônica Viegas Andrade é doutora em Economia pela Fundação Ge-
          túlio Vargas, fez pós-doutorado no Centro de Investigação em Eco-
    nomia da Saúde (CRES) da Universidade Pompeu Fabra (2008-2009) e no
    Departamento de Saúde Global e População da Universidade de Harvard.
    É professora Associada do Departamento de Ciências Econômicas da Uni-
    versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Centro de Desenvolvi-
    mento e Planejamento Regional (Cedeplar).
       Ela é coordenadora do Grupo de Estudos em Economia da Saúde e
    Criminalidade abrigado no Cedeplar, do programa de pós-graduação em
    Economia e Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais, consti-
    tuído principalmente por professores, pesquisadores e alunos dos progra-
    mas de pós-graduação em Economia e Demografia do Cedeplar. O grupo
    desenvolve pesquisas acadêmicas e trabalhos, sobretudo na área de plane-
    jamento e avaliação de políticas em saúde e criminalidade envolvendo os
    setores público e privado.
       Nesta entrevista concedida à Consensus, a economista falou sobre
    temas relevantes para o SUS, contemplados em suas áreas de interesse:
    economia da saúde, economia do bem-estar social e avaliação econômica,
    abordando questões como a regionalização, as particularidades dos mer-
    cados da saúde, eficiência, qualidade e investimento público e privado em
    saúde no Brasil.
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PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018
consensus | terceiro trimestre 2018

Foto: Beto Monteiro/Secom UnB                                    7
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consensus entrevista

    Consensus Como surgiu a economia da saú-         aproveitadas; essas oportunidades não apro-
    de no Brasil?                                    veitadas são os trade-offs. E por que a econo-
    Mônica Viegas A economia da saúde como           mia da saúde importa para a gestão? O papel
    ciência tem início na década de 1960, no pós-    do gestor é estar rotineiramente lidando com
    -guerra, quando são formados os estados de       essas decisões. Ele precisa entender bem o
    bem-estar. Nesse momento, se forma a ideia       contexto e o que está envolvido em cada esco-
    da saúde como um bem meritório e funda-          lha. A economia da saúde é a ferramenta que
    mental a ser ofertado. Nos departamentos         pode oferecer para o gestor esse instrumen-
    de economia, principalmente nos Estados          tal para essa tomada de decisão diária. Mas
    Unidos da América e na Inglaterra, os pro-       é importante que o economista tenha um
    blemas associados à provisão e organização       entendimento dos problemas específicos da
    dos serviços de saúde passam a ser perguntas     saúde e tenha sensibilidade para isso. Não é
    relevantes a partir do final dos anos 1960. O    suficiente utilizar o instrumental econômico
    Brasil demorou muito para entrar neste deba-     sem entender as particularidades e as com-
    te de maneira organizada. A criação do SUS       plexidades envolvidas na provisão, financia-
    se dá a partir do movimento sanitarista, com     mento e organização dos serviços de saúde.
    a participação majoritária de médicos. Os
    economistas do bem-estar social no Brasil se     Consensus E quais são as particularidades e
    concentraram por muito tempo estudando           as complexidades do mercado de bens e ser-
    somente as temáticas da educação, trabalho       viços de saúde? O que diferencia esse mer-
    e desigualdade. Além disso, os primeiros eco-    cado de outros?
    nomistas que se debruçaram sobre a temática      Mônica Viegas São muitas as particularida-
    da saúde no Brasil estavam muito preocupa-       des e as complexidades. Um primeiro aspec-
    dos com a questão do financiamento. A eco-       to que diferencia a saúde, inclusive da edu-
    nomia da saúde no Brasil é recente e surge,      cação, é a natureza da demanda por bens e
    oficialmente, no Ministério da Saúde com a       serviços de saúde; essa é uma demanda deri-
    implementação do Departamento de Econo-          vada, e não uma demanda direta. O que isso
    mia da Saúde.                                    quer dizer? Na verdade, o objetivo primário
                                                     das pessoas é obter um nível mais elevado de
    Consensus Qual a importância da econo-           estado de saúde, mas não existe um merca-
    mia da saúde para a gestão?                      do de saúde disponível onde possamos tran-
    Mônica Viegas De maneira simplista, pode-se      sacionar saúde: o que existe é um mercado
    dizer que a economia é uma ciência que anali-    de bens e serviços de saúde que as pessoas
    sa a tomada de decisões dos agentes. A decisão   demandam esperando que esses possam res-
    primordial, digamos a base da ciência econô-     taurar o seu estado de saúde. Em segundo
    mica, é a decisão de alocação de recursos. Os    lugar, nem sempre o consumo dos bens e
    economistas existem porque os recursos são       serviços de saúde se traduz em saúde. Existe
    escassos, sendo, portanto, necessário entender   incerteza associada ao consumo desses bens,
    todos os trade-offs associados a cada escolha.   incerteza sobre quando iremos ficar doentes
                                                     e precisar dos serviços, incerteza sobre o que
    Consensus O que são os trade-offs?               é preciso consumir (diagnóstico) e incerteza
    Mônica Viegas Em todas as situações de esco-     sobre a efetividade desse consumo. Por fim,
    lha, a opção por determinado caminho impli-      ainda em relação à escolha de bens e serviços
    ca que outras possibilidades não possam ser      de saúde, aspecto importante é que o consu-
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midor, nesse caso, diferentemente dos de-
mais bens, não é soberano. Isso significa que
o consumidor não sabe o que é melhor para                        Não é suficiente
ele. Para todos os bens que consumimos, par-
timos de um pressuposto importante que é a                utilizar o instrumental
ideia de que o consumidor sabe o que é mais                       econômico sem
relevante para ele e, portanto, tem capacida-
de de escolher o que consumir observando                              entender as
os preços de mercado e suas preferências. No
caso da saúde, o consumidor não tem essa
                                                                particularidades e
soberania: quem faz a escolha do que ele vai                    as complexidades
consumir, na maior parte das vezes, são os
médicos e outros profissionais de saúde. O
                                                         envolvidas na provisão,
fato e do médico tomar a decisão para os pa-                     financiamento e
cientes tem muitas implicações do ponto de
vista do bem-estar individual e social. Todas                    organização dos
essas particularidades geram problemas no                       serviços de saúde
consumo e na provisão dos bens e serviços
que não são observadas em outros mercados
e que precisam ser levados em consideração
pelos gestores.

Consensus A quais gestores você se refere?
Mônica Viegas Me refiro a todos os gestores.
Desde o Ministro da Saúde, ao diretor-presi-       muito grande ao ter de garantir a provisão
dente da Agência Nacional de Saúde, que são
                                                   dos serviços de saúde de forma integral para
gestores máximos de nosso sistema, aos secre-
                                                   os seus habitantes. Essa centralidade do mu-
tários de saúde estaduais e municipais... até os
                                                   nicípio nem sempre pode ser atendida, tanto
gerentes de Unidades Básicas. Todos os gesto-
                                                   por limitação da capacidade de gestão muni-
res precisam entendem um pouco dessa com-
                                                   cipal como por inviabilidade de escala.
plexidade para conseguir lidar com os proble-
                                                   A estrutura de produção de alguns cuidados,
mas associados ao provimento dos serviços
                                                   principalmente o cuidado de média e alta
de saúde, entender a complexidade da saúde
                                                   complexidade, não é compatível para ser
e tomar as melhores decisões para o coletivo.
                                                   ofertada em nível municipal, e uma resposta
Consensus Do ponto de vista econômico,             para esse impasse entre a estrutura federati-
como as diferenças regionais impactam na           va e a organização do SUS é a regionalização.
regionalização da saúde?                           Regionalizar para permitir que, com o agru-
Mônica Viegas A descentralização do SUS            pamento de municípios, seja possível ofertar
em conformidade com o pacto federativo             em um raio de distância acessível a produção
estabelecido na Constituição de 1988 coloca        de cuidados com economias de escala e esco-
questões e dilemas complicados para a orga-        po, ou seja, de forma mais eficiente.
nização do nosso sistema de saúde. No SUS,         A grande dificuldade que se coloca atualmen-
o município assume uma responsabilidade            te no SUS é como estabelecer esses arranjos de
                                                                                                                   9
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consensus entrevista

     regionalização de forma viável e que de fato       to relevante, por outro lado, estados como
     sejam implementados. O Brasil já avançou           Minas Gerais, que têm um número muito
     muito do ponto de vista normativo, já tem vá-      elevado de municípios pequenos, a regionali-
     rios anos que estamos tentando estabelecer a       zação tem papel estruturante. Dessa maneira,
     regionalização por meio da via normativa, e        pensar a regionalização de maneira uniforme
     esse arranjo não tem decolado. Hoje os incen-      para todos os municípios do Brasil talvez seja
     tivos à regionalização ainda não são suficien-     um equívoco que tem impedido a criação de
     tes para compensar os incentivos para que os       instrumentos mais efetivos.
     prefeitos sigam a sua gestão de forma indivi-
     dual. Do ponto de vista do gestor municipal,       Consensus Quais as principais considera-
     importa a ele que os seus habitantes tenham        ções relacionadas à eficiência e à qualidade
                                                        da saúde e como a regionalização pode aju-
     a percepção do acesso associada ao seu muni-
                                                        dar o sistema nesse sentido? Ainda nessa
     cípio. A possibilidade de viabilizar o serviço
                                                        lógica, qual a sua opinião em relação aos
     por meio da regionalização, ou seja, por meio
                                                        hospitais de pequeno porte?
     de um serviço realizado em outro município,
                                                        Mônica Viegas A regionalização é fundamen-
     muitas vezes, não dá ao prefeito a visibilida-
                                                        tal na organização e provisão dos serviços de
     de que esse espera ou deseja. O prefeito, lá na
                                                        média e alta complexidade, em geral oferta-
     ponta, tem interesse imediato em oferecer
                                                        dos no ambiente hospitalar. Nesses casos, há
     serviços mais próximos da população. A po-
                                                        presença de economias de escala e de escopo,
     pulação, por sua vez, muitas vezes escolhe         além dos ganhos de qualidade nos serviços
     um hospital que não é resolutivo por conta         ofertados. As economias de escala ocorrem
     da proximidade. Se essa decisão for apenas do      porque os eventos são raros na população,
     prefeito, teremos um desenho ineficiente na        enquanto as economias de escopo estão asso-
     maioria dos casos. Por outro lado, hoje já exis-   ciadas à complexidade dos diagnósticos que
     te um nível de percepção dos prefeitos de que      necessitam de cuidado multiprofissional. Na
     a instalação de um hospital municipal tam-         verdade, em uma internação, o paciente rece-
     bém não é a solução do problema.                   be volume grande de serviços ofertados por
      Outro aspecto importante e que está direta-       profissionais diversos, em uma mesma inter-
     mente associado à sua pergunta diz respeito        nação, são múltiplos os produtos associados.
     às disparidades regionais existentes no Bra-       A forma de conseguir garantir essa equipe
     sil. De fato, a regionalização tem resultados      multiprofissional, assim como a oferta de
     e importância muito diferenciada dependen-         equipamentos diagnóstico, é com a amplia-
     do da região. A regionalização está associada      ção da população de influência desse hospi-
     à estrutura de urbanização e de distribuição       tal. Além dos ganhos de escala e escopo, são
     demográfica da população nas regiões, e cer-       importantes os ganhos de qualidade associa-
     tamente esses aspectos vão impactar positiva       dos à maior realização desses procedimentos
     ou negativamente a sua implementação e efi-        que permite um aprendizado dos profissio-
     ciência. As características da região são fun-     nais. Nesse sentido, hão há dúvidas de que a
     damentais para se pensar inclusive a necessi-      regionalização é fundamental para o sistema
     dade de regionalização. Em um estado como          público sendo caminho possível para alcan-
     São Paulo, onde a maior parte das cidades          çar essa gestão com maior eficiência.
     tem porte médio com densidade demográfica          A outra questão importante, que você men-
     elevada, o papel da regionalização não é mui-      ciona, diz respeito aos Hospitais de Pequeno
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Porte. No escopo da regionalização, de fato,     Já o setor privado tem lógica muito diferen-
é necessário repensar esses hospitais, mas,      te do setor público, é a lógica de mercado e,
como já mencionamos, esse papel é distinto       nesse caso, o investimento tem papel fun-
dependendo da região e de suas característi-     damental. Se observarmos a distribuição da
cas. Existem regiões em que, devido à baixa      oferta de serviços de saúde públicos e priva-
densidade demográfica, mesmo com uma             dos no Brasil, chama a atenção a concentra-
regionalização, não será alcançada escala        ção dos serviços privados nas regiões de ren-
suficiente em um raio de distância razoável.     da per capita mais elevada. O investimento
Nesses casos, é importante que exista pelo       privado vai se localizar nas regiões onde há
menos alguma porta de entrada para acolher       expectativa de ganhos. Além disso, outro as-
o paciente em um primeiro momento. Em al-        pecto importante é que a competição no se-
gumas regiões, o único acesso possível talvez    tor privado ocorre muitas vezes por meio da
seja realizado pelo Hospital de Pequeno Porte,   incorporação tecnológica. A incorporação
ainda que este tenha baixa resolubilidade. Por   tecnológica é fator positivamente observa-
outro lado, na maior parte das localidades, é    do tanto pelos profissionais de saúde como
preferível um transporte sanitário eficiente     pelos pacientes. Do ponto de vista tanto dos
e uma rede organizada e regulada do que ter      pacientes como dos profissionais, há, mui-
Hospital de Pequeno Porte não resolutivo.        tas vezes, uma percepção de maior acurácia
                                                 do diagnóstico e do tratamento associada a
Consensus Em seminário recente promovi-          equipamentos/procedimentos mais novos e
do pelo Banco Mundial e pelo jornal Folha        mais modernos. Nesse sentido, há incentivo
de S. Paulo, você disse que é preciso repensar   a investimento em tecnologias. Um hospital
o investimento em saúde por parte do setor       pouco modernizado, por exemplo, tende a
público, que é menor que o do setor pri-         perder a concorrência pelos melhores pro-
vado? Qual é a explicação econômica para         fissionais, perdendo, portanto, importância
essa questão e como ela questão impacta na       no mercado. Então, é natural ocorrer uma
assistência aos usuários do SUS?                 discrepância entre os níveis observados de
Mônica Viegas Primeiro temos de entender         investimento privado e o investimento pú-
que gasto é diferente de investimento. Eu        blico em saúde. No caso do Brasil, temos ain-
posso ter um gasto para remunerar o que          da uma particularidade que são os hospitais
está sendo produzido, para pagar profissio-      filantrópicos, que recebem volume impor-
nais, medicamentos, entre outros, esse é o       tante de incentivos financeiros tributários
gasto corrente de custeio. Hoje o gasto pú-      que financiam, sobretudo o investimento.
blico no SUS é majoritariamente gasto de
custeio, ou seja, não existe investimento.       Consensus Em sua opinião, quais estraté-
O investimento que o Brasil faz em saúde é       gias adotadas pelo sistema público de saú-
realizado principalmente pela rede privada       de devem ser adotadas pelo setor privado e
tanto por meio da compra de equipamentos,        vice-versa?
ou modernização e construção de novos hos-       Mônica Viegas Está claro que o modelo de
pitais. O gasto público em investimento em       cuidado mais eficiente é a Atenção Primária à
saúde tem sido historicamente muito baixo        Saúde, que, quando bem feita, é capaz de res-
e nos últimos anos essa questão ficou ainda      ponder à maior parte dos problemas de saú-
mais agravada, uma vez que o financiamen-        de da população. Se é assim, porque o setor
to da saúde está estrangulado.                   privado não começou pela APS? Obviamente
                                                                                                               11
consensus entrevista

     porque ela é menos lucrativa. Agora o setor       ser um impeditivo definitivo. O importante
     privado brasileiro começa a se organizar para     é entendermos que o modelo de cuidado não
     fortalecer essa atenção, tendo em vista o esgo-   depende da forma de financiamento. Como
     tamento do modelo vigente à medida que as         a lógica que determina a organização dos
     pessoas vão envelhecendo. O setor de saúde        serviços e o que será ofertado é diferente nos
     suplementar é um sistema de seguros que de-       setores público e privado, existem processos
     pende da possibilidade de se realizar um pool     que não são experimentados no setor privado
     de risco entre indivíduos com riscos diferen-     porque o sistema é mercantil, o que interessa
     ciados. Com o envelhecimento da população,        é vender o serviço.
     maior prevalência de doenças crônicas, incor-
     poração tecnológica intensiva e um sistema        Consensus Qual a sua opinião a respeito das
                                                       Emendas Parlamentares para a saúde?
     de pagamento por procedimento, a tendência
                                                       Mônica Viega São duas discussões: uma dis-
     é aumentar o risco e os gastos esperados re-
                                                       cussão se refere ao financiamento do investi-
     sultando em prêmios de seguro cada vez mais
                                                       mento, o qual certamente não deveria ocorrer
     elevados. Se, em vez de organizar o cuidado
                                                       por meio de emendas parlamentares. A deci-
     com base na APS, o setor foca na compra de
                                                       são de investimento financiada por emenda
     serviços curativos, o resultado é um cuidado
                                                       parlamentar dificilmente será tomada em
     muito caro para toda a população beneficiá-
                                                       prol do bem-estar coletivo e, sim, focada em
     ria, que em situação de restrição orçamentá-
                                                       ações locais e, frequentemente, naquelas que
     ria tende a sair desse segmento. No Brasil, te-
                                                       geram mais votos para o político. Nesse sen-
     mos excelente moderador do sistema privado
                                                       tido, não tenho muitas dúvidas de que, como
     que é o SUS. Assim, se o seguro privado ficar
                                                       instrumento de decisão de investimento, ela
     caro demais, a sociedade migra totalmente
                                                       é absolutamente equivocada. A outra discus-
     para o SUS.                                       são é a emenda parlamentar como instru-
     Em termos de modelo de cuidado, tudo que          mento legislativo, que, na minha opinião, é
     serve para um sistema serve para outro, seja      um resquício do Brasil colônia.
     um prontuário eletrônico, um sistema de refe-
     rência e contrarreferência, uma organização       Consensus Considerando a Proposta de
     em rede. É óbvio que a implementação desses       Emenda à Constituição (PEC) n. 95, que li-
     processos tem custos e depende da definição       mita os gastos públicos com a saúde e o fi-
     de protocolos de cuidado. Em sistemas públi-      nanciamento da saúde por parte da União,
     cos centralizados é mais fácil definir protoco-   estados e municípios, como você analisa
     los e processos, ao contrário do setor privado,   essa distribuição no orçamento da saúde e
     no qual a questão da autonomia médica pode        quais problemas ela acarreta?
                                                       Mônica Viegas A PEC foi proposta para disci-
                                                       plinar o gasto fiscal do Brasil, sob o argumento
                        De fato, a                     de que, sem essa medida, em algum momen-
               regionalização tem                      to, a inflação vai voltar a assombrar o Brasil,
                                                       acarretando problemas lá na frente como os
         resultados e importância                      que estamos vivenciando atualmente. Esse é
               muito diferenciada                      claramente um trade off. Além disso, a PEC n.
                                                       95 estabelece o teto para os gastos federais e
           dependendo da região                        não para o gasto de estados e municípios.
                                                       Em relação aos impactos da PEC nos gastos
12
www.conass.org.br/consensus

com saúde, a meu ver, em primeiro lugar, é          de atenção secundária, mais filas de espera,
necessário reconhecer que as dificuldades or-       menos profissionais.
çamentárias da saúde antecedem à determi-           Outro efeito da reforma da previdência se
nação da PEC. O subfinanciamento público            refere à relação entre o sistema público e o
da saúde está presente desde a criação do SUS       privado. Se a idade mínima para o tempo de
quando não foi definida uma fonte financiado-       aposentadoria for aumentada, haverá mais
ra específica para a saúde. Dentro do orçamen-      gente no mercado de trabalho, e essas pessoas
to da seguridade social, a saúde sempre perdeu      em geral têm acesso a planos de saúde, o que
para a previdência. Nesse sentido, a minha in-      significa menos usuários exclusivos do SUS.
terpretação acerca dos impactos da PEC para a       Há ainda um efeito secundário difícil de ser
saúde é que ela explicita o conflito distributivo   mensurado atinente à saúde do trabalhador.
vivenciado no Brasil há pelo menos três déca-       Existem evidências de piora do estado de saú-
das. Precisamos estabelecer com clareza que         de quando os indivíduos se aposentam, devi-
SUS que queremos. Se queremos de fato um            do, por exemplo, a problemas de depressão.
sistema universal e integral, temos de estabe-
lecer formas claras de financiar esse sistema.      Consensus Em sua opinião como economis-
Com a determinação da PEC, quando o país            ta da saúde, o que podemos esperar para o
voltar a crescer, teremos de resolver como alo-     futuro do SUS?
car esse crescimento. Mas, mesmo no cenário         Mônica Viegas A sociedade brasileira fez a
de crescimento, se não houver a reforma da          opção de um desenho de sistema de saúde
previdência, a saúde vai continuar perdendo         misto, onde tornamos possível tanto que os
– o que já era observado antes da PEC. Agora        indivíduos tenham livre escolha de cuidado,
estou me referindo ao impacto específico na         podendo obtê-lo no sistema privado, como
saúde, existem outras áreas, como a educação        também garantimos a todos os indivídu-
superior, por exemplo, em que a PEC impacta         os um sistema público universal e integral.
de forma definitiva no curto prazo.                 Esse desenho misto existe em outros países,
                                                    mas não na forma duplicada e complexa que
Consensus Como a reforma da previdência
                                                    observamos no Brasil. Esse desenho coloca
impactaria no setor saúde, principalmente
se considerarmos o aumento da expectati-            desafios que outros sistemas que são majo-
va de vida dos brasileiros?                         ritariamente públicos não atravessam, uma
Mônica Viegas Reitero que se não resolver-          vez que os dois sistemas são concorrentes o
mos o problema da previdência, com PEC ou           tempo todo.
sem a PEC, a saúde ficará esprimida e o SUS         A meu ver, o futuro da saúde no Brasil está no
continuará subfinanciando. A previdência            SUS, pois eu realmente acredito que a saúde
irá aumentar cada vez mais a sua participa-         deve ser financiada através de um modelo
ção nos gastos da seguridade social, impac-         público! Um país com tantas desigualdades
tando no financiamento da saúde. No cenário         como o Brasil só vai avançar de forma sus-
de subfinanciamento, em que há um princí-           tentável se garantir acesso a bens e serviços
pio constitucional da integralidade, não há         de saúde para sua população. Nesse sentido,
outro caminho que não reduzir a qualidade           o grande desafio dos nossos gestores é avan-
do cuidado ofertado. Nesse caso, a redução          çar na consolidação do SUS, ultrapassando
da qualidade representa estrangulamento na          os problemas de gestão e eficiência e mudar a
oferta de vários serviços, principalmente os        percepção da população sobre esse sistema.
                                                                                                                   13
especial

     Propostas do
     Conass aos
     candidatos à
     Presidência da
     República
     em 2018

14
consensus | terceiro trimestre 2018

C    omo de praxe, nos anos em que ocorrem
     as eleições para presidência da República,
o Conselho Nacional de Secretários de Saúde
                                                      questões tão importantes para a saúde pública
                                                      de forma unificada. É disso que precisamos
                                                      para a defesa do SUS”, afirmou.
(Conass) elabora uma agenda de propostas                   Geraldo Alckmin, do Partido da Social
para a área da saúde, a fim de auxiliar os pro-       Democracia Brasileira (PSDB), ressaltou que
gramas de governo dos candidatos. Este ano, o         saúde não é um favor que o governo faz à
documento Propostas do Conass aos candidatos          população, mas um direito conquistado le-
à presidência da República apresenta 10 eixos         gitimamente e que enfrenta muitos desafios.
estruturantes para o Sistema Único de Saúde           Ele elogiou a iniciativa do Conass e disse que
(SUS), a fim de garantir o fortalecimento e a         colocaria atenção às propostas em seu progra-
sustentabilidade do sistema.                          ma de governo.
     As propostas do Conass foram entre-                   Marina Silva, da Rede Sustentabilidade,
gues às coordenações de campanha de todos             recebeu o presidente do Conass em seminá-
os candidatos à presidência da República,             rio promovido pela Fundação Rede Sustenta-
acompanhadas de ofício solicitando audiên-
                                                      bilidade com o objetivo de reunir reflexões,
cia com os presidenciáveis para que Leonardo
                                                      experiências e alternativas para os desafios
Vilela, presidente do Conass, fizesse a entrega
                                                      do Brasil. Segundo a candidata, a política não
pessoalmente. O ofício foi protocolado pelos
                                                      pode ser um “espaço mesquinho”, mas um
partidos políticos e coligações.
                                                      ambiente onde todos podem contribuir com
     O candidato do Partido Democrático Tra-
                                                      a melhoria da qualidade dos serviços públi-
balhista (PDT), Ciro Gomes, recebeu o docu-
mento em audiência com Vilela. “Acato inte-           cos e sua gestão.
gralmente o documento, pois sei da seriedade               O Conass considera este movimento
e competência desse Conselho”, disse, desta-          uma afirmação do trabalho dos gestores es-
cando que não abre mão da revogação da EC             taduais de saúde, fruto da constante troca
n. 95, que limita os gastos públicos.                 de experiências entre eles, conforme destaca
     Em nota oficial enviada como resposta às         Leonardo Vilela. “A atuação dos secretários
propostas, Fernando Haddad, do Partido dos            em todo Brasil fomenta o trabalho do Conass
Trabalhadores (PT), destacou a responsabilida-        para além da gestão e da contribuição com as
de do Conass ao elaborar o documento. “Sabe-          políticas públicas da saúde e transcende para
mos da diversidade política na composição do          o campo político a luta constante pelo forta-
Conselho. Apenas um órgão com o compro-               lecimento do SUS”.
metimento com a saúde pública e com a ma-                  Leia a seguir a íntegra do documento en-
turidade que tem o Conass é capaz de elaborar         tregue aos presidenciáveis.

       Candidatos à presidência da República recebem as Propostas do Conass aos candidatos à presidência da República

                                                                                                                    Acesse a
                                                                                                                   íntegra da
                                                                                                                     resposta
                                                                                                                  encaminhada
                                                                                                                 pelo candidato
                                                                                                                    Fernando
                                                                                                                   Haddad em
                                                                                                                 goo.gl/Z6Nd1f

                                                                                                                             15
especial

                        O Brasil vive uma quadra em que a se-       ao povo brasileiro: estabilidade democráti-
                   gurança social está ameaçada. A fragilidade      ca, políticas sociais inclusivas, retomada do
Acesse a íntegra   política e econômica mergulhou o país em         crescimento econômico, fortalecimento das
do documento       uma rota não sabida que desperta, em cada        políticas educacionais, de segurança, de sane-
  também na
 internet, em
                   cidadão, a preocupação com o futuro e, nas       amento básico e, sobretudo, de saúde, por ser
goo.gl/W9t6eq      famílias, a angústia do desemprego, o medo       garantidora da qualidade e manutenção da
                   da violência e da desassistência. O Sistema      vida da totalidade do povo brasileiro. A sus-
                   Único de Saúde (SUS), entidade nacional
                                                                    tentação do SUS para além do discurso deve
                   das mais respeitadas, nos seus 30 anos, sen-
                                                                    ser um compromisso de qualquer governante
                   te-se ameaçado.
                                                                    que entenda ser dever evitar o sofrimento e as
                        O SUS, é produto de ideias de sanitaris-
                                                                    ameaças à vida humana como compromisso
                   tas, acadêmicos, gestores, estudantes, tra-
                   balhadores, forjadas nos movimentos de           constitucional. Afinal, saúde é direito de to-
                   resistência à rotura democrática de 1964,        dos e dever do Estado (art. 196 da CF/1988).
                   acolhidas no Congresso Nacional durante a             O Conass apresentou aos candidatos a
                   Constituinte e cravado nas letras da Consti-     governador e a presidente a agenda de pro-
                   tuição de 1988 (CF/1988). Por isso, seus prin-   postas estruturantes para a área da saúde, que
                   cípios coincidem com as bandeiras levanta-       visa garantir o fortalecimento e a sustentabi-
                   das pelo movimento de redemocratização do        lidade do SUS e da saúde de qualidade para a
                   país e sua implantação reflete fortemente o      população brasileira.
                   processo de descentralização política e teve
                   como consequências a abertura de espaços         Propostas do Conass aos candidatos à
                   de participação da sociedade organizada em       Presidência da República em 2018
                   Conselhos e Conferências.
                        Nos seus 30 anos, o SUS tem sido capaz
                   de estruturar e consolidar um sistema públi-        1. Compromisso com as diretrizes
                   co de saúde de enorme relevância e apresen-              constitucionais do SUS –
                   tar resultados inquestionáveis para a popula-        Universalidade e Integralidade
                   ção brasileira, fazendo a segurança sanitária         As bases constitucionais do Sistema Úni-
                   da população de maneira universal e integral.    co de Saúde – universal, integral e gratuito –
                   No entanto, problemas cruciais retardam sua      estão assentadas em princípios de justiça e
                   evolução e ameaçam sua existência.               de inclusão social, e a população assim o re-
                        O Conselho Nacional de Secretários
                                                                    conhece. Pesquisa realizada demonstra que
                   de Saúde (Conass, Lei n. 8.080/1990 e Lei n.
                                                                    ‘88% dos brasileiros querem que o SUS seja
                   12.466/2011, art. 14A e 14B) tem sido ator im-
                                                                    mantido’. Isso demonstra a necessidade de
                   portante na formulação, na implantação e
                   na consolidação do SUS, contribuindo efeti-      sua afirmação como política de Estado pelos
                   vamente para o fortalecimento da gestão do       governantes e não sua subscrição como sis-
                   sistema, com atuação destacada na Comissão       tema segmentado, submetido ao sistema su-
                   Intergestores Tripartite (CIT), Conselho Na-     plementar. A concepção do sistema expressa
                   cional de Saúde e demais espaços onde a dis-     na Constituição Federal e o perfil socioeco-
                   cussão se faça.                                  nômico do povo brasileiro – 75% da popula-
                        O momento político exige dos candida-       ção são usuários exclusivos do SUS – exigem
                   tos o compromisso com o que é mais caro          esse compromisso.
16
www.conass.org.br/consensus

                                                  gráfica da população brasileira nos últimos
        2. Novo Pacto Federativo                  anos, é urgente implantar no SUS um modelo
           e Reforma Tributária                   de atenção adequado, com base nas necessi-
     O modelo de federalismo brasileiro inter-    dades da população e não na oferta de servi-
dita a discussão e os esforços para o aprimora-   ços, tendo a Atenção Primária como coorde-
mento da governança exigida, ao tempo em          nadora do cuidado e ordenadora da Rede de
que é determinante de crise. O padrão de ofer-    Atenção à Saúde. As principais intervenções
ta do atendimento social em um país desigual      desse modelo de atenção à saúde devem levar
e de dimensão continental como o Brasil exi-      em consideração os determinantes sociais da
ge colaboração consequente entre os entes         saúde e desenvolver ações intersetoriais de
federados. O ordenamento institucional deve       enfrentamento de agravos; fortalecer ações
ser ajustado e os recursos federais repartidos    de promoção da saúde, mudança de estilo de
de forma justa entre as esferas para propiciar    vida, autocuidado apoiado; as intervenções
a execução das políticas descentralizadas. No     preventivas estritas como vacinações, cuida-
Brasil, essa distribuição é fator gerador de      do contínuo e monitoramento da atenção na
iniquidade. É preciso estabelecer equilíbrio      população de risco. É preciso definir uma Po-
entre as responsabilidades assumidas pelos        lítica Nacional que amplie o acesso e reduza o
entes federados e o repasse da arrecadação.       tempo de espera ao atendimento especializa-
                                                  do ambulatorial e hospitalar, para fazer fren-
  3. Fortalecimento da Gestão do SUS              te a necessidades relacionadas a consultas,
                                                  exames e cirurgias eletivas.
     O Brasil vive momento de desafios para a
gestão do Sistema Único de Saúde. O momen-
                                                    5. Modelo de Financiamento do SUS
to atual nos impõe desafios como a crise polí-
tica, fiscal e econômica. Diante desse quadro
                                                       O subfinanciamento do SUS é crônico e
de crise, é preciso aproveitar a oportunidade
                                                  tende a perdurar em função da crise fiscal es-
para melhorar a gestão e aumentar a eficiên-
                                                  tabelecida e o advento da Emenda Constitu-
cia do SUS, por meio de Agenda de mudanças
                                                  cional (EC) n. 95 de 2016, que institui o Novo
no modelo de atenção à saúde, no modelo de
                                                  Regime Fiscal e impossibilita o aumento do
gestão e no modelo de financiamento.
                                                  seu financiamento, ao congelar por 20 anos
     É necessário ofertar e dar acesso à po-
pulação a serviços organizados em redes de        recursos financeiros federais destinados ao
atenção à saúde, nas macrorregiões, onde se       sistema. Para dar suporte a um sistema públi-
garante a integralidade da atenção. Para me-      co universal de qualidade, é preciso garantir
lhorar a gestão, é preciso reduzir a burocracia   financiamento regular e suficiente. É neces-
normativa federal, dando mais autonomia           sário, portanto, revogar a EC n. 95/2016. É
para estados e municípios; promover efetiva       preciso, também, definir novas formas de re-
regionalização; aprimorar a administração         muneração de serviços no SUS que contem-
pública; e promover parcerias entre a socie-      plem custos efetivos e desempenho e estabe-
dade e o poder público.                           lecer o critério de rateio dos recursos federais
                                                  para custeio e investimento, conforme a Lei
     4. Modelo de Atenção à Saúde                 Complementar n. 141/2012, com transferên-
                                                  cia fundo a fundo a estados e municípios, a
    Considerando as profundas mudanças            serem utilizados conforme os respectivos
do perfil epidemiológico e da transição demo-     planos de saúde.
                                                                                                                  17
especial

                                                        recursos humanos na área da saúde, visando
                6. Governança Regional                  preparar profissionais com o perfil voltado
                                                        às suas necessidades. Entretanto, os gesto-
          Visando aprimorar a gestão e aumentar         res enfrentam dificuldades para o adequado
     a eficiência, é necessário organizar as redes      provimento e a fixação de profissionais, es-
     de atenção à saúde nas macrorregiões, de for-      pecialmente médicos em áreas mais carentes.
     ma a garantir a integralidade. Para promover       Portanto, é preciso garantir a implementação
     a governança das redes de atenção à saúde, é       do Programa Mais Médicos em todos os seus
     preciso que haja o equilíbrio das relações in-     eixos e fortalecer a Política Nacional de Edu-
     tergovernamentais das três esferas de poder        cação Permanente em Saúde e o pleno funcio-
     autônomas e de outros atores como a socieda-       namento das Escolas de Saúde Pública e das
     de e as organizações envolvidas nos processos      Escolas Técnicas dos SUS.
     decisórios no território macrorregional. Essa                9. Complexo industrial e
     governança deve ser diferenciada, própria de                    inovação em saúde
     ambientes colaborativos, com mecanismos
     de coordenação e monitoramento das ativi-               Incrementar a capacidade de produção e
     dades, buscando ganhos de escala, redução de       de inovação do Complexo Industrial da Saúde,
     riscos e dos custos envolvidos.                    para a realização das atividades de pesquisa, de-
                                                        senvolvimento e inovação, produção, compra e
                                                        venda de insumos de saúde, de serviços, assim
             7. Judicialização da Saúde
                                                        como de novos conhecimentos e tecnologias.
          Para além dos debates que levem em con-            Melhorar as condições de produção dos
     ta o conflito entre direitos individuais e cole-   laboratórios oficiais, de modo a atender a de-
     tivos, a judicialização desorganiza a atividade    manda por medicamentos e imunobiológicos
     administrativa, obriga a alocação de recursos      estratégicos, sobretudo para doenças negligen-
                                                        ciadas. Portanto, se faz necessário tanto a defini-
     (humanos, logísticos, financeiros) de forma
                                                        ção estratégica de que medicamentos e imuno-
     não planejada, estabelece um paralelismo
                                                        biológicos produzir, quanto o financiamento
     entre quem acessa o SUS por suas portas de
                                                        necessário para expansão e adequação das plan-
     entrada e quem abrevia o caminho, pela deci-
                                                        tas de produção dos laboratórios oficiais.
     são judicial. Por isso é necessário atuar junto
     ao Poder Legislativo para regulamentar que o
                                                              10. Participação da Sociedade
     financiamento público para a saúde destinar-
     -se-á exclusivamente aos itens incorporados
                                                             Os Conselhos de Saúde atuam na formu-
     pelo SUS; atuar junto ao Poder Legislativo e       lação de estratégias e no controle da execução
     o Judiciário para minimizar a criminalização       da política de saúde e são importantes para
     da gestão do sistema de saúde e de seus gesto-     o fortalecimento do SUS. As Conferências
     res; estimular os diálogos institucionais entre    de Saúde, convocadas pelo Poder Executivo,
     o sistema de saúde e o de justiça que garan-       composta com representação de vários seg-
     tam o direito do cidadão e preservem a sus-        mentos sociais, avaliam a situação de saúde e
     tentabilidade do sistema.                          propõem diretrizes para a formulação de polí-
                8. Gestão do trabalho e                 ticas de saúde. Portanto, é importante fortale-
                 da educação na saúde                   cer a participação da sociedade na governança
                                                        do Sistema Único de Saúde por meio dos Con-
          O artigo 200 da Constituição Federal de-      selhos de Saúde e aprimorar os mecanismos
     fine que o SUS deve ordenar a formação de          de avaliação de satisfação dos usuários.

18
O livro Conass Debate – O Futuro
dos Sistemas Universais de Saúde,
é fruto das ricas discussões
ocorridas em dois dias de debates
com especialistas brasileiros e
internacionais, com objetivo de
discutir estratégias e ações que
possibilitem o fortalecimento do
SUS em um cenário de grave crise
política e econômica que ameaça
não apenas o sistema, idealizado e
construído para atender a todos de
maneira igualitária e equânime,
mas o direito à saúde, conquistado
e estabelecido pela Constituição
Federal de 1988.

         Disponível gratuitamente
         https://goo.gl/kztdWY
saúde em foco

                  Os efeitos do
                  ajuste fiscal
                  na saúde
TATIANA ROSA

                  Como as medidas adotadas pelo governo federal
                  para conter a crise econômica têm afetado o
                  sistema de saúde brasileiro

                  O    alerta tem sido feito de todas as manei-
                       ras: por meio de pesquisas, artigos, dis-
                  cursos, jornais: as medidas de austeridade
                                                                   de austeridade fiscal adotadas pela Emenda
                                                                   Constitucional (EC) n. 95, o professor condu-
                                                                   ziu o trabalho a partir da crise econômica e o
                  fiscal implantadas no Brasil já impactam ne-     efeito das reduções na cobertura do Programa
                  gativamente a saúde pública brasileira e cha-    Bolsa Família e da Estratégia Saúde da Famí-
                  mam a atenção para o retrocesso em alguns        lia, comparando este cenário com outros em
                  indicadores importantes.                         que esses programas mantêm os níveis de
                       Recentemente, um estudo coordenado          proteção social.
Acesse o estudo   pelo professor do Instituto de Saúde Coleti-           Segundo a conclusão do estudo, publi-
 na íntegra em    va da Universidade Federal da Bahia (UFBA)       cado na revista Plos Medicine, a austeridade
goo.gl/nY1L4X
                  Davide Rasella apresentou prospecção as-         fiscal no Brasil pode ser responsável por uma
                  sustadora e chamou a atenção para indica-        morbidade e mortalidade substancialmente
                  dor específico e que será o mais impactado       maiores na infância diferentemente do que
                  com a situação: o aumento da taxa de morta-      seria esperado em um cenário com a devida
                  lidade infantil.                                 manutenção da proteção social.
                       Utilizando um modelo de microssimu-               Para saber mais sobre como a pesquisa foi
                  lações sobre os possíveis efeitos na saúde       conduzida e quais as impressões do professor
                  dos brasileiros com a vigência das medidas       a respeito da situação, a revista Consensus
20
consensus | terceiro trimestre 2018

conversou com Rasella, que explicou que a              Ela observou que a EC n. 95 não apenas
metodologia utilizada é a mais adequada e ro-     congelou o gasto mínimo com saúde e com
busta para projetar cenários futuros quando       educação, mas estabeleceu um teto para as
há grande quantidade de dados disponíveis         chamadas despesas primárias, que são as des-
sobre o passado. Além disso, foram ouvidos        pesas com as políticas públicas. “O teto de
gestores, economistas e pesquisadores, que        gasto e as aplicações mínimas com saúde e
falaram a respeito das expectativas em rela-      educação serão corrigidos apenas pela infla-
ção ao impacto da crise econômica e fiscal na     ção. Ficaram de fora do teto de gasto as despe-
saúde pública brasileira.                         sas com pagamento de juros e com a amorti-
     Questionado sobre a relação entre o pa-      zação da dívida pública”, explicou.
cote de austeridade fiscal e as condições de           Sulpino explica que a literatura científi-
saúde no Brasil, Rasella afirmou que a pobre-     ca evidencia que a austeridade fiscal agrava os
za é forte determinante social da saúde, tendo    efeitos negativos das crises sobre as condições
grande influência sobre a morbidade e mor-        sociais e de saúde das populações. No entan-
talidade da população. “Mesmo tendo saído         to, o Brasil carece de mais estudos sobre essas
oficialmente da recessão (o Produto Interno       implicações. “O que se observa como conse-
Bruto (PIB) em 2017 e 2018 será positivo), a      quência da recessão econômica, agravada a
pobreza continua aumentando, e isso afeta         partir de 2014, e sobre a austeridade que vem
fortemente a mortalidade, sobretudo nas fai-      sendo implantada desde então, é grande cor-
xas mais vulneráveis da população”, afirma.       te dos investimentos públicos, incluindo em
     Ele argumenta que cortes na assistência      saneamento básico, queda real do gasto com
social e na assistência à saúde deixam a po-      o SUS e cortes de gasto com políticas sociais.”
pulação ainda mais vulnerável aos efeitos do
                                                  A pesquisadora do Ipea Fabíola Sulpino observa que a
aumento da pobreza. “A ESF [Estratégia Saú-       austeridade fiscal agrava os efeitos negativos das crises
de da Família] comprovadamente contribuiu         sobre as condições sociais e de saúde das populações,
                                                  mas reiterou que o Brasil carece de mais estudos sobre
para reduzir a morbidade e mortalidade na         essas implicações
população brasileira nos últimos anos, facili-
tando o acesso à saúde, sobretudo pelos mais
pobres, e é fator importante de resistência à
crise econômica”, observou o professor.
     A pesquisadora do Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (Ipea) Fabíola Sulpino
reitera que o tema em questão foi e está sen-
do bastante estudado em todo o mundo. Para
ela, a austeridade fiscal significa severidade
quanto ao gasto público e tem resultado em
aumento da cobrança de impostos e em cor-
tes de despesas com programas sociais. “Ela
desempenha papel central no agravamento
dos efeitos negativos das crises econômicas,
porque reduz a proteção social no momento
em que os indivíduos mais precisam (perda de
emprego, aumento das dívidas, aumento dos
quadros de depressão e ansiedade etc.)”, disse.
Foto: Arquivo pessoal
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