PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018
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ano VIII, número 28 julho, agosto e setembro de 2018 www.conass.org.br/consensus ISSN 2594-939X ENTREVISTA SAÚDE EM FOCO Mônica Viegas: como a economia Ajuste fiscal e seus da saúde afeta a gestão efeitos na saúde PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018
consensus REVISTA DO CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE Ano VIII | Número 28 | Julho, Agosto e Setembro de 2018 ENTREVISTA SAÚDE EM FOCO Mônica Viegas: como a economia Ajuste fiscal e seus da saúde afeta a gestão efeitos na saúde PROPOSTAS DO CONASS AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2018 A revista Consensus traz em suas páginas códigos que remetem a conteúdos complementares. Acesse e confira.
consensus entrevista Mônica Viegas: particularidades dos mercados da 6 saúde, eficiência, qualidade e investimento público e privado em saúde no Brasil matéria de capa Propostas do Conass aos candidatos à Presidência da República em 2018 14 saúde em foco 18 O ajuste fiscal e seus efeitos para a saúde institucional 26 Programa Nacional de Imunizações – redução das desigualdades sociais 30 Boas práticas na gestão de parceria com o terceiro setor na saúde 36 Banco Mundial apresenta relatório sobre o setor saúde no Brasil 41 Conass trabalha pelo fortalecimento das Escolas Estaduais de Saúde Pública 42 Oficina Tripartite sobre Mortalidade Materna e na Infância opinião 44 Análise Descritiva da Mortalidade Materna e na Infância no Brasil, 2007 a 2016 50 curtas
editorial A presentamos, nesta edição da Revista Consensus, as Propostas do Conass aos candidatos à presidência da República em 2018, documento no qual os gestores estaduais expressam os principais desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) no intuito de contribuir com os pro- gramas de governo dos presidenciáveis para a área da saúde. O documento, entregue a alguns candidatos, foi lançado na assembleia do Conass do mês de agosto e apresentado à Comissão Intergestores Tripartite (CIT) no dia seguinte. Foi encaminhado a partidos políticos, a parla- mentares e a instituições da saúde em geral, além de veículos de comunicação. Por meio do documento, o Conass reitera sua luta constante pelo aprimoramento e for- talecimento do SUS, que muito realizou nos seus recém completados 30 anos, mas que ain- da carece de muitos avanços e melhorias. As propostas são apresentadas em 10 eixos que de- monstram que, em sua trajetória, o SUS foi capaz de se estruturar e de se consolidar como um sistema público de saúde de relevância inestimável para a população brasileira, uma conquis- ta sem precedentes que hoje se configura como a principal política pública do país. Entende- mos, no entanto, que alguns problemas, muitos deles estruturais, atrapalham sua evolução, por isso, as propostas seguem os viéses técnico e político e o consenso dos secretários estadu- ais de saúde, que são os pilares da atuação do Conass. A realidade econômica e financeira do SUS não está desatrelada dos seus desafios e con- quistas. Pelo contrário, o financiamento da saúde e todo o seu contexto histórico e operacional são de extrema relevância para a reflexão e tomada de decisões em prol do SUS. Diante dessa realidade, convidamos a economista Mônica Viegas, da Universidade Federal de Minas Ge- rais, para esclarecer como a economia da saúde afeta a gestão. Ela falou a respeito de temas relevantes no que concerne à economia da saúde e abordou questões como a regionalização, as particularidades dos mercados da saúde, eficiência, qualidade e investimento público e pri- vado em saúde no Brasil. Ainda na perspectiva econômica, a seção Saúde em Foco traz os impactos do ajuste fiscal na saúde. Apuramos, junto a gestores e especialistas, como as medidas de disciplinar os gastos impostas pela Emenda Constitucional n. 95 podem afetar a saúde dos brasileiros. Eventos importantes marcaram a gestão da saúde nos últimos meses. Relatados na se- ção Institucional, seminários e oficinas promovidos pelo Conass e parceiros que fomentaram discussões fundamentais para o SUS. As Boas práticas na gestão de parceria com o terceiro se- tor na saúde, fruto de parceria entre o Conass, o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross) e o Tribunal de Contas da União (TCU); a oficina tripartite para discutir a Mortalidade Materna e na Infância, que, aliás, é tema do artigo assinado por especialistas das secretarias de Vigilância em Saúde (SVS) e de Atenção à Saúde (SAS), do Ministério da Saúde. O Conass também realizou oficina de trabalho em que estados elaboraram planos de ação para enfrentamento da queda das coberturas vacinais e participou na audiência pública: Pro- grama Nacional de Imunizações, realizada pelo Ministério Público Federal (MPF). Também esteve presente no seminário E agora Brasil?, promovido pelo Banco Mundial e pelo jornal Folha de S. Paulo, no qual gestores e especialistas debateram o relatório apresentado pelo banco com a finalidade de contribuir com medidas que tornem o SUS mais eficiente. Desejamos a todos uma ótima leitura! 4
consensus entrevista ENTREVISTA Mônica Viegas Andrade M ônica Viegas Andrade é doutora em Economia pela Fundação Ge- túlio Vargas, fez pós-doutorado no Centro de Investigação em Eco- nomia da Saúde (CRES) da Universidade Pompeu Fabra (2008-2009) e no Departamento de Saúde Global e População da Universidade de Harvard. É professora Associada do Departamento de Ciências Econômicas da Uni- versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Centro de Desenvolvi- mento e Planejamento Regional (Cedeplar). Ela é coordenadora do Grupo de Estudos em Economia da Saúde e Criminalidade abrigado no Cedeplar, do programa de pós-graduação em Economia e Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais, consti- tuído principalmente por professores, pesquisadores e alunos dos progra- mas de pós-graduação em Economia e Demografia do Cedeplar. O grupo desenvolve pesquisas acadêmicas e trabalhos, sobretudo na área de plane- jamento e avaliação de políticas em saúde e criminalidade envolvendo os setores público e privado. Nesta entrevista concedida à Consensus, a economista falou sobre temas relevantes para o SUS, contemplados em suas áreas de interesse: economia da saúde, economia do bem-estar social e avaliação econômica, abordando questões como a regionalização, as particularidades dos mer- cados da saúde, eficiência, qualidade e investimento público e privado em saúde no Brasil. 6
consensus entrevista Consensus Como surgiu a economia da saú- aproveitadas; essas oportunidades não apro- de no Brasil? veitadas são os trade-offs. E por que a econo- Mônica Viegas A economia da saúde como mia da saúde importa para a gestão? O papel ciência tem início na década de 1960, no pós- do gestor é estar rotineiramente lidando com -guerra, quando são formados os estados de essas decisões. Ele precisa entender bem o bem-estar. Nesse momento, se forma a ideia contexto e o que está envolvido em cada esco- da saúde como um bem meritório e funda- lha. A economia da saúde é a ferramenta que mental a ser ofertado. Nos departamentos pode oferecer para o gestor esse instrumen- de economia, principalmente nos Estados tal para essa tomada de decisão diária. Mas Unidos da América e na Inglaterra, os pro- é importante que o economista tenha um blemas associados à provisão e organização entendimento dos problemas específicos da dos serviços de saúde passam a ser perguntas saúde e tenha sensibilidade para isso. Não é relevantes a partir do final dos anos 1960. O suficiente utilizar o instrumental econômico Brasil demorou muito para entrar neste deba- sem entender as particularidades e as com- te de maneira organizada. A criação do SUS plexidades envolvidas na provisão, financia- se dá a partir do movimento sanitarista, com mento e organização dos serviços de saúde. a participação majoritária de médicos. Os economistas do bem-estar social no Brasil se Consensus E quais são as particularidades e concentraram por muito tempo estudando as complexidades do mercado de bens e ser- somente as temáticas da educação, trabalho viços de saúde? O que diferencia esse mer- e desigualdade. Além disso, os primeiros eco- cado de outros? nomistas que se debruçaram sobre a temática Mônica Viegas São muitas as particularida- da saúde no Brasil estavam muito preocupa- des e as complexidades. Um primeiro aspec- dos com a questão do financiamento. A eco- to que diferencia a saúde, inclusive da edu- nomia da saúde no Brasil é recente e surge, cação, é a natureza da demanda por bens e oficialmente, no Ministério da Saúde com a serviços de saúde; essa é uma demanda deri- implementação do Departamento de Econo- vada, e não uma demanda direta. O que isso mia da Saúde. quer dizer? Na verdade, o objetivo primário das pessoas é obter um nível mais elevado de Consensus Qual a importância da econo- estado de saúde, mas não existe um merca- mia da saúde para a gestão? do de saúde disponível onde possamos tran- Mônica Viegas De maneira simplista, pode-se sacionar saúde: o que existe é um mercado dizer que a economia é uma ciência que anali- de bens e serviços de saúde que as pessoas sa a tomada de decisões dos agentes. A decisão demandam esperando que esses possam res- primordial, digamos a base da ciência econô- taurar o seu estado de saúde. Em segundo mica, é a decisão de alocação de recursos. Os lugar, nem sempre o consumo dos bens e economistas existem porque os recursos são serviços de saúde se traduz em saúde. Existe escassos, sendo, portanto, necessário entender incerteza associada ao consumo desses bens, todos os trade-offs associados a cada escolha. incerteza sobre quando iremos ficar doentes e precisar dos serviços, incerteza sobre o que Consensus O que são os trade-offs? é preciso consumir (diagnóstico) e incerteza Mônica Viegas Em todas as situações de esco- sobre a efetividade desse consumo. Por fim, lha, a opção por determinado caminho impli- ainda em relação à escolha de bens e serviços ca que outras possibilidades não possam ser de saúde, aspecto importante é que o consu- 8
www.conass.org.br/consensus midor, nesse caso, diferentemente dos de- mais bens, não é soberano. Isso significa que o consumidor não sabe o que é melhor para Não é suficiente ele. Para todos os bens que consumimos, par- timos de um pressuposto importante que é a utilizar o instrumental ideia de que o consumidor sabe o que é mais econômico sem relevante para ele e, portanto, tem capacida- de de escolher o que consumir observando entender as os preços de mercado e suas preferências. No caso da saúde, o consumidor não tem essa particularidades e soberania: quem faz a escolha do que ele vai as complexidades consumir, na maior parte das vezes, são os médicos e outros profissionais de saúde. O envolvidas na provisão, fato e do médico tomar a decisão para os pa- financiamento e cientes tem muitas implicações do ponto de vista do bem-estar individual e social. Todas organização dos essas particularidades geram problemas no serviços de saúde consumo e na provisão dos bens e serviços que não são observadas em outros mercados e que precisam ser levados em consideração pelos gestores. Consensus A quais gestores você se refere? Mônica Viegas Me refiro a todos os gestores. Desde o Ministro da Saúde, ao diretor-presi- muito grande ao ter de garantir a provisão dente da Agência Nacional de Saúde, que são dos serviços de saúde de forma integral para gestores máximos de nosso sistema, aos secre- os seus habitantes. Essa centralidade do mu- tários de saúde estaduais e municipais... até os nicípio nem sempre pode ser atendida, tanto gerentes de Unidades Básicas. Todos os gesto- por limitação da capacidade de gestão muni- res precisam entendem um pouco dessa com- cipal como por inviabilidade de escala. plexidade para conseguir lidar com os proble- A estrutura de produção de alguns cuidados, mas associados ao provimento dos serviços principalmente o cuidado de média e alta de saúde, entender a complexidade da saúde complexidade, não é compatível para ser e tomar as melhores decisões para o coletivo. ofertada em nível municipal, e uma resposta Consensus Do ponto de vista econômico, para esse impasse entre a estrutura federati- como as diferenças regionais impactam na va e a organização do SUS é a regionalização. regionalização da saúde? Regionalizar para permitir que, com o agru- Mônica Viegas A descentralização do SUS pamento de municípios, seja possível ofertar em conformidade com o pacto federativo em um raio de distância acessível a produção estabelecido na Constituição de 1988 coloca de cuidados com economias de escala e esco- questões e dilemas complicados para a orga- po, ou seja, de forma mais eficiente. nização do nosso sistema de saúde. No SUS, A grande dificuldade que se coloca atualmen- o município assume uma responsabilidade te no SUS é como estabelecer esses arranjos de 9
consensus entrevista regionalização de forma viável e que de fato to relevante, por outro lado, estados como sejam implementados. O Brasil já avançou Minas Gerais, que têm um número muito muito do ponto de vista normativo, já tem vá- elevado de municípios pequenos, a regionali- rios anos que estamos tentando estabelecer a zação tem papel estruturante. Dessa maneira, regionalização por meio da via normativa, e pensar a regionalização de maneira uniforme esse arranjo não tem decolado. Hoje os incen- para todos os municípios do Brasil talvez seja tivos à regionalização ainda não são suficien- um equívoco que tem impedido a criação de tes para compensar os incentivos para que os instrumentos mais efetivos. prefeitos sigam a sua gestão de forma indivi- dual. Do ponto de vista do gestor municipal, Consensus Quais as principais considera- importa a ele que os seus habitantes tenham ções relacionadas à eficiência e à qualidade da saúde e como a regionalização pode aju- a percepção do acesso associada ao seu muni- dar o sistema nesse sentido? Ainda nessa cípio. A possibilidade de viabilizar o serviço lógica, qual a sua opinião em relação aos por meio da regionalização, ou seja, por meio hospitais de pequeno porte? de um serviço realizado em outro município, Mônica Viegas A regionalização é fundamen- muitas vezes, não dá ao prefeito a visibilida- tal na organização e provisão dos serviços de de que esse espera ou deseja. O prefeito, lá na média e alta complexidade, em geral oferta- ponta, tem interesse imediato em oferecer dos no ambiente hospitalar. Nesses casos, há serviços mais próximos da população. A po- presença de economias de escala e de escopo, pulação, por sua vez, muitas vezes escolhe além dos ganhos de qualidade nos serviços um hospital que não é resolutivo por conta ofertados. As economias de escala ocorrem da proximidade. Se essa decisão for apenas do porque os eventos são raros na população, prefeito, teremos um desenho ineficiente na enquanto as economias de escopo estão asso- maioria dos casos. Por outro lado, hoje já exis- ciadas à complexidade dos diagnósticos que te um nível de percepção dos prefeitos de que necessitam de cuidado multiprofissional. Na a instalação de um hospital municipal tam- verdade, em uma internação, o paciente rece- bém não é a solução do problema. be volume grande de serviços ofertados por Outro aspecto importante e que está direta- profissionais diversos, em uma mesma inter- mente associado à sua pergunta diz respeito nação, são múltiplos os produtos associados. às disparidades regionais existentes no Bra- A forma de conseguir garantir essa equipe sil. De fato, a regionalização tem resultados multiprofissional, assim como a oferta de e importância muito diferenciada dependen- equipamentos diagnóstico, é com a amplia- do da região. A regionalização está associada ção da população de influência desse hospi- à estrutura de urbanização e de distribuição tal. Além dos ganhos de escala e escopo, são demográfica da população nas regiões, e cer- importantes os ganhos de qualidade associa- tamente esses aspectos vão impactar positiva dos à maior realização desses procedimentos ou negativamente a sua implementação e efi- que permite um aprendizado dos profissio- ciência. As características da região são fun- nais. Nesse sentido, hão há dúvidas de que a damentais para se pensar inclusive a necessi- regionalização é fundamental para o sistema dade de regionalização. Em um estado como público sendo caminho possível para alcan- São Paulo, onde a maior parte das cidades çar essa gestão com maior eficiência. tem porte médio com densidade demográfica A outra questão importante, que você men- elevada, o papel da regionalização não é mui- ciona, diz respeito aos Hospitais de Pequeno 10
www.conass.org.br/consensus Porte. No escopo da regionalização, de fato, Já o setor privado tem lógica muito diferen- é necessário repensar esses hospitais, mas, te do setor público, é a lógica de mercado e, como já mencionamos, esse papel é distinto nesse caso, o investimento tem papel fun- dependendo da região e de suas característi- damental. Se observarmos a distribuição da cas. Existem regiões em que, devido à baixa oferta de serviços de saúde públicos e priva- densidade demográfica, mesmo com uma dos no Brasil, chama a atenção a concentra- regionalização, não será alcançada escala ção dos serviços privados nas regiões de ren- suficiente em um raio de distância razoável. da per capita mais elevada. O investimento Nesses casos, é importante que exista pelo privado vai se localizar nas regiões onde há menos alguma porta de entrada para acolher expectativa de ganhos. Além disso, outro as- o paciente em um primeiro momento. Em al- pecto importante é que a competição no se- gumas regiões, o único acesso possível talvez tor privado ocorre muitas vezes por meio da seja realizado pelo Hospital de Pequeno Porte, incorporação tecnológica. A incorporação ainda que este tenha baixa resolubilidade. Por tecnológica é fator positivamente observa- outro lado, na maior parte das localidades, é do tanto pelos profissionais de saúde como preferível um transporte sanitário eficiente pelos pacientes. Do ponto de vista tanto dos e uma rede organizada e regulada do que ter pacientes como dos profissionais, há, mui- Hospital de Pequeno Porte não resolutivo. tas vezes, uma percepção de maior acurácia do diagnóstico e do tratamento associada a Consensus Em seminário recente promovi- equipamentos/procedimentos mais novos e do pelo Banco Mundial e pelo jornal Folha mais modernos. Nesse sentido, há incentivo de S. Paulo, você disse que é preciso repensar a investimento em tecnologias. Um hospital o investimento em saúde por parte do setor pouco modernizado, por exemplo, tende a público, que é menor que o do setor pri- perder a concorrência pelos melhores pro- vado? Qual é a explicação econômica para fissionais, perdendo, portanto, importância essa questão e como ela questão impacta na no mercado. Então, é natural ocorrer uma assistência aos usuários do SUS? discrepância entre os níveis observados de Mônica Viegas Primeiro temos de entender investimento privado e o investimento pú- que gasto é diferente de investimento. Eu blico em saúde. No caso do Brasil, temos ain- posso ter um gasto para remunerar o que da uma particularidade que são os hospitais está sendo produzido, para pagar profissio- filantrópicos, que recebem volume impor- nais, medicamentos, entre outros, esse é o tante de incentivos financeiros tributários gasto corrente de custeio. Hoje o gasto pú- que financiam, sobretudo o investimento. blico no SUS é majoritariamente gasto de custeio, ou seja, não existe investimento. Consensus Em sua opinião, quais estraté- O investimento que o Brasil faz em saúde é gias adotadas pelo sistema público de saú- realizado principalmente pela rede privada de devem ser adotadas pelo setor privado e tanto por meio da compra de equipamentos, vice-versa? ou modernização e construção de novos hos- Mônica Viegas Está claro que o modelo de pitais. O gasto público em investimento em cuidado mais eficiente é a Atenção Primária à saúde tem sido historicamente muito baixo Saúde, que, quando bem feita, é capaz de res- e nos últimos anos essa questão ficou ainda ponder à maior parte dos problemas de saú- mais agravada, uma vez que o financiamen- de da população. Se é assim, porque o setor to da saúde está estrangulado. privado não começou pela APS? Obviamente 11
consensus entrevista porque ela é menos lucrativa. Agora o setor ser um impeditivo definitivo. O importante privado brasileiro começa a se organizar para é entendermos que o modelo de cuidado não fortalecer essa atenção, tendo em vista o esgo- depende da forma de financiamento. Como tamento do modelo vigente à medida que as a lógica que determina a organização dos pessoas vão envelhecendo. O setor de saúde serviços e o que será ofertado é diferente nos suplementar é um sistema de seguros que de- setores público e privado, existem processos pende da possibilidade de se realizar um pool que não são experimentados no setor privado de risco entre indivíduos com riscos diferen- porque o sistema é mercantil, o que interessa ciados. Com o envelhecimento da população, é vender o serviço. maior prevalência de doenças crônicas, incor- poração tecnológica intensiva e um sistema Consensus Qual a sua opinião a respeito das Emendas Parlamentares para a saúde? de pagamento por procedimento, a tendência Mônica Viega São duas discussões: uma dis- é aumentar o risco e os gastos esperados re- cussão se refere ao financiamento do investi- sultando em prêmios de seguro cada vez mais mento, o qual certamente não deveria ocorrer elevados. Se, em vez de organizar o cuidado por meio de emendas parlamentares. A deci- com base na APS, o setor foca na compra de são de investimento financiada por emenda serviços curativos, o resultado é um cuidado parlamentar dificilmente será tomada em muito caro para toda a população beneficiá- prol do bem-estar coletivo e, sim, focada em ria, que em situação de restrição orçamentá- ações locais e, frequentemente, naquelas que ria tende a sair desse segmento. No Brasil, te- geram mais votos para o político. Nesse sen- mos excelente moderador do sistema privado tido, não tenho muitas dúvidas de que, como que é o SUS. Assim, se o seguro privado ficar instrumento de decisão de investimento, ela caro demais, a sociedade migra totalmente é absolutamente equivocada. A outra discus- para o SUS. são é a emenda parlamentar como instru- Em termos de modelo de cuidado, tudo que mento legislativo, que, na minha opinião, é serve para um sistema serve para outro, seja um resquício do Brasil colônia. um prontuário eletrônico, um sistema de refe- rência e contrarreferência, uma organização Consensus Considerando a Proposta de em rede. É óbvio que a implementação desses Emenda à Constituição (PEC) n. 95, que li- processos tem custos e depende da definição mita os gastos públicos com a saúde e o fi- de protocolos de cuidado. Em sistemas públi- nanciamento da saúde por parte da União, cos centralizados é mais fácil definir protoco- estados e municípios, como você analisa los e processos, ao contrário do setor privado, essa distribuição no orçamento da saúde e no qual a questão da autonomia médica pode quais problemas ela acarreta? Mônica Viegas A PEC foi proposta para disci- plinar o gasto fiscal do Brasil, sob o argumento De fato, a de que, sem essa medida, em algum momen- regionalização tem to, a inflação vai voltar a assombrar o Brasil, acarretando problemas lá na frente como os resultados e importância que estamos vivenciando atualmente. Esse é muito diferenciada claramente um trade off. Além disso, a PEC n. 95 estabelece o teto para os gastos federais e dependendo da região não para o gasto de estados e municípios. Em relação aos impactos da PEC nos gastos 12
www.conass.org.br/consensus com saúde, a meu ver, em primeiro lugar, é de atenção secundária, mais filas de espera, necessário reconhecer que as dificuldades or- menos profissionais. çamentárias da saúde antecedem à determi- Outro efeito da reforma da previdência se nação da PEC. O subfinanciamento público refere à relação entre o sistema público e o da saúde está presente desde a criação do SUS privado. Se a idade mínima para o tempo de quando não foi definida uma fonte financiado- aposentadoria for aumentada, haverá mais ra específica para a saúde. Dentro do orçamen- gente no mercado de trabalho, e essas pessoas to da seguridade social, a saúde sempre perdeu em geral têm acesso a planos de saúde, o que para a previdência. Nesse sentido, a minha in- significa menos usuários exclusivos do SUS. terpretação acerca dos impactos da PEC para a Há ainda um efeito secundário difícil de ser saúde é que ela explicita o conflito distributivo mensurado atinente à saúde do trabalhador. vivenciado no Brasil há pelo menos três déca- Existem evidências de piora do estado de saú- das. Precisamos estabelecer com clareza que de quando os indivíduos se aposentam, devi- SUS que queremos. Se queremos de fato um do, por exemplo, a problemas de depressão. sistema universal e integral, temos de estabe- lecer formas claras de financiar esse sistema. Consensus Em sua opinião como economis- Com a determinação da PEC, quando o país ta da saúde, o que podemos esperar para o voltar a crescer, teremos de resolver como alo- futuro do SUS? car esse crescimento. Mas, mesmo no cenário Mônica Viegas A sociedade brasileira fez a de crescimento, se não houver a reforma da opção de um desenho de sistema de saúde previdência, a saúde vai continuar perdendo misto, onde tornamos possível tanto que os – o que já era observado antes da PEC. Agora indivíduos tenham livre escolha de cuidado, estou me referindo ao impacto específico na podendo obtê-lo no sistema privado, como saúde, existem outras áreas, como a educação também garantimos a todos os indivídu- superior, por exemplo, em que a PEC impacta os um sistema público universal e integral. de forma definitiva no curto prazo. Esse desenho misto existe em outros países, mas não na forma duplicada e complexa que Consensus Como a reforma da previdência observamos no Brasil. Esse desenho coloca impactaria no setor saúde, principalmente se considerarmos o aumento da expectati- desafios que outros sistemas que são majo- va de vida dos brasileiros? ritariamente públicos não atravessam, uma Mônica Viegas Reitero que se não resolver- vez que os dois sistemas são concorrentes o mos o problema da previdência, com PEC ou tempo todo. sem a PEC, a saúde ficará esprimida e o SUS A meu ver, o futuro da saúde no Brasil está no continuará subfinanciando. A previdência SUS, pois eu realmente acredito que a saúde irá aumentar cada vez mais a sua participa- deve ser financiada através de um modelo ção nos gastos da seguridade social, impac- público! Um país com tantas desigualdades tando no financiamento da saúde. No cenário como o Brasil só vai avançar de forma sus- de subfinanciamento, em que há um princí- tentável se garantir acesso a bens e serviços pio constitucional da integralidade, não há de saúde para sua população. Nesse sentido, outro caminho que não reduzir a qualidade o grande desafio dos nossos gestores é avan- do cuidado ofertado. Nesse caso, a redução çar na consolidação do SUS, ultrapassando da qualidade representa estrangulamento na os problemas de gestão e eficiência e mudar a oferta de vários serviços, principalmente os percepção da população sobre esse sistema. 13
especial Propostas do Conass aos candidatos à Presidência da República em 2018 14
consensus | terceiro trimestre 2018 C omo de praxe, nos anos em que ocorrem as eleições para presidência da República, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde questões tão importantes para a saúde pública de forma unificada. É disso que precisamos para a defesa do SUS”, afirmou. (Conass) elabora uma agenda de propostas Geraldo Alckmin, do Partido da Social para a área da saúde, a fim de auxiliar os pro- Democracia Brasileira (PSDB), ressaltou que gramas de governo dos candidatos. Este ano, o saúde não é um favor que o governo faz à documento Propostas do Conass aos candidatos população, mas um direito conquistado le- à presidência da República apresenta 10 eixos gitimamente e que enfrenta muitos desafios. estruturantes para o Sistema Único de Saúde Ele elogiou a iniciativa do Conass e disse que (SUS), a fim de garantir o fortalecimento e a colocaria atenção às propostas em seu progra- sustentabilidade do sistema. ma de governo. As propostas do Conass foram entre- Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, gues às coordenações de campanha de todos recebeu o presidente do Conass em seminá- os candidatos à presidência da República, rio promovido pela Fundação Rede Sustenta- acompanhadas de ofício solicitando audiên- bilidade com o objetivo de reunir reflexões, cia com os presidenciáveis para que Leonardo experiências e alternativas para os desafios Vilela, presidente do Conass, fizesse a entrega do Brasil. Segundo a candidata, a política não pessoalmente. O ofício foi protocolado pelos pode ser um “espaço mesquinho”, mas um partidos políticos e coligações. ambiente onde todos podem contribuir com O candidato do Partido Democrático Tra- a melhoria da qualidade dos serviços públi- balhista (PDT), Ciro Gomes, recebeu o docu- mento em audiência com Vilela. “Acato inte- cos e sua gestão. gralmente o documento, pois sei da seriedade O Conass considera este movimento e competência desse Conselho”, disse, desta- uma afirmação do trabalho dos gestores es- cando que não abre mão da revogação da EC taduais de saúde, fruto da constante troca n. 95, que limita os gastos públicos. de experiências entre eles, conforme destaca Em nota oficial enviada como resposta às Leonardo Vilela. “A atuação dos secretários propostas, Fernando Haddad, do Partido dos em todo Brasil fomenta o trabalho do Conass Trabalhadores (PT), destacou a responsabilida- para além da gestão e da contribuição com as de do Conass ao elaborar o documento. “Sabe- políticas públicas da saúde e transcende para mos da diversidade política na composição do o campo político a luta constante pelo forta- Conselho. Apenas um órgão com o compro- lecimento do SUS”. metimento com a saúde pública e com a ma- Leia a seguir a íntegra do documento en- turidade que tem o Conass é capaz de elaborar tregue aos presidenciáveis. Candidatos à presidência da República recebem as Propostas do Conass aos candidatos à presidência da República Acesse a íntegra da resposta encaminhada pelo candidato Fernando Haddad em goo.gl/Z6Nd1f 15
especial O Brasil vive uma quadra em que a se- ao povo brasileiro: estabilidade democráti- gurança social está ameaçada. A fragilidade ca, políticas sociais inclusivas, retomada do Acesse a íntegra política e econômica mergulhou o país em crescimento econômico, fortalecimento das do documento uma rota não sabida que desperta, em cada políticas educacionais, de segurança, de sane- também na internet, em cidadão, a preocupação com o futuro e, nas amento básico e, sobretudo, de saúde, por ser goo.gl/W9t6eq famílias, a angústia do desemprego, o medo garantidora da qualidade e manutenção da da violência e da desassistência. O Sistema vida da totalidade do povo brasileiro. A sus- Único de Saúde (SUS), entidade nacional tentação do SUS para além do discurso deve das mais respeitadas, nos seus 30 anos, sen- ser um compromisso de qualquer governante te-se ameaçado. que entenda ser dever evitar o sofrimento e as O SUS, é produto de ideias de sanitaris- ameaças à vida humana como compromisso tas, acadêmicos, gestores, estudantes, tra- balhadores, forjadas nos movimentos de constitucional. Afinal, saúde é direito de to- resistência à rotura democrática de 1964, dos e dever do Estado (art. 196 da CF/1988). acolhidas no Congresso Nacional durante a O Conass apresentou aos candidatos a Constituinte e cravado nas letras da Consti- governador e a presidente a agenda de pro- tuição de 1988 (CF/1988). Por isso, seus prin- postas estruturantes para a área da saúde, que cípios coincidem com as bandeiras levanta- visa garantir o fortalecimento e a sustentabi- das pelo movimento de redemocratização do lidade do SUS e da saúde de qualidade para a país e sua implantação reflete fortemente o população brasileira. processo de descentralização política e teve como consequências a abertura de espaços Propostas do Conass aos candidatos à de participação da sociedade organizada em Presidência da República em 2018 Conselhos e Conferências. Nos seus 30 anos, o SUS tem sido capaz de estruturar e consolidar um sistema públi- 1. Compromisso com as diretrizes co de saúde de enorme relevância e apresen- constitucionais do SUS – tar resultados inquestionáveis para a popula- Universalidade e Integralidade ção brasileira, fazendo a segurança sanitária As bases constitucionais do Sistema Úni- da população de maneira universal e integral. co de Saúde – universal, integral e gratuito – No entanto, problemas cruciais retardam sua estão assentadas em princípios de justiça e evolução e ameaçam sua existência. de inclusão social, e a população assim o re- O Conselho Nacional de Secretários conhece. Pesquisa realizada demonstra que de Saúde (Conass, Lei n. 8.080/1990 e Lei n. ‘88% dos brasileiros querem que o SUS seja 12.466/2011, art. 14A e 14B) tem sido ator im- mantido’. Isso demonstra a necessidade de portante na formulação, na implantação e na consolidação do SUS, contribuindo efeti- sua afirmação como política de Estado pelos vamente para o fortalecimento da gestão do governantes e não sua subscrição como sis- sistema, com atuação destacada na Comissão tema segmentado, submetido ao sistema su- Intergestores Tripartite (CIT), Conselho Na- plementar. A concepção do sistema expressa cional de Saúde e demais espaços onde a dis- na Constituição Federal e o perfil socioeco- cussão se faça. nômico do povo brasileiro – 75% da popula- O momento político exige dos candida- ção são usuários exclusivos do SUS – exigem tos o compromisso com o que é mais caro esse compromisso. 16
www.conass.org.br/consensus gráfica da população brasileira nos últimos 2. Novo Pacto Federativo anos, é urgente implantar no SUS um modelo e Reforma Tributária de atenção adequado, com base nas necessi- O modelo de federalismo brasileiro inter- dades da população e não na oferta de servi- dita a discussão e os esforços para o aprimora- ços, tendo a Atenção Primária como coorde- mento da governança exigida, ao tempo em nadora do cuidado e ordenadora da Rede de que é determinante de crise. O padrão de ofer- Atenção à Saúde. As principais intervenções ta do atendimento social em um país desigual desse modelo de atenção à saúde devem levar e de dimensão continental como o Brasil exi- em consideração os determinantes sociais da ge colaboração consequente entre os entes saúde e desenvolver ações intersetoriais de federados. O ordenamento institucional deve enfrentamento de agravos; fortalecer ações ser ajustado e os recursos federais repartidos de promoção da saúde, mudança de estilo de de forma justa entre as esferas para propiciar vida, autocuidado apoiado; as intervenções a execução das políticas descentralizadas. No preventivas estritas como vacinações, cuida- Brasil, essa distribuição é fator gerador de do contínuo e monitoramento da atenção na iniquidade. É preciso estabelecer equilíbrio população de risco. É preciso definir uma Po- entre as responsabilidades assumidas pelos lítica Nacional que amplie o acesso e reduza o entes federados e o repasse da arrecadação. tempo de espera ao atendimento especializa- do ambulatorial e hospitalar, para fazer fren- 3. Fortalecimento da Gestão do SUS te a necessidades relacionadas a consultas, exames e cirurgias eletivas. O Brasil vive momento de desafios para a gestão do Sistema Único de Saúde. O momen- 5. Modelo de Financiamento do SUS to atual nos impõe desafios como a crise polí- tica, fiscal e econômica. Diante desse quadro O subfinanciamento do SUS é crônico e de crise, é preciso aproveitar a oportunidade tende a perdurar em função da crise fiscal es- para melhorar a gestão e aumentar a eficiên- tabelecida e o advento da Emenda Constitu- cia do SUS, por meio de Agenda de mudanças cional (EC) n. 95 de 2016, que institui o Novo no modelo de atenção à saúde, no modelo de Regime Fiscal e impossibilita o aumento do gestão e no modelo de financiamento. seu financiamento, ao congelar por 20 anos É necessário ofertar e dar acesso à po- pulação a serviços organizados em redes de recursos financeiros federais destinados ao atenção à saúde, nas macrorregiões, onde se sistema. Para dar suporte a um sistema públi- garante a integralidade da atenção. Para me- co universal de qualidade, é preciso garantir lhorar a gestão, é preciso reduzir a burocracia financiamento regular e suficiente. É neces- normativa federal, dando mais autonomia sário, portanto, revogar a EC n. 95/2016. É para estados e municípios; promover efetiva preciso, também, definir novas formas de re- regionalização; aprimorar a administração muneração de serviços no SUS que contem- pública; e promover parcerias entre a socie- plem custos efetivos e desempenho e estabe- dade e o poder público. lecer o critério de rateio dos recursos federais para custeio e investimento, conforme a Lei 4. Modelo de Atenção à Saúde Complementar n. 141/2012, com transferên- cia fundo a fundo a estados e municípios, a Considerando as profundas mudanças serem utilizados conforme os respectivos do perfil epidemiológico e da transição demo- planos de saúde. 17
especial recursos humanos na área da saúde, visando 6. Governança Regional preparar profissionais com o perfil voltado às suas necessidades. Entretanto, os gesto- Visando aprimorar a gestão e aumentar res enfrentam dificuldades para o adequado a eficiência, é necessário organizar as redes provimento e a fixação de profissionais, es- de atenção à saúde nas macrorregiões, de for- pecialmente médicos em áreas mais carentes. ma a garantir a integralidade. Para promover Portanto, é preciso garantir a implementação a governança das redes de atenção à saúde, é do Programa Mais Médicos em todos os seus preciso que haja o equilíbrio das relações in- eixos e fortalecer a Política Nacional de Edu- tergovernamentais das três esferas de poder cação Permanente em Saúde e o pleno funcio- autônomas e de outros atores como a socieda- namento das Escolas de Saúde Pública e das de e as organizações envolvidas nos processos Escolas Técnicas dos SUS. decisórios no território macrorregional. Essa 9. Complexo industrial e governança deve ser diferenciada, própria de inovação em saúde ambientes colaborativos, com mecanismos de coordenação e monitoramento das ativi- Incrementar a capacidade de produção e dades, buscando ganhos de escala, redução de de inovação do Complexo Industrial da Saúde, riscos e dos custos envolvidos. para a realização das atividades de pesquisa, de- senvolvimento e inovação, produção, compra e venda de insumos de saúde, de serviços, assim 7. Judicialização da Saúde como de novos conhecimentos e tecnologias. Para além dos debates que levem em con- Melhorar as condições de produção dos ta o conflito entre direitos individuais e cole- laboratórios oficiais, de modo a atender a de- tivos, a judicialização desorganiza a atividade manda por medicamentos e imunobiológicos administrativa, obriga a alocação de recursos estratégicos, sobretudo para doenças negligen- ciadas. Portanto, se faz necessário tanto a defini- (humanos, logísticos, financeiros) de forma ção estratégica de que medicamentos e imuno- não planejada, estabelece um paralelismo biológicos produzir, quanto o financiamento entre quem acessa o SUS por suas portas de necessário para expansão e adequação das plan- entrada e quem abrevia o caminho, pela deci- tas de produção dos laboratórios oficiais. são judicial. Por isso é necessário atuar junto ao Poder Legislativo para regulamentar que o 10. Participação da Sociedade financiamento público para a saúde destinar- -se-á exclusivamente aos itens incorporados Os Conselhos de Saúde atuam na formu- pelo SUS; atuar junto ao Poder Legislativo e lação de estratégias e no controle da execução o Judiciário para minimizar a criminalização da política de saúde e são importantes para da gestão do sistema de saúde e de seus gesto- o fortalecimento do SUS. As Conferências res; estimular os diálogos institucionais entre de Saúde, convocadas pelo Poder Executivo, o sistema de saúde e o de justiça que garan- composta com representação de vários seg- tam o direito do cidadão e preservem a sus- mentos sociais, avaliam a situação de saúde e tentabilidade do sistema. propõem diretrizes para a formulação de polí- 8. Gestão do trabalho e ticas de saúde. Portanto, é importante fortale- da educação na saúde cer a participação da sociedade na governança do Sistema Único de Saúde por meio dos Con- O artigo 200 da Constituição Federal de- selhos de Saúde e aprimorar os mecanismos fine que o SUS deve ordenar a formação de de avaliação de satisfação dos usuários. 18
O livro Conass Debate – O Futuro dos Sistemas Universais de Saúde, é fruto das ricas discussões ocorridas em dois dias de debates com especialistas brasileiros e internacionais, com objetivo de discutir estratégias e ações que possibilitem o fortalecimento do SUS em um cenário de grave crise política e econômica que ameaça não apenas o sistema, idealizado e construído para atender a todos de maneira igualitária e equânime, mas o direito à saúde, conquistado e estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Disponível gratuitamente https://goo.gl/kztdWY
saúde em foco Os efeitos do ajuste fiscal na saúde TATIANA ROSA Como as medidas adotadas pelo governo federal para conter a crise econômica têm afetado o sistema de saúde brasileiro O alerta tem sido feito de todas as manei- ras: por meio de pesquisas, artigos, dis- cursos, jornais: as medidas de austeridade de austeridade fiscal adotadas pela Emenda Constitucional (EC) n. 95, o professor condu- ziu o trabalho a partir da crise econômica e o fiscal implantadas no Brasil já impactam ne- efeito das reduções na cobertura do Programa gativamente a saúde pública brasileira e cha- Bolsa Família e da Estratégia Saúde da Famí- mam a atenção para o retrocesso em alguns lia, comparando este cenário com outros em indicadores importantes. que esses programas mantêm os níveis de Recentemente, um estudo coordenado proteção social. Acesse o estudo pelo professor do Instituto de Saúde Coleti- Segundo a conclusão do estudo, publi- na íntegra em va da Universidade Federal da Bahia (UFBA) cado na revista Plos Medicine, a austeridade goo.gl/nY1L4X Davide Rasella apresentou prospecção as- fiscal no Brasil pode ser responsável por uma sustadora e chamou a atenção para indica- morbidade e mortalidade substancialmente dor específico e que será o mais impactado maiores na infância diferentemente do que com a situação: o aumento da taxa de morta- seria esperado em um cenário com a devida lidade infantil. manutenção da proteção social. Utilizando um modelo de microssimu- Para saber mais sobre como a pesquisa foi lações sobre os possíveis efeitos na saúde conduzida e quais as impressões do professor dos brasileiros com a vigência das medidas a respeito da situação, a revista Consensus 20
consensus | terceiro trimestre 2018 conversou com Rasella, que explicou que a Ela observou que a EC n. 95 não apenas metodologia utilizada é a mais adequada e ro- congelou o gasto mínimo com saúde e com busta para projetar cenários futuros quando educação, mas estabeleceu um teto para as há grande quantidade de dados disponíveis chamadas despesas primárias, que são as des- sobre o passado. Além disso, foram ouvidos pesas com as políticas públicas. “O teto de gestores, economistas e pesquisadores, que gasto e as aplicações mínimas com saúde e falaram a respeito das expectativas em rela- educação serão corrigidos apenas pela infla- ção ao impacto da crise econômica e fiscal na ção. Ficaram de fora do teto de gasto as despe- saúde pública brasileira. sas com pagamento de juros e com a amorti- Questionado sobre a relação entre o pa- zação da dívida pública”, explicou. cote de austeridade fiscal e as condições de Sulpino explica que a literatura científi- saúde no Brasil, Rasella afirmou que a pobre- ca evidencia que a austeridade fiscal agrava os za é forte determinante social da saúde, tendo efeitos negativos das crises sobre as condições grande influência sobre a morbidade e mor- sociais e de saúde das populações. No entan- talidade da população. “Mesmo tendo saído to, o Brasil carece de mais estudos sobre essas oficialmente da recessão (o Produto Interno implicações. “O que se observa como conse- Bruto (PIB) em 2017 e 2018 será positivo), a quência da recessão econômica, agravada a pobreza continua aumentando, e isso afeta partir de 2014, e sobre a austeridade que vem fortemente a mortalidade, sobretudo nas fai- sendo implantada desde então, é grande cor- xas mais vulneráveis da população”, afirma. te dos investimentos públicos, incluindo em Ele argumenta que cortes na assistência saneamento básico, queda real do gasto com social e na assistência à saúde deixam a po- o SUS e cortes de gasto com políticas sociais.” pulação ainda mais vulnerável aos efeitos do A pesquisadora do Ipea Fabíola Sulpino observa que a aumento da pobreza. “A ESF [Estratégia Saú- austeridade fiscal agrava os efeitos negativos das crises de da Família] comprovadamente contribuiu sobre as condições sociais e de saúde das populações, mas reiterou que o Brasil carece de mais estudos sobre para reduzir a morbidade e mortalidade na essas implicações população brasileira nos últimos anos, facili- tando o acesso à saúde, sobretudo pelos mais pobres, e é fator importante de resistência à crise econômica”, observou o professor. A pesquisadora do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) Fabíola Sulpino reitera que o tema em questão foi e está sen- do bastante estudado em todo o mundo. Para ela, a austeridade fiscal significa severidade quanto ao gasto público e tem resultado em aumento da cobrança de impostos e em cor- tes de despesas com programas sociais. “Ela desempenha papel central no agravamento dos efeitos negativos das crises econômicas, porque reduz a proteção social no momento em que os indivíduos mais precisam (perda de emprego, aumento das dívidas, aumento dos quadros de depressão e ansiedade etc.)”, disse. Foto: Arquivo pessoal 21
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