Coco babaçu: o poder das quebradeiras do Maranhão - Comissão Pastoral da Terra
←
→
Transcripción del contenido de la página
Si su navegador no muestra la página correctamente, lea el contenido de la página a continuación
PASTORAL DA Comissão Pastoral da Terra Julho a Setembro de 2018 Ano 43 – Nº 235 Foto: Thomas Bauer - CPT Bahia Coco babaçu: o poder das quebradeiras do Maranhão Pags.: 8 e 9 Foto: Mário Manzi - CPT Nacional Em audiência, testemunhas de acusação inocentam Padre Amaro Pág.: 7
PASTORAL DA TERRA 2 julho a setembro 2018 EDITORIAL Hipocrisia sem limites Em meio a um crescente descrédito das instituições públicas, sobretudo do Congresso Nacional e de boa parte do Executivo e do Judiciário, acontece uma cam- “Os Custos Ambientais e panha eleitoral que, de novo, pouco ou quase nada tem. Os discursos são os velhos de Humanos do Negócio de Terras” sempre. Os candidatos são conhecidos do eleitorado, com alguma saudável exceção. O que quebrou a monotonia deste período eleitoral foi a tentativa de Lula Especulação de terras e expansão do agro- se manter como candidato, tentativa barrada em todas as instâncias do Judiciário, mesmo tendo a Comissão de Direito Humanos da ONU se manifestado no sentido negócio na região conhecida como Matopi- de garantir o direito de ele pleitear a candidatura. ba (que abrange áreas nos estados do Ma- Outra quebra importante foi a agressão sofrida por Jair Bolsonaro (PSL), ranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) são temas atingido por um golpe de faca, quando estava em campanha em Juiz de Fora (MG). do relatório “Os Custos Ambientais e Hu- Agressão obviamente condenada por todos, mas que, de uma certa forma, foi a res- manos do Negócio de Terras”. Lançado no posta de um cidadão inconsequente às cotidianas agressões proferidas pelo candi- dato e por seus seguidores às mulheres, aos povos e comunidades tradicionais, aos mês de agosto deste ano, o documento trata LGBTs, e contra tudo e todos que não se enquadram em seu modo de ver e entender dos impactos causados pela financeirização as coisas. Para quem a ditadura militar não foi ditadura, para quem os torturado- de terras na região em questão, com desta- res são heróis da nação, para quem a violência se combate com mais violência, o que para a ação dos fundos de pensão in- atentado sofrido se enquadra na lógica do discurso pregado. Só que as coisas não se ternacionais no processo de transformação resolvem na base da violência, mas do debate civilizado, do diálogo. No ambiente de pré-campanha, a violência contra os povos e comunidades da terra em bem financeiro. A publicação, do campo se mantiveram firmes. Expulsões de famílias e assassinatos de camponeses organizada por FIAN Brasil, FIAN Interna- continuaram a acontecer. Mas nada sacia a sanha dos ruralistas na tentativa de res- cional, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e tringir ao máximo os direitos dos povos do campo, caso não seja possível eliminá-los Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, identificou indícios de gri- por completo. lagem de terras por empresas estrangeiras e nacionais e as violações de Uma das investidas dos senhores do campo se deu no dia 15 de agosto. Neste dia, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Frente Parlamen- direitos humanos resultantes das ações de grilagem. Os indícios foram tar da Agropecuária (FPA), a conhecida bancada ruralista, procuraram o ministro da colhidos em caravana realizada entre os dias 6 e 11 de setembro de 2017 Justiça, Torquato Jardim. O que pretendiam do ministro? por 34 organizações brasileiras e internacionais. Entre outras coisas, basicamente, garantir que o parecer 001/2017 da Advo- cacia-Geral da União (AGU), que adota a tese do marco temporal para demarca- ção de terras para povos tradicionais, seja mantido e que sejam suspensos todos os “A Que Preço?” processos de demarcação de Terras Indígenas e quilombolas com base na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais Lançado no dia 24 de julho, o relatório (PNPCT), adotada pelo governo Lula. O que mostra a desfaçatez destes ruralistas “A Que Preço?” é uma produção da ONG são os argumentos que empregam para dizer ao ministro que ele deve atender suas reinvindicações. Segundo eles, a demarcação destes territórios afronta a ordem e a britânica de atuação internacional, Glo- segurança, além de violar a garantia à propriedade privada e a dignidade humana. bal Witness. Reunindo dados que con- A Constituição brasileira no inciso XXII do artigo 5º diz: “é garantido o direi- cernem os assassinatos de defensoras e to de propriedade”. Este direito é garantido para todos. Não só para alguns que cada defensores da Terra e do Meio Ambiente, vez querem aumentar mais seu patrimônio. A garantia à propriedade privada é de em 2017, a publicação cita o Brasil como todos. Como também todos e todas têm direito à dignidade humana que é espezi- nhada pelos que querem sobrepor os seus “direitos individuais” ao bem coletivo. Não país mais perigoso para essas pessoas, é uma afronta à dignidade humana obrigar milhares e milhares de famílias a viverem com 57 mortes. Utilizando metodologia em miseráveis acampamentos à beira das estradas ou se amontoarem em favelas sem e categorização próprias, o relatório tem o mínimo atendimento às suas necessidades básicas? como uma das fontes de dados a publica- A hipocrisia dos que ocupam os extratos superiores da sociedade não tem ção “Conflitos no Campo Brasil”, da CPT. limites. As eleições conseguirão alterar o quadro atual de nosso país? Em análises, a publicação da ONG britâ- nica adereça os altos índices de assassina- Boa leitura! tos a governos e a atuação de empresas. Presidente Redação APOIO ASSINATURAS Dom André de Witte Cristiane Passos Antônio Canuto Anual R$ 10,00. Vice-presidente Elvis Marques (Reg. Prof.: 0003705/GO) Dom José Ionilton Mário Manzi (Reg. Prof.: 0005157/GO) Rede de comunicadores da CPT Pagamento pode ser feito através de É uma publicação da Comissão Pastoral da Terra – ligada à depósito no Banco do Brasil, Comissão Coordenadores Nacionais Jornalista responsável Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Paulo César Moreira Cristiane Passos (Reg. Prof.: 002005/GO) Pastoral da Terra, conta corrente Secretaria Nacional: Rua 19, nº 35, ed. Dom Abel, 1º andar, Jeane Bellini 116.855-X, agência 1610-1. Impressão Centro, Goiânia, Goiás – CEP.: 74030-090. Isolete Wichinieski LSV Produção Gráfica Ltda. Fone: (62) 4008-6466 – Fax: (62) 4008-6405. Ruben Siqueira Informações cpt@cptnacional.org.br www.cptnacional.org.br / comunicacao@cptnacional.org.br Diagramação Tiragem: 3.750 exemplares Vivaldo da Silva Souza
PASTORAL DA TERRA 3 julho a setembro 2018 Organizações sociais celebram 60 anos de cooperação da agência Misereor com o Brasil Foto: Thiago Miotto - CIMI ppio contra a transposição do Rio São Francisco. Ao recordar o texto bíblico que inspira a criação de Misereor, Regi- na afirmou que “esta compaixão é ainda A Obra Episcopal da Igreja Ca- muito necessária”. tólica Alemã para a Cooperação e o De- O Sínodo para a Amazônia foi senvolvimento – Misereor comemorou, lembrado na celebração. De acordo com no dia 27 agosto, 60 anos de fundação. Regina, “este Sínodo é apenas o começo. Organizada pelo Centro de Assessoria e Vamos fazer o nosso Sínodo para a Ama- Apoio a Iniciativas Sociais (CAIS), a ce- zônia antes, durante e depois”. Para ela, o lebração ecumênica, realizada na Casa de Sínodo é uma oportunidade de se repen- Retiros Assunção, em Brasília, reuniu de- sar muitos processos e projetos na Igreja zenas de parceiros, movimentos sociais, em vista dos mais vulneráveis. “Vamos pastorais, organismos eclesiais e amigos aproveitar do Sínodo para colocar nele os da instituição. nossos sonhos!”, afirmou Reinert. Na acolhida da celebração, o padre Participaram ainda da celebração, Gabriele Cipirani, presidente do CAIS, migrações, povos tradicionais e a defesa ternidade realizada na África do Sul con- contribuindo com reflexões e orações, saudou os/as participantes e destacou a da Criação. Alegremo-nos, neste dia, para tra o Apartheid, a Campanha em Defesa dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto presença das diversas instituições pre- fortalecer a esperança e cultivar a força dos Direitos Humanos de pessoas LGBT, Velho (RO) e presidente do Conselho In- sentes. Ele lembrou a data de fundação do compromisso, especialmente nos tem- dentre outras que, segundo ela, “rara- digenista Missionário (Cimi), dom Luiz de Misereor, 17 de agosto de 1958, recor- pos difíceis de tantos retrocessos e amea- mente são contadas”. Lembrou, ainda, do Flávio Cappio, bispo de Barra (BA), e dando o movimento dos católicos alemães ças aos direitos e à democracia em nosso foco de ação da instituição e de parce- dom Demétrio Valentini, bispo emérito daquele tempo que desejavam socorrer os país”, afirmou Cipriani. rias em ações concretas no Brasil, como de Jale e vice-presidente do CAIS. Na ce- irmãos e as irmãs necessitados. “Já são Regina Reinert, representante de a Campanha da Fraternidade de 2016, lebração, os participantes foram convida- seis décadas de cooperação direta, mas Misereor no Brasil, fez memória das di- juntamente com o Conselho Nacional dos refundar, hoje, a Misereor e a repen- também de muita influência política em versas conquistas da instituição mundo das Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) e sar sua relação com a instituição. (Fonte: temas globais, tais como comércio justo, afora. Ela recordou a Campanha da Fra- da Campanha de Dom Luiz Flávio Ca- REPAM) Morre dona Dijé, liderança, Acampados e assentados do Norte quebradeira de coco e quilombola do Mato Grosso unem forças Foto: Andressa Zumpano Foto: Comunicação MAB Faleceu na madrugada do dia 14 C omunidades de setembro dona Maria de Jesus Brin- da região Norte do gelo, a dona Dijé. Mulher negra, quilom- Mato Grosso acompa- bola, quebradeira de coco babaçu, um re- nhadas pela Comissão ferencial como ser humano e para a luta Pastoral da Terra (CPT) dos povos e comunidades tradicionais, ela realizaram, nos dias 8 deixa um grande legado para os povos e e 9 de setembro, inter- comunidades tradicionais do Brasil. Con- câmbio no PDS Nova fira a Nota divulgada pelo Movimento Conquista II, no muni- Interestadual das Quebradeiras de Coco cípio de Novo Mundo, Babaçu (MIQCB): a cerca de 800 quilôme- tros de Cuiabá. Uma mãe palmeira O intercâmbio dos oito grupos mação as propostas de agroecologia, de – formados por cerca de 400 famílias organização para produção e geração se despede dos municípios de Novo Mundo, Nova de renda. As conclusões do intercâm- pre lutou pelos direitos das mulheres, dos Guarita, Terra Nova do Norte e Nova bio apontaram a necessidade de agregar A notícia que não queríamos dar... quilombolas, dos indígenas, dos pct´s. De Canaã – foi realizado no Projeto de mais ativamente os/as participantes na esta noite perdemos uma grande mulher, quem sempre lutou pelo acesso livre ao Desenvolvimento Sustentável (PDS) organização de cada grupo, e de retomar mãe, avó, liderança faleceu de infarto ful- território. Como ela mesma falava “Nós Nova Conquista II, que é considerado as reuniões mensais das coordenação minante dona Maria de Jesus Bringelo, queremos o território para nascer, viver, um lugar emblemático, onde estão as- dos mesmos, com objetivo de acessar a dona Dijé. Mulher negra, quilombola, germinar e morrer”. E foi assim, no qui- sentadas 96 famílias em uma área ini- terra, resistir na luta e conseguir novas quebradeira de coco babaçu, um referen- lombo Monte Alegre que ela se despediu. cialmente grilada pelo agronegócio. conquistas, superando as limitações e cial como ser humano e para a luta dos Nós e as florestas de babaçuais sentimos a Mulheres e jovens se reuniram em fortalecendo as lutas, com formação, povos e comunidades tradicionais. Uma sua falta. Segue Mãe Palmeira teu cami- espaços separados, nos quais trocaram in- organização dos acampamentos, coor- profunda tristeza invade os nossos cora- nho. Tua trajetória foi vitoriosa e teus en- quietudes, mas também buscaram se ar- denação colegiada dos grupos com reu- ções e custamos a acreditar que não mais sinamentos já fizeram e reforçaram a luta ticular. Acesso à Justiça e direitos na luta niões agendadas, troca de experiências e compartilharemos de seu sorriso, de sua pela liberdade e dignidade dos povos. pela e na terra e papel dos órgãos públicos infraestrutura organizativa. adorável companhia do seu jeito firme e Dijé presente! foram alguns dos temas debatidos. (Fonte: Josep Iborra Plans – da Articulção suave de se posicionar. Ficam a história, Com pesar, Movimento Interestadual das Também foram temas de for- das CPT’s da Amazônia) o aprendizado e o exemplo quem sem- Quebradeiras de Coco Babaçu.
PASTORAL DA TERRA 4 julho a setembro 2018 FORMAÇÃO Os rostos, pés e corpos da Amazônia e a luta comum O II Encontro das agentes e dos agentes da Articulação das CPT’s da Amazônia, realizado em Manaus (AM) de 28 a 30 de agosto, promoveu a partilha de histórias e o intercâmbio de experiências, com o intuito de construir um imaginário diverso da Amazônia e da luta comum travada nela. CRISTIANE PASSOS* Conceição do Macacoari. No Amazonas, em juízes concederam a reintegração, mas não de acompanhar famílias sem-terra que fo- janeiro desse ano as famílias da comunidade estão querendo assumir que erraram. Em ram assentadas em uma antiga fazenda de De acordo com o professor Nirson de Manacapuru sofreram com a derrubada Presidente Figueiredo, os casos mais gra- soja. O estado do Pará compartilhou a ex- Medeiros, da Universidade Federal do Oes- de algumas casas após ação de reintegra- ves são ligados a uma grilagem, conhecida periência de construção, junto às comunida- te do Pará (UFOPA), muitos dos conflitos ção de posse. No município de Itacoatiara, como grilagem paulista, por ter ligação com des, dos protocolos de consulta das comu- enfrentados na região amazônica passam, a CPT sempre acompanhou famílias que grileiros que são do estado de São Paulo. Em nidades tradicionais. Rondônia apresentou necessariamente, por questões de terras, sofrem pressão para deixar uma área, cujos Lábrea, a equipe da CPT trabalha junto a um vídeo da festa do divino da comunida- acessos e controle de recursos naturais, Foto: Cristiane Passos - CPT Nacional unidades de conservação. de quilombola do Forte Príncipe da Beira, além de conflitos internos das comuni- Do estado de Roraima veio a mostrando a resistência cultural e religiosa dades e também conflitos identitários experiência da agricultura familiar dessas comunidades. e de reconhecimento das mesmas. aliada à ideia do bem viver. O maior Para o padre Ricardo Castro, da Rede Da partilha das experiências trabalho é manter o povo no campo Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e do Ins- dos regionais da CPT presentes na com dignidade. O Maranhão compar- tituto de Teologia Pastoral e Ensino Superior Amazônia, vieram as metodologias tilhou a experiência da Teia dos Povos da Amazônia (Itepes), “além do aspecto ge- construídas conjuntamente, obser- Tradicionais, que é realizada duas ve- ográfico diversificado e do aspecto histórico vando e respeitando o modo de vida zes ao ano, e reúne várias comunida- e cultural, temos que levar em consideração tradicional dessas comunidades, em des tradicionais, como quebradeiras também a questão mística, misteriosa, da consonância com a floresta. Do Acre de coco babaçu, quilombolas, indíge- vida dos nossos povos, isso faz com que a veio o início do trabalho direto com as nas, geraizeiras, entre outras. O estado terra não seja somente um pedaço de terra, comunidades tradicionais, em especial do Mato Grosso, maior produtor de não seja somente geografia, ela é transcen- os seringueiros. Do Amapá veio a ex- grãos e também o maior usuário de dental, esse mistificar o aspecto da terra é periência de resistência do quilombo venenos, compartilhou a experiência importante”, disse. Terra, regularização fundiária e mercado financeiro norteiam formação de agentes da CPT Promovido pela Articulação das CPT’s do Cerrado, o Encontro de Formação de Agentes do Cerrado teve como tema a “Finan- ceirização de terras e regularização fundiária”. A atividade ocorreu entre os dias 30 de agosto e 02 de setembro no município de Hidrolândia (GO). Foto: Rafael Oliveira - CPT Tocantins ELVIS MARQUES* da Universidade Federal Rural do Rio Carla Morsch. Já no ano passado, em de Janeiro (UFRRJ), Carla Morsch; novembro de 2017, o portal Land Ma- “Regularização fundiária e a gri- o mestrando em Ciências Sociais em trix havia registrado, em escala global, lagem de terras são dois temas que estão Desenvolvimento, e Agricultura e So- 1.340 investimentos em terras que re- intimamentes relacionados”, disse, logo ciedade pela UFRRJ, Orlando Aleixo cobriam uma área de aproximadamen- no início do evento, Maurício Correia, da Junior; e o pesquisador da Rede Social te 49 milhões de hectares. Associação de Advogados/as de Trabalha- de Direitos Humanos e doutorando, No caso do Brasil, mais espe- dores/as Rurais da Bahia (AATR). O En- Fábio Pitta. cificamente na região Oeste da Bahia, contro de Formação buscou contextualizar, Para o integrante da AATR, por exemplo, Carla tem realizado um por exemplo, a relação entre a Regulariza- considerando todo o processo de re- mapeamento sobre os investimentos ção Fundiária no Piauí e o Banco Mundial, gularização fundiária e que a legisla- estrangeiros em municípios como Co- os investimentos estrangeiros em terras no ção de terras do Brasil foi herdada pe- tegipe e Mansidão. A pesquisa mostra, Brasil e seus respectivos impactos às co- ríodo de colonização de Portugal, “é a princípio, que há pelo menos 59 em- munidades e povos do campo, e o quanto a nítido que o que existiu durante estes presas, de 14 nacionalidades, que estão terra brasileira está, hoje, presente no mer- cinco séculos foi um processo de expropria- Corrida mundial por terras investindo no mercado de terras apenas em cado financeiro. ção dos povos originários, de não resolução municípios dessa região da Bahia. Para a O advogado popular foi uma das dos problemas fundiários e de uma vasta e Apesar de não ser possível fazer doutoranda, essa história está longe do fim, pessoas que contribuíram com a formação complexa legislação, uma sobre a outra, um inventário confiável, alguns dados es- pois o mercado de terras é uma tendência dos cerca de 30 agentes da CPT nesses três que não resolvem os problemas fundiários. timam que a transferência global de terras de investimentos crescente já que a terra não dias de encontro. Também abordaram essa O Brasil só resolveria a questão fundiária agricultáveis fosse de aproximadamente 4 tem perda financeira e está em alta. temática o professor do mestrado em Di- se fizesse um reordenamento fundiário em milhões de hectares por ano antes de 2008, reito Agrário da Universidade Federal de todo o País, o que está no plano da utopia”, conforme informações do Banco Mundial *Setor de Comunicação da Secretaria Goiás (UFG), Cláudio Maia; a doutoranda contextualiza. apresentadas no encontro pela pesquisadora Nacional da CPT
PASTORAL DA TERRA 5 julho a setembro 2018 PROTESTO Sete lutadores e lutadoras com fome de justiça Por 26 dias, militantes de movimentos sociais estiveram em Greve de Fome por Justiça no STF. No mundo, “a greve de fome sem- pre foi arma de pessoas de extrema grandeza humana”, manifestou, em artigo, Roberto Malvezzi. ELVIS MARQUES* a greve contra a Reforma da Previdência, Foto: Adilvane Spezia - MPA em 2017, da qual participou Frei Sérgio – Dia 31 de julho de 2018, 16 horas, a reforma teve votação suspensa e ainda em frente ao Supremo Tribunal de Justi- não foi retomada. ça (STF). Nesta data, horário e local, Frei Assim como a integrante da Via Sérgio Görgen e Rafaela Alves, ambos do Campesina, 30 outras pessoas formaram Movimento de Pequenos Agricultores uma equipe permanente que se dividia (MPA); Luiz Gonzaga, conhecido como entre o cuidado com os/as grevistas, a Gegê, da Central dos Movimentos Popu- infraestrutura do espaço, e a logística lares (CMP); e Jaime Amorim, Zonália de deslocamento para atos que ocorre- Santos e Vilmar Pacífico, do Movimen- ram nesse período, como vigílias e ce- to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra lebrações ecumênicas, e reuniões com (MST) iniciavam a Greve de Fome por ministros do STF. “Tivemos uma equipe Justiça no STF, que duraria 26 dias. Al- de profissionais que deu suporte durante guns dias depois, Leonardo Soares, do todos esses dias, médicos e médicas da Levante Popular da Juventude, também se rede de médicos populares, psicólogos, somou aos colegas. massagistas, e muitos outros”, relembra “Coloquei-me para fazer a gre- Joselita. ve de fome, pois ainda tenho essa opção, para que tantos outros não venham a pas- Solidariedade sar fome, não venham a chegar a morrer de fome, pois nosso país está tomando Ao longo desses quase 30 dias em Marluce Melo, da CPT Regional Nordes- frente vislumbrando o Congresso do Povo um rumo muito complicado”, explicou, greve de fome, foram inúmeras as visitas te 2, dizia assim: “Tem tempo para tudo: e a consolidação da Frente Brasil Popular naquele momento, Zonália. Após o ato em solidariedade aos militantes, como tempo para lutar, tempo para festejar e como um instrumento de desenvolvimen- de início da greve, os/as militantes segui- a do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez se alegrar, tempo para protestar e jejuar. to político e social para toda nossa gente, ram rumo ao Centro Cultural de Brasília Esquivel, o teólogo Leonardo Boff, o vice- Hoje é tempo de protestar e jejuar, para abrigando a nova militância que surgiu (CCB), onde ficaram alojados/as por to- -presidente do Conselho Nacional dos que o deserto estéril do Estado brasileiro da resistência ao golpe e vem crescendo dos esses dias. Direitos Humanos, Darci Frigo; e de polí- e sua atual política se torne um vale húmi- cada vez mais, uma militância sem vícios, do, agradável e fecundo”. que está disposta a ajudar a construir uma Por que a Greve de Fome? nova história possível e necessária”, expli- Encerramento cou Amorim. • Para denunciar a volta da fome, o sofrimento e o abandono dos mais pobres, sobretudo das periferias, os negros, indígenas, sem-terra, assentados, quilom- No dia 25 de agosto, uma manhã Mundo bolas, desempregados; de sábado, Frei Sérgio, Rafaela, Gegê, Jai- • Para denunciar o aumento da violência que ataca, sobretudo, mulheres, jo- me, Zonália, Vilmar, e Leonardo Soares “A greve de fome sempre foi arma vens, negros e LGBTs; encerravam, durante um ato que reuniu de pessoas de extrema grandeza humana. • Para denunciar a situação dos doentes, da saúde pública, das pessoas com de- dezenas de pessoas, a Greve de Fome por Recorreram a ela Gandhi pela libertação ficiência, a volta das epidemias e da mortalidade de crianças; Justiça no STF. “Ao longo dos 26 dias, foi da Índia, Luther King pelo fim do apar- • E para apelar ao STF pelo fim das condenações sem crime, das prisões ilegais feito um grande debate com a sociedade theid nos Estados Unidos, Mandela pelo sem amparo na Constituição e pela libertação imediata do presidente Lula; brasileira, denunciando a volta da fome, e fim do apartheid na África do Sul, índios • Para defender a volta da plenitude da democracia e a vigência integral dos mostrando para o mundo as consequên- Mapuche dentro da prisão pela liberdade direitos fundamentais presentes na Constituição Federal, hoje negada e piso- cias do golpe, o aumento da violência, o de seus prisioneiros e pela defesa de suas teada; abandono dos mais pobres por parte do terras, assim por diante”, explicou, em ar- estado e o papel que o poder judiciário tigo, Roberto Malvezzi, o Gogó. exerceu para que isso acontecesse”, mani- No Reino Unido, há exatamente “A greve de fome é uma ferramen- ticos e políticas como Vanessa Grazziotin festou, em nome dos/as grevistas, Jaime um século, as mulheres, após muita luta, ta de luta que usamos quando todos os (PCdoB), Eduardo Suplicy (PT), Roberto Amorim. conseguiram o direito ao voto. E uma recursos já se esgotaram”, definiu assim Requião (MDB), Fernando Haddad (PT), No discurso de encerramento da das ferramentas de protesto foi o jejum, a secretária da Via Campesina no Bra- Manuela D’Avila (PCdoB), e diversos ou- ação, os/as grevistas disseram ainda acre- assim como nos Estados Unidos. Já mais sil, Joselita Tavares, que não pôde fazer tros. ditar que cumpriram “um papel impor- recentemente, no mês de abril do ano o jejum, mas esteve todos os dias ao lado Já no dia 22 de agosto, os/as inte- tante, ajudamos a mobilizar e organizar passado, cerca de 1.300 palestinos presos dos/as grevistas, prestando assistência e grantes da Secretaria Nacional da CPT, o povo, colocamos em pauta novas pers- em Israel realizaram greve de fome con- apoio. Mulher que possui um longo his- Antônio Canuto, Cristiane Passos, Paula pectivas para este país, evocamos a ideia tra abusos da administração penitenciá- tórico de luta junto a grevistas de fome. Pereira e Elvis Marques, levaram o abraço de um Brasil-Nação para todos os brasi- ria israelense. Ela acompanhou as duas greves de Dom solidário e várias mensagens dos/as agen- leiros. Nós saímos da greve para um outro Luiz Cappio, em 2005 e 2007, ambas con- tes da CPT para as sete pessoas em gre- patamar da luta, seguiremos lutando pela *Setor de Comunicação da Secretaria tra a transposição do Rio São Francisco, e ve de fome. Uma das cartas levadas, a de liberdade de Lula, mas olhamos para a Nacional da CPT.
PASTORAL DA TERRA 6 julho a setembro 2018 MISSÃO PASTORAL III Encontro Nacional da Articulação das Pastorais do Campo divulga documentos a respeito do contexto político Foram redigidas Carta denunciando os retrocessos vividos por movimentos sociais e Moção de apoio a manifestantes em greve de fome no STF pela liberdade de Lula. Foto: Mário Manzi - CPT Nacional MÁRIO MANZI* Pastorais do Campo” e grandes regiões. Foram apreciados pontos “Moção de Apoio e So- favoráveis e desfavoráveis a fim de iniciar Realizado entre os dias 03 e 05 de lidariedade as Compa- a preparação para o próximo Encontro. agosto em Luziânia (GO), o III Encon- nheiras e Companhei- tro Nacional da Articulação das Pastorais ros em Greve de Fome Abaixo, confira alguns pontos da do Campo reuniu por volta de 50 agentes por Justiça no STF”. Carta do III Encontro Nacional da Arti- pastorais de todo o Brasil, com o intuito de A carta em culação das Pastorais do Campo: abordar temas, como os atuais contextos questão tratou do con- • Reafirmamos nosso compromisso político, eclesial e socioambiental do país. texto político atual evangelizador, levando a Boa Nova da Os participantes provenientes de enfrentado por povos libertação junto aos povos indígenas, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Cári- tradicionais, Pastorais comunidades tradicionais, pescadoras tas Brasileira, Conselho Pastoral dos Pes- do Campo e demais e pescadores e camponesas e campone- cadores (CPP), Serviço Pastoral do Mi- movimentos sociais. O ses, em defesa dos seus territórios, dos grante (SPM), Pastoral da Juventude Rural documento, além de seus modos de vida e de suas culturas, (PJR) e Conselho Indigenista Missionário denunciar a continuidade do golpe, per- Os sete manifestantes protocola- que garantem a diversidade alimentar (Cimi) empreender o Encontro no Centro sonificada nos retrocessos que pautam o ram manifesto em favor da liberdade do e subsistência da humanidade. de Formação Vicente Cañas. Uma das fi- Goveno Temer, e o contexto de manipu- ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no • A nossa união é o principal instrumen- nalidades se constituiu em empreender lações midiática e jurídica em vigência, dia 31 de julho deste ano, e permaneceram to de ação contra a força do capital, es- um levantamento das estratégias empre- também convocou povos atingidos por em greve de fome por um total de 26 dias. pecialmente em um momento em que endidas pelas pastorais do campo e, sobre esse cenário a utilizarem da união como A moção teve como objetivo expressar a a idolatria do mercado está espoliando isso, formular um posicionamento políti- ferramenta de enfrentamento. sensibilidade das Pastorais à iniciativa do os bens coletivos da criação, confiados co específico acerca do processo eleitoral Para Cléber César Buzatto, secre- grupo e ressaltar a coragem dos manifes- aos povos da terra, das águas, e das flo- que se avizinha. tário executivo do Cimi, a carta se cons- tantes em confrontar a “onda de políticas restas. Este contexto coloca em risco a O primeiro dia dedicou-se à análi- tituiu como “posicionamento das orga- antidemocráticas e de extermínio do go- casa comum, os direitos ancestrais dos se de conjuntura, que foi conduzida pelo nizações das Pastorais do Campo, acerca verno Golpista de Michel Temer”. povos; o clima de nosso planeta e a so- economista Guilherme Delgado e pela da atual situação política, reafirmando a Em seguida às discussões sobre a berania alimentar e nacional. coordenadora nacional da CPT, Isolete causa [das Pastorais], em defesa de uma moção e a carta, a plenária iniciou a leitura • Rejeitamos as iniciativas em curso, Wichinieski. sociedade justa, pluricultural, pluriétnica, das estratégias resultado dos apontamen- materializadas em políticas que tem Para o segundo dia, os Foto: Mário Manzi - CPT Nacional tos feitos durante o Encontro como objetivo entregar os territórios e participantes foram dividi- pelos grupos de trabalho. as águas aos grupos que representam dos em cinco grupos. Os ei- As linhas apontadas o capital privado, sejam fazendeiros, xos a que se dedicaram estes buscaram abordar o plane- madeireiros, mineradoras, petroleiros grupos foram: Enraizamento; jamento conjunto – entre as e aqueles travestidos de mecanismos Formação; Articulação Ex- Pastorais do Campo – para ambientalmente sustentáveis. terna; Comunicação e Mobi- o período dos próximos três • Nestes tempos tão conturbados e du- lização. Destes eixos, foram anos. Um dos pontos que ros contra os povos, precisamos ouvir selecionados os pontos que permeou as linhas de ação os sinais do Espírito, renovando nos- tratavam das Eleições 2018 a curto prazo foi o processo so compromisso evangélico, e depurar e agrupados em um eixo es- eleitoral de 2018, desta for- as estruturas de fé de nossas igrejas. pecífico. As discussões foram ma, os grupos de trabalho Convertemo-nos, nós mesmos, aos realizadas por meio de rodas estabeleceram estratégias a ideais mais puros do Reino. de conversas e foram levanta- curto prazo a fim de reforçar • Reafirmamos nossa posição antica- dos pontos como avanços, fragilidades e fazendo frente às agressões que a socieda- a participação dos movimentos sociais pitalista e antifascista contra a frente estratégias já realizadas pelas pastorais. de vem sofrendo”. nas eleições que se avizinham. neoliberal, a favor da consolidação da O encerramento do III Encontro O segundo documento, a moção, A conclusão do Encontro ocorreu perspectiva do Bem Viver e da cons- Nacional da Articulação das Pastorais do redigida coletivamente, evidenciou a após realização de mística relembrando trução do Reino até a plena libertação Campo foi aberto com a discussão plená- pertinência da ação de Zonália Santos, mártires e personalidades que marcaram dos povos. ria acerca de dois documentos produzidos Rafaela Alves, Jaime Amorim, Luiz Gon- ou inspiraram as Pastorais do Campo. O durante os três dias de atividades, são eles zaga, Vilmar Pacífico, Frei Sérgio Görgen momento também foi destinado à avalia- *Setor de Comunicação da Secretaria “Carta do Terceiro Encontro Nacional das e Leonardo Soares. ção das atividades, segundo divisão em Nacional da CPT.
PASTORAL DA TERRA 7 julho a setembro 2018 CRIMINALIZAÇÃO Em liberdade, padre Amaro vai a audiência de instrução e julgamento Arroladas pela acusação, ao menos quatro pessoas foram ouvidas em primeira audiência e inocentaram Amaro. MÁRIO MANZI* ticipou de audiência de Instrução e Jul- à Polícia Civil, não foi juntado aos autos sejam feitas “razões finais” e em segui- gamento no dia 12 de setembro. O juiz do processo. da segue concluso para o juiz proferir Preso desde o dia 03 de março Esdras Murta Bispo, que conduziu a Na avaliação de Marco Apolo a sentença (primeiro grau). deste ano, padre José Amaro Lopes foi sessão, avaliou pela divisão da audiên- Santana Leão, que compõe a equipe ju- posto em liberdade após concessão de cia em dois momentos: o dia corrente, rídica de defesa de Amaro, “[as supostas habeas corpus, em 28 de junho, por par- dedicado à oitiva de supostas vítimas e vítimas] têm interesses pessoais em cri- Solidariedade te do ministro Rogério Schietti Cruz, do inquirição das testemunhas de acusa- minalizar o Padre Amaro, assim como A prisão de padre Amaro provocou Superior Tribunal de Justiça (STJ). Indi- ção, e o dia 07 de novembro de 2018, de- tentaram fazer com Dorothy”. uma série de manifestações no Brasil e no ciado por um total de sete crimes, a par- dicado a ouvir as testemunhas de defesa A equipe jurídica que defende exterior. Conforme classificou Nota Pú- tir de denúncias feitas por fazendeiros da bem como tomar declarações de padre padre Amaro aponta para diversas fra- blica divulgada pela CPT Regional Pará, região de Anapu (PA), Amaro, que era Amaro. gilidades reportadas no processo. São “esta prisão representa mais umas das considerado braço direito de irmã Do- Os primeiros a serem ouvidos consideradas inconsistentes as provas de inúmeras violências que o Padre Amaro, rothy Stang, havia sido levado à mesma nesta primeira audiência, em maioria fa- acusação, como por exemplo, a de esbu- trabalhadores e as irmãs de Notre Dame, penitenciária onde Regivaldo Pereira zendeiros que alegam terem sido vítimas lho possessório. Em um dos depoimen- sofrem naquele município há décadas”. Galvão, o “Taradão”, cumpria pena pela de extorsão e esbulho possessório por tos não há a indicação da propriedade Também endossaram o posicio- morte da missionária. parte de Amaro, foram sucedidos pelas alvo de esbulho. Há também inconsistên- namento a favor da liberdade dom João O contexto da prisão e a validade testemunhas de acusação. cia de provas e contradições quando aca- Muniz Alves, bispo do Xingu, e dom das acusações foram contestadas pela so- Das 17 pessoas arroladas pelo Mi- reados os testemunhos que já constam Erwin Kräutler, bispo emérito do Xin- ciedade civil e movimentos sociais que, nistério Público e assistentes de acusa- no processo. gu; Conselho Nacional de Igrejas Cris- Foto: Mário Manzi - CPT Nacional tãs (CONIC); Irmãs de Notre Dame de Isolamento Namur, Breves – Prelazia do Marajó; Ccfd-terre solidaire / Secours Catholique O Fórum da Comarca de Anapu, – Caritas France; Comitê de Desenvolvi- localizado na rua Duque de Caxias, foi mento Sustentável de Porto de Moz; Dom isolado pelo policiamento, o que impe- Vital Corbellini – Bispo de Marabá – PA; diu a entrada de apoiadores de Amaro. Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM- Estes, entretanto, realizaram vigília em -Brasil); Movimento Xingu Vivo Para frente ao isolamento, carregando faixas e Sempre, Movimento dos Atingidos por realizando orações. O bispo da Prelazia Barragens (MAB), Frente Brasil Popular, do Xingu, dom João Muniz Alves, padres Movimento Negro, Coletivo de Mulhe- e irmãs, foram ao local prestar solidarie- res do Xingu, Movimento de Mulheres dade a padre Amaro. Campo e Cidade, Pastoral da Juventu- No dia 07 de novembro, em Ana- de, Comissão Justiça e Paz, Coletivo de pu, serão ouvidas as testemunhas de de- Mulheres Negras Maria Maria, Casa de fesa e padre Amaro. Até lá serão realiza- Educação Popular, Levante Popular da das audiência de precatórias nas cidades Juventude, Conselho Indigenista Mis- de Altamira, Belém e Marabá. Podendo sionário (CIMI), Pastoral da Criança, haver também diligências determinadas Fórum em Defesa de Altamira, Federa- juntos à CPT, iniciaram a campanha “Pa- ção, 16 estiveram presentes. Destas, nem pelo juiz. ção dos Trabalhadores na Agricultura dre Amaro Livre!”. O ministro do STJ, todas fizeram constar, nas declarações do Estado do Pará (Fetagri), Sindicato quando da concessão do benefício de perante o juiz, acusações contra o padre, Decisão dos trabalhadores de Educação Públi- habeas corpus a Amaro, chegou a ques- tendo havido, inclusive, ao menos quatro ca do Pará (Sintepp Regional), Mutirão tionar a palpabilidade de uma das de- testemunhas (camponeses da região) que Pela Cidadania, Associação de Mulheres núncias constantes do processo, em que contradisseram as acusações imputadas a Apesar de já ter sido realizada Altamira Região, Fundação Viver, Pro- passaram a listar as acusações de esbu- Amaro. esta primeira audiência, ainda não há duzir e Preservar (FVPP), Sindicato dos lho possessório, extorsão, associação cri- Em um dos depoimentos, uma possibilidade de decisão. Este primei- Trabalhadores Públicos Federais do Pará minosa e lavagem de dinheiro. Esbulho das testemunhas, quando perguntada ro momento foi dedicado a ouvir parte (Sintsep), Associação de Mulheres Tra- possessório é quando a posse de um bem acerca das supostas práticas delituosas das testemunhas. Após as audiências – balhadores de Brasil Novo (Amtaban); (propriedade) é retirada por outra pessoa do padre, chegou a dizer “Sinceramen- e encerrada a fase de instrução – o juiz Diocese de Santarém; Comissão Justiça e por meio da força, sem que haja qualquer te, não sei o que estou fazendo aqui”. A abre um prazo para Ministério Públi- Paz de Santarém. legitimidade no ato de invasão que cons- inquirição da última testemunha, a ser co e assistentes de acusação oferece- titui o crime. ouvida no dia, foi suspensa, vez que o de- rem as alegações finais. Em seguida, *Setor de Comunicação da Secretaria Em liberdade, padre Amaro par- poimento prestado durante o inquérito, o processo retorna à defesa para que Nacional da CPT.
PASTORAL DA TERRA 8 julho a setembro 2018 QUEBRADEIRAS D DO COCO BABAÇU o poder das quebrad Foto: Thomas Bauer - CPT/Bahia CRISTIANE PASSOS* O estado do Ma- como quebrar coco, “porque não sabemos ranhão, o que possui o do amanhã e da precisão que vamos ter, Da palmeira do babaçu tudo se menor Índice de De- então ela me ensinou pois achou que eu aproveita, frutos, folhas, estipe, raízes e senvolvimento Huma- tinha que saber”. E ela não apenas seguiu flores. Essa árvore, que pode atingir 30 no (IDH) dentre os que como hoje é uma liderança das mulheres metros de altura, pode ser encontrada se destacam pela pre- locais. no Brasil, mas também em outros pa- sença da palmeira em Quando a Associação começou, íses da América do Sul, como Surina- sua vegetação e um dos mais ou menos em 2013, eram 15 que- me, Guiana e Bolívia. Em nosso país menores do Brasil, 0,68, bradeiras associadas, hoje são apenas chega a ocupar uma área de aproxima- concentra boa parte das sete. Mas toda a comunidade quebra damente 25 milhões de hectares e se quebradeiras de coco coco, mesmo que o faça em casa. A di- espalha, principalmente, pelos estados babaçu. Extremamente minuição das associadas apenas mostra do Maranhão, Piauí, Pará e Mato Gros- empobrecido por anos o receio de algumas mulheres em ter seu so. Além de ser encontrada, também, seguidos de exploração nome vinculado a iniciativas de organi- em menor quantidade, em Alagoas, e má administração zação popular, que acabam despertando Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Ge- Com o passar do tempo, essas mu- pública, o estado amarga outros índices o ódio dos latifundiários contrários ao rais, Pernambuco, Rondônia, Tocan- lheres passaram a reforçar sua identidade devastadores para sua população. O mu- livre acesso das quebradeiras aos baba- tins e Goiás. Seu nome vem do tupi- coletiva, enquanto se reuniam para quebrar nicípio de Dom Pedro, de apenas 65 anos, çuais. “Algumas de vocês ainda vão acor- -guarani, ibá-guaçu, e significa “fruto o coco, muitas vezes nos quintais das casas localizado no Centro Maranhense, não dar com a boca cheia de formigas”, elas grande”, mas para as quebradeiras de de algumas delas. O momento era compar- foge à regra. A região enfrenta a mesma ouviram algumas vezes. Não se deixaram coco babaçu, a palmeira é conhecida tilhado também pelas angústias que cada dificuldade que o resto do estado, assim esmorecer. Pelo contrário, se organiza- como mãe. A palmeira faz parte da uma trazia, as violências do cotidiano do como as quebradeiras mantêm a mesma ram, passaram a andar em grupo e não vida delas, das suas famílias e geriu lar, as dificuldades no sustento da família luta e resistência que as demais espalha- deixaram de entrar nos babaçuais. As sua identidade. Em depoimento du- e os desejos de uma vida menos dura pela das em outras regiões do Maranhão. A co- não associadas também as seguem. Não rante uma reunião, as quebradeiras de frente. Nos anos 1980 explodiram os con- munidade do Centro dos Pretinhos ilustra querem seus nomes como prova de resis- coco confidenciaram que “quem passa flitos de terras, disputas que ameaçavam bem isso. tência, mas seguem resistindo, pois assim a vida inteira no cocal conversa com a os territórios tradicionais, ocupados por Os primeiros latifundiários a ame- fazem as mulheres dessa região. A elas palmeira e ela responde. Do jeito que a anos e anos pelos mesmo grupos, mas que açar a comunidade Centro dos Pretinhos pouca coisa assusta e menos coisas ainda gente está, ela está. Do jeito que a gente não possuíam documentação reconhecida foram os “Tonicos”, depois veio o Curió, as impedem de fazer o que querem. As sofre, ela sofre também”. judicialmente. Grileiros e fazendeiros, de atual vice-prefeito de Dom Pedro. A co- histórias são contadas por elas e protago- O ofício, aprendido de geração forma violenta, ameaçavam e expulsavam munidade tem cerca de 200 anos. Vive nizadas por elas e suas ancestrais. Vemos a geração, sustenta há séculos famílias essas comunidades, cercavam a mata, afas- hoje imprensada entre a cerca e a estrada. poucos homens na comunidade, e a eles, esquecidas num Brasil interiorano, de tavam as famílias do babaçual, renegavam Francisca Sheila, de 23 anos, é a atual pre- elas pouco se referem. riquezas naturais, abundância de recur- a elas pequenos pedaços de terra, onde sidente da Associação de Quebradeiras de A comunidade possui cerca de 50 sos e, também, de especulação territo- não era possível fazer roça e nem acessar Coco da Comunidade. Ela é filha e neta famílias. Enclausurados entre cercas e es- rial e conflitos rurais. A essas mulheres, o babaçu. Nesse mesmo período, as que- de quebradeiras. Apesar de dizer que a tradas, não possuem espaço para fazerem munidas de seus cofos (cestos feitos de bradeiras ingressaram no movimento sin- mãe não desejava que ela seguisse essa roça. Após a retomada do que chamam palha de babaçu para carregar os cocos) dical e puderam ter contato com mulheres atividade, foi ela mesma quem a ensinou de Centrão, iniciaram lá a roça, onde e machados, coube enfrentar jagunços, que exerciam o mesmo plantam arroz, feijão, milho, abóbora, Foto: Thomas Bauer - CPT/Bahia cercas, o machismo, e mesmo a pobreza ofício em outros estados, fava, melancia, entre outras coisas. Criam e a negação do Estado em reconhecer e muitas delas enfrenta- também galinha e assim vão garantindo o seus direitos, ancestralmente adquiri- vam os mesmos conflitos. sustento da comunidade, tendo o coco de dos. Ao assumirem o ofício do babaçu, Perceberam, então, que babaçu como de fundamental importân- passaram a se denominar como quebra- não estavam sozinhas. cia na economia familiar. deiras de coco babaçu. No início não foi Outras compartilhavam fácil, foram muito discriminadas. Al- dos mesmos afazeres e, O “Centrão” de tudo gumas tinham vergonha de dizer o que também, dos mesmos faziam, outras, os filhos e filhas também problemas. Para, então, a Uma das piores formas de se tentar não diziam o que as mães e avós faziam. partir dessa união se for- matar um povo é lhe negar o direito à sua Mas com o tempo, passaram não só a talecerem, foi criado no memória, e isso pode ser feito de diver- ter orgulho de sua atividade, mas a de- início dos anos 1990, o sas formas. “Nós nunca tivemos aqui um fender a importância do que fazem para Movimento Interestadual cemitério... nossos mortos foram sendo a economia local e para a sobrevivência de Quebradeiras de Coco enterrados na cidade ou em pedaços por das comunidades. Babaçu (MIQCB). aqui, onde fosse possível... Nas terras que
PASTORAL DA TERRA 9 julho a setembro 2018 DE COCO BABAÇU U À EMANCIPAÇÃO: deiras do Maranhão sabemos que foram nossas e não sabemos Foto: Thomas Bauer - CPT/Bahia deiras de coco, elas são milhares, pois são o acesso livre ao babaçual, precisavam como explicar como perdemos, o Centrão, parte dessa teia dos povos e a luta é feita arrendar dos fazendeiros a área onde nós sabemos que tem algumas pessoas en- por todos e todas, e para todos e todas. ficavam as palmeiras. Pagavam valores terradas lá, mas não sabemos quem são e “Foi a melhor coisa que aconteceu aqui!”, absurdos para a realidade que viviam. os lugares mesmo”, contou dona Maria Cel- disse Sheila. Para o Encontrão foi cons- As mulheres lembram com muita triste- sa. A comunidade não sabe ao certo quan- truído um grande barracão para abrigar za desse período. Era um tempo de mui- do e como perdeu essa área, de quem são as atividades. O espaço vai poder satisfa- ta humilhação, como dizem. “Não vou os corpos que lá foram plantados e em que zer outros anseios da comunidade, como a entrar na sua casa para pegar um quilo anos, assim como não sabem explicar as possibilidade de criação de um local para de sal que seja, ou qualquer outra coisa outras áreas próximas que lhes foram tira- abrigar a memória das quebradeiras de para roubar. Mas o coco eu tenho que das em anos seguintes, sem explicação. Aos coco, que querem deixar sua história e seu apanhar para criar meus três filhos. Não antigos podem lhes faltar memória por um gente só catava o coco, não fazia mais nada legado para a comunidade, independente estou roubando nada!”, falou uma delas. importante condicionamento, o medo. As nas terras”, lembra dona Maria Celsa. Dos se a atividade da quebra do coco deixe de Como disse Francisca Sheila, “já conse- ameaças constantes que essas comunidades 50 anos de vida, 43 foram catando coco e existir ou não. guimos fazer o mais importante, que foi sofreram e sofrem, seguidamente, vão mi- faz questão de reforçar “sou quebradeira As 60 famílias da Comunidade derrubar a cerca na nossa mente e nos nando forçadamente suas memórias. de coco e tenho muito orgulho de dizer Cajá, na Vila São Pedro, também enfren- nossos corações. Conseguimos tirar essa O Centrão dista cerca de 10 quilô- isso!”. Hoje não pagam o arrendamento e a taram e enfrentam as mesmas dificulda- ideia de que nós estávamos erradas e fa- metros da comunidade, caminho que as amêndoa chegou a ser vendida a três reais des das demais. Apesar disso, repetem que zendo algo errado. Esse foi o passo mais mulheres percorrem a pé para catar coco o quilo. Agora está mais ou menos R$ 2,50, hoje a vida é melhor. Antigamente, sem importante que demos”. babaçu. A área também foi espremida entre o preço varia de região para região. Mas cercas e estrada, mas possui muito babaçu. não reclamam, dizem que a vida está boa. Por conta da distância, elas costumam ca- Um sonho de dona Maria Celsa é ver a lei O que diz a legislação tar e quebrar o coco lá mesmo, passam o do babaçual livre aprovada. “Ah, o meu so- dia, cozinham, muitas vezes com as crian- nho é esse, ver essa lei aprovada. Ver que a sobre o acesso ao babaçu? ças junto, e retornam com as castanhas e o nossa luta deu resultado e que a lei vai estar A partir da luta das quebradeiras de do legislativo, do executivo, quanto do carvão. Um dos latifundiários próximo da valendo”. coco, o poder Executivo se mobilizou para judiciário, foi o empoderamento dessas área chegou a colocar novamente uma cer- Os fazendeiros estão desmatando a tentar fazer com que o legislativo agisse e comunidades. Nós fizemos muito traba- ca, mesmo após a retomada do território, região e plantando capim para fazer pasto. atendesse às necessidades dessas mulheres e lho de formação, de conscientização e feita há um ano, para impedir o acesso ao As quebradeiras veem com preocupação das comunidades das quais elas fazem parte. isso, consequentemente, ajudou as pes- Centrão. As próprias mulheres tiraram a esse novo cenário. “Derrubaram as árvores Em 2003, foi criado um projeto de lei que, re- soas a entenderem, compreenderem e se sumidamente, estendia a Lei do Babaçu Livre apropriarem do discurso sobre os direi- cerca. Ele não voltou a coloca-la. que tinham aqui, as frutas que tinham aqui, para toda a área dos babaçuais e ainda previa tos que elas possuem, sobre o lugar que As mulheres chegam a quebrar uma agora plantam esse capim e ele fica muito a proibição da derrubada da palmeira nos elas ocupam na sociedade. Nunca essas média de seis a oito quilos de coco babaçu alto. Quando a gente vai entrar na mata ele estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, comunidades haviam ocupado a Câmara por dia, cada uma. Elas contam que antes atrapalha, esconde as cobras e o ‘pelinho’ Mato Grosso e Goiás. O projeto, número 747- Municipal, nunca elas haviam estado nes- da criação da Associação, quando ain- dele quando pega nas pernas coça mui- A, era de autoria da deputada federal Terezi- se espaço, que é delas, é do povo. E isso da tinham receio de acessar os babaçuais to. Às vezes o ‘pelinho’ voa e entra dentro nha Fernandes (PT-MA) e acabou sendo ar- incomodou... incomodou muito os po- quivado em janeiro de 2007. No mesmo ano deres locais”, relatou Márcia Palhano, da dentro das cercas, chegaram a arrendar as das nossas casas e é uma coceira só”. Além o deputado federal Domingos Dutra apresen- CPT. Por causa desse trabalho, tanto ela terras para poderem catar os cocos de ba- disso, como contou Francisca Sheila, a co- tou o projeto de lei 231-B, com o mesmo teor quanto outras pessoas que acompanha- baçu. Pagavam em média mil e quinhentos munidade se sente aprisionada com tantas do de Terezinha. Ele acabou tendo o mesmo vam as quebradeiras de coco, passaram reais pelo arrendamento, o que era assu- cercas em volta de seu território. destino e foi arquivado em 2015. a sofrer ameaças de morte constantes na mido por no máximo três mulheres por As ameaças são constantes. Quan- Na contramão da esfera federal, nos região. Márcia chegou a sofrer uma agres- vez. E mesmo assim, o acesso aos pés de do não contra a vida, contra o território estados a legislação avançou um pouco mais. são física ao acompanhar o grupo de que- Lago do Junco foi o primeiro município do bradeiras em uma audiência pública para babaçu era limitado. Um modelo explora- das quebradeiras. Os fazendeiros insistem Maranhão que contou com uma lei do ba- discutir a Lei do Babaçu Livre. tório totalmente incompatível com a rea- em expandir a cerca, a cada renovação baçu livre, aprovada em 1997. No total, 13 Sob a proteção da grande mãe pal- lidade dessas comunidades. Elas pagavam dela, alguns metros são perdidos nos terri- cidades de três estados (oito no Maranhão, meira, o babaçu, as mulheres conseguiram por medo um valor que muitas vezes mal tórios da comunidade. Ao mesmo tempo, quatro no Tocantins e um no Pará) também encontrar sua perspectiva, a força da união conseguiam juntar, em um período que a tudo o que a comunidade constroi em seu editaram leis municipais com base no livre deu a elas as ferramentas de luta de que pre- amêndoa do coco babaçu no mercado era benefício, vira alvo do interesse deles. Em acesso aos babaçuais. A lei garante às que- cisavam. Há um longo e duro caminho a vendida a vinte centavos o quilo. Elas lem- dezembro de 2016 foi realizado no Centro bradeiras de coco e às suas famílias o direi- ser percorrido, mas a certeza que elas têm to de livre acesso e de uso comunitário dos é que vão continuar caminhando, juntas, e bram com tristeza desse período. dos Pretinhos, o Encontrão da Teia dos babaçus, mesmo se esses estiverem dentro quebrando coco. “Era muita humilhação. A gente era Povos Tradicionais. Para essas mulheres de propriedades privadas, além da restrição muito humilhada. Tinha que pagar para foi um marco em suas trajetórias. Elas pu- quanto à derrubada da palmeira. pegar o coco e mesmo assim tratavam a deram ouvir que elas não estão sozinhas “O que mais incomodou os po- *Setor de Comunicação da Secretaria deres do governo estadual, tanto na esfera Nacional da CPT. gente como se a gente fosse roubar algo, e a na luta. Elas não são apenas sete quebra-
También puede leer