A República Saharaui, uma história de luta anticolonialista

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A República Saharaui, uma história de luta anticolonialista
(Emiliano Gómez López)

Localizaçao e dados gerais
        A República Árabe Saharaui Democrática (RASD) - antigo Sahara Espanhol - também
conhecido como Sahara Ocidental, está localizada na costa atlântica do noroeste africano na
frente das ilhas Canárias. Sua superficie é de 286.000 km². O território da RASD limita ao norte
com Marrocos. No extremo nordeste está a fronteira com Argélia. No leste e pelo sul compartilha
fronteira com Mauritânia. Sua capital é El Aaiún (hoje sob ocupação marroquina).

O território saharaui está dividido em duas grandes regioes: Saguia El Hamra no norte, e Rio de
Oro no centro e sul. O relevo do Sahara Ocidental é predominantemente plano e vai se elevando
gradativamente da costa para o interior, até atingir alturas de 500 metros. No nordeste se extende
a Hamada, um planalto muito árido, onde a temperatura no verao pode atingir os 60 graus
centígrados.

A população do Sahara Ocidental é de aproximadamente 500.000 habitantes de origem árabe,
bereber e negro. Sua cultura é árabe, e suas línguas oficiais são o hassania (variante dialetal do
árabe) e o espanhol. De fato, a República Saharaui é o único país árabe que tem o espanhol
como segunda língua oficial.

Seu território possui as maiores jazidas de fosfatos do mundo. Possui petróleo, gás, ferro, urânio,
etc, e ao longo dos seus 1.062 km de costas, localiza-se uma das áreas de pesca mais ricas do
planeta.

Capítulo 1 - Contexto histórico da colonizaçao do Sahara Espanhol até
1945
1.1 - Causas da ocupaçao e colonizaçao do Sahara
O processo de colonizaçao espanhola no Sahara Ocidental começou em 1882 e teve duas razoes
principais:
1) - A primeira foi a pescaria e processamento industrial de espécies semelhantes ao bacalhau,
que naquele tempo era um dos principais alimentos para milhoes de trabalhadores espanhois.
2)- La segunda tem a ver com a estrategia e a política espanhola para o Magreb árabe (1) e as
ilhas Canárias. Em 1830, a França começou a conquista da Argélia e antes do fim do século XIX,
seu dominio tinha-se extendido práticamente por todo o Magreb: Argelia, Tunísia e uma grande
parte do Marrocos e Mauritânia.

Os setores colonialistas da Espanha viam com alarme como a expansao francesa pelo noroeste
africano, ia se projetando ameaçante sobre a faixa costeira do deserto. O impulso colonial francês
punha em perigo o controle espanhol sobre essa porçao do território sahariano e as áreas de
pesca do seu litoral. Era necessário portanto impor um freio à expansao francesa embora fosse
pela própria segurança das ilhas Canárias.

O Real Decreto do 24 de dezembro de 1884 colocou sob a proteçao da Espanha o tramo de costa
comprendido entre os cabos Bojador ao norte e Blanco ao sul, além do “hinterland”
correspondente. Simultaneamente o Presidente do Conselho de Ministros enviou uma circular às
potências extrangeiras comunicando a decissao do seu governo. A dominaçao espanhola no
Sahara ficou legalizada segundo o estabelecido pela Conferência Internacional de Berlím 1884-
1885, que consagrou o repartiçao colonial da África.
1.2 - O processo de ocupaçao e a resistência anticolonial
Desde épocas anteriores ao começo da ocupaçao espanhola, a estrutura política existente no
Sahara Ocidental foi bem diferente das estruturas políticas dos seus vizinhos, Marrocos e
Mauritania. O território saharaui constituia uma entidade independente cuja populaçao, agrupada
em tribos nômadas, jamais tinha reconhecido a autoridade do sultao marroquino nem de nenhum
emir mauritano.

As tribos saharauis estavam organizadas numa confederaçao regulada pelo Ait Arbain ou
“Conselho dos Quarenta”. Esta instituiçao estava integrada por representantes de cada tribo
designados pelos homens e mulheres maiores de dezoito anos. O Ait Arbain exercia funçoes
legislativas e mediava nos conflitos surgidos entre as diferentes tribos. Também assumia o poder
político militar quando havia perigo de agressao externa.

Em janeiro de 1885, la Companhia Comercial Hispano-Africana iniciou a construçao de um forte
para proteger a planta processadora de pescado de Villa Cisneros (Río de Oro). Dois meses
depois, grupos armados do Ait Arbain atacaram as obras e saquearam a planta. Logo, no mês de
agosto chegou una companhia de atiradores reforçada com artilharia. A revolta foi esmagada
rapidamente e continuou a construçao do forte.

Entre 1887 e 1894 se registraram incursoes esporádicas contra o enclave militar e comercial de
Villa Cisneros. Algumas tribos nao consentiram em se submeter ao dominio da Espanha e
continuaram resistindo muitos anos. De qualquer modo, o processo de ocupaçao seguiu
avanzando apesar das controvérsias e disputas com a França pela questao dos limites das
respectivas zonas de influência.

Em 1934, o governo da República Espanhola dividiu sua colônia em três zonas administrativas:
Tarfaya, Saguia El Hamra e Rio de Oro. A cidade de El Aaiún, fundada em 1932, passou a ser a
capital do Sahara Espanhol.

1.3 - O militarismo e a guerra do Rif
Em 1998, Espanha perdeu as últimas colônias do seu antigo império -Cuba, Puerto Rico e
Filipinas- após uma guerra desastrosa contra os Estados Unidos. Os setores colonialistas
espanhois procuraram compensar os efeitos negativos da derrota iniciando um processo de
investimentos industriais e financeiros no Marrocos. Eles impulsionaram a ocupaçao pacífica do
norte de Marrocos (o Rif) a partir das praças fortes de Ceuta y Melilha. Porém, no dia 9 de julho de
1909, nacionalistas da zona de Melilha atacaram e destruiram as obras ferroviárias e as
instalaçoes mineiras de uma empresa espanhola. Assím, estourou uma guerra que esperava e
necessitava o militarismo hispano. A campanha de Melilha foi muito curta mas valeu para justificar
o incremento do contingente militar no Marrocos.

Poucos anos depois, a partir das comandâncias de Ceuta e Melilha se impulsionou a penetraçao
“manu militari” do interior montanhoso do Rif, que acabou provocando uma rebeliao generalizada
das cábilas (tribos) bereberes. Em 1921, o caudilho nacionalista Abd El Krim levantou em armas a
populaçao, e invocando o Islam propagou a guerra contra os infiéis por todo o Rif. Nesse mesmo
ano, as forças de Abd El Krim destroçaram o exército espanhol causando-lhe dez mil baixas na
batalha de Annual.

Em janeiro de 1923 foi proclamada a “Naçao Republicana do Rif” e em 1925, a revolta
nacionalista se espalhou pela zona sob controle francês. Perante esta situaçao, ambas as
metrópoles coordenaram esforços para lançar uma ofensiva conjunta. A Espanha preparou uma
grande força expedicionária que foi desembarcada na bahia de Alhucemas, e a França fez entrar
em combate cem batalhoes. Trás uma campanha extraordinariamente dura, se impôs a
superioridade técnica das tropas européias. Em 1926, a resistência cabilenha foi aniquilada e Abd
El Krim foi capturado pelos franceses. O Rif ficou "pacificado".
A guerra reforçou o militarismo espanhol com uma nova geraçao de oficiáis superiores forjada nos
campos de batalha. Estes oficiáis, conhecidos como “africanistas” sentiam um profundo desprezo
pelos políticos e os intelectuais, e se consideravam uma espécie de cruzados da fé católica e
guardioes da grandeza imperial da Espanha.

1.4 - Queda da monarquía, proclamaçao da República e guerra civil na Espanha
A contenda com Marrocos teve como consequência um enorme desprestigio para a monarquia
espanhola. Os efeitos da guerra traduziram-se em recrutamento forçado da juventude e dezenas
de milhares de mortos e feridos. Esta situaçao facilitou a agitaçao social promovida pelo anarco
sindicalismo e o Partido Socialista Obrero Español (PSOE). Ano trás ano foi crescendo o
sentimento antimonárquico da sociedade espanhola até que em abril de 1931, através de eleiçoes
municipáis, a populaçao se manifestou massivamente a favor das candidaturas republicanas e
socialistas. O rei Alfonso XIII abdicou do trono e partiu para o exilio. No dia 14 de abril foi
proclamada a Segunda República.

Durante o período republicano se acelerou a polarizaçao da sociedade em dois campos com
concepçoes político-ideológicas cada vez mais radicalizadas e antagônicas.
Nas eleiçoes nacionais de abril de 1936 rivalizaram dois grandes blocos políticos, a Frente
Popular e a Confederaçao Espanhola de Direitas Autônomas (CEDA). O bloco da esquerda
ganhou a contenda eleitoral. Quase de imediato, as forças mais conservadoras, aglutinadas em
torno de um ideário fascista, começaram a preparar uma sublevaçao militar contra o governo da
esquerda.

O Estado Maior da conspiraçao estava integrado pelos generáis “africanistas”, e foi no Protetorado
marroquino onde começou o movimento sedicioso que rapidamente propagou-se por todas as
guarniçoes da Espanha.
No dia 18 de julho de 1936, uma grande parte dos chefes militares complotados, se levantaram
contra o governo constitucional. O chamado “Alçamento Nacional” desencadeou a guerra civil e
dividiu à Espanha em duas zonas. A zona democrática e republicana se enfrentou durante três
anos à zona “nacionalista”, na qual instaurou-se uma ferrenha ditadura castrense, chefiada pelo
general Francisco Franco, quem tinha galgado posiçoes na hierarquia militar combatendo contra
os rebeldes do Rif como oficial da Legiao Espanhola. Os generais golpistas deram para Franco o
título de “Generalíssimo” e “Caudilho da Espanha”.
A guerra civil acabou com a queda do governo republicano e a vitória das armas franquistas, em
abril de 1939.

1.5 - Projeto franquista para o Sahara
Do mesmo modo que seus aliados e protetores, Hitler e Mussolini, o “Generalíssimo” também
sonhava com um império colonial.
A ocupaçao da França pelas tropas do III Reich em 1940, fez Franco acreditar que tinha chegado
a hora de construir o novo imperio espanhol. O governo capitulador francés nao poderia se opor à
expansao colonial espanhola pelo noroeste africano.
Um Sahara Espanhol ampliado graças aos territórios vizinhos, com grandes bases militares, uma
boa rede rodoviária, prospecçoes e exploraçoes mineiras, etc., poderia ser o primeiro passo para
a construçao desse império.

Acontece que para realizar tais projetos, era preciso ter recursos técnicos, pessoal qualificado e
grandes investimentos. Tudo isso estava além das possibilidades de uma Espanha
subdesenvolvida, endividada e com sua economia destruida pela guerra civil. Sobrevieram entao
quinze anos durante os quais a populaçao saharaui permaneceu marginada de toda posibilidade
de desenvolvimento.
A administraçao colonial fez a tentativa de estabelecer no Sahara familias canárias e
peninsulares e, ao mesmo tempo, forçou a sedentarizaçao de inúmeras familias nómadas ao
redor de media duzia de centros urbanos e alguns postos militares, mas a vida da colonia só
girava em torno dos afazeres militares e administrativos.
(1) Ocidente (em língua árabe). O Magreb abrange os seguintes países: Líbia, Tunisia, Argelia,
Marrocos, Sahara Ocidental e Mauritânia.

Capítulo 2 - Processo emancipador do Magreb
2.1 - Independência de Marrocos
Com a terminaçao da 2ª Guerra Mundial veio a desintegraçao do sistema colonial do imperialismo.
A luta anticolonialista começou bem cedo no Magreb árabe, sobre tudo em Marrocos, cujo
território estava dividido -desde 1912- em dois Protetorados, um francés e o outro, espanhol.

Já em 1944, intelectuais e setores radicalizados das camadas médias marroquinas, fundaram o
Partido da Independência “Istiqlal” (1). De imediáto, os nacionalistas enviaram um manifesto ao
sultao Mohamed V e ao governo colonial francés, exigindo o fim do Protetorado e a concessao da
independência a Marrocos.
Em 1947, Mohamed V pronunció um discurso em Tánger defendendo as teses nacionalistas do
partido Istiqlal. O governo colonial reagiu fomentando uma rebeliao dos senhores feudáis contra o
sultao para depois tirá-lo do trono e deportá-lo, junto com a sua familia para Madagascar.
A arbitrariedade dos franceses transformou o soberano num símbolo da resistência
anticolonialista. En poucos meses, o Partido da Independência radicalizou suas posiçoes, criou o
Exército de Libertaçao Nacional -ALN- (2) e no dia 1º de outubro de 1954 realizou a primeira açao
armada.

As açoes nacionalistas no Marrocos eram só um aspecto do processo emancipador do Magreb.
Durante o período 1952-1956, o nacionalismo magrebí coordenou seus esforços numa frente
comum anticolonial.
Foi assím que em 1952, também o partido independentista tunísio, Neo Destur, começou o
combate. Dois anos depois, em 1954, fundou-se a Frente de Libertaçao Nacional de Argélia
(FLN) e quase de imediato encabeçou a insurreiçao popular contra o dominio francês.

O rumo dos acontecimentos obrigou à França a reformular sua estrategia de dominaçao. Para o
governo de París, a frente nacionalista do Magreb constituia um sério perigo. Era necessário
neutralizá-lo introduzindo a divisao no seu séio, e para isso o governo da França deu a
independência a Marrocos e Tunísia.
Em agosto de 1955, representantes do nacionalismo marroquino e do governo francês se
reuniram en Aix-les-Bains. Pouco depois Mohamed V fue libertado e retornou a Marrocos. No dia
2 de março de 1956, a França otorgou a independência ao seu Protetorado e no 7 de abril, o
general Franco concedeu a independência à zona norte do Protetorado espanhol.

A partir de entao, a França concentrou seus esforços em isolar a revoluçao argelina para
descarregar contra ela todo seu poder repressivo. Na Argélia estavam os maiores interesses
económicos da metrópole.

2.2 - Lutas pelo poder e raízes do expansionismo marroquino
Durante os primeiros anos de vida independente, Marrocos teve um sistema de governo
representativo onde coexistiam forças com ideologias e interesses econômicos diferentes, às
vezes contrapostos.
A tendencia mais progressista, formada por setores operários e intelectuais, pequenos
comerciantes, camponeses e camadas médias, era partidária de reformas econômicas e políticas
radicais. Do outro lado estava a grande burguesia agrária e comercial que, junto com a nobreza
terratenente, constituiam a força conservadora, interessada em manter o neocolonialismo e
preservar as estruturas feudais.
Ambas as tendencias se confrontaram para impor seus interesses e seu peso nas decisoes da
política do Estado, mas aos poucos foi se processando uma maior concentraçao de poder nas
maos da monarquia. A Coroa alauí, personificada por Mohamed V, tinha se servido das forças
independentistas radicais para recuperar seu poder, e logo após ter atingido seu objetivo quebrou
sua aliança com éstas para se apoiar nos grupos mais conservadores e partidários da forma
autocrática de governo.

Entretanto, dentro do Istiqlal também existia uma luta entre a ala revolucionaria, dirigida pelo
“Mahdi” Ahmed Ben Barka e a conciliadora mas ao mesmo tempo ultranacionalista, liderada por
Allal El Fassi. Ambas as facçoes tratabam de se apoderar da direçao do partido e, naturalmente, a
ala conciliadora contou com o apóio da Coroa, dos latifundiarios e dos representantes do
neocolonialismo.

Em junho de 1957, o sultao proclamou seu filho Muley Hassan como príncipe herdeiro. O príncipe
assumiu imediatamente a chefia da policía e do exército. Com a proclamaçao de príncipe Hassan,
o conservadorismo e o ultranacionalismo reforçaram suas posiçoes em prejuízo dos setores
progressistas. Foi assím que a ideologia expansionista de Allal El Fassi, que sustentava o projeto
do "Grande Marrocos", foi adotada pelo sultao e seu herdeiro e se converteu em doutrina oficial
da dinastia alauí.
Esse “Grande Marrocos” ia desde Gibraltar até o río Senegal, englobando a totalidade do Sahara
Espanhol e a Mauritânia, além de grandes extensoes do sul-oeste argelino e Mali. No total, a
monarquia marroquina pretendía anexar sob seu dominio dois milhoes de quilômetros cuadrados,
muito ricos em minérios estratégicos.
Os planos expansionistas fixaram como primeiros objetivos a recuperaçao do enclave espanhol
de Ifni, a anexaçao de Tarfaya -regiao nortenha do Sahara Espanhol- e a ocupaçao da Mauritânia.

2.3 - Insurreiçao nacionalista de 1958 no Sahara Espanhol
A partir de outubro de 1956, o ALN começou a infiltrar pequenos grupos armados no Sahara
Espanhol com a desculpa de hostilizar as posiçoes fronteiriças do exército francés na Mauritânia.
A meados de 1957 já agiam na colônia espanhola uns dois mil e quinhentos combatentes, quase
todos eles membros das tribos saharauis e mauritanas. A presença destas formaçoes armadas
respondia, por um lado, à intençao do comando marroquino de exercer pressao política e militar
sobre os espanhois para recuperar o enclave de Ifni, e sobre os franceses para expulsá-los da
Mauritânia, por outro lado, os combatentes saharauis e mauritanos também queriam libertar seus
respectivos territorios do colonialismo européio.

Para a estrategia marroquina nesse momento, o Sahara Espanhol era um objetivo secundario
mas servia para ocultar o objetivo principal: os 1.700 km² do enclave de Ifni. E foi precissamente
contra esse enclave que o ALN lançou sua ofensiva na madrugada do 23 de novembre de 1957.
Uma semana depois, quase todas as localidades do enclave estavam em poder das forças
nacionalistas. Só a capital, Sidi Ifni, resistia esperando a chegada de reforços para lançar a
contraofensiva, que na primeira semana de dezembro expulsou os atacantes de todas as
posiçoes que tinham ocupado.

Ao mesmo tempo que estava desenvolvendo a ofensiva contra Ifni, o ALN iniciou as hostilidades
no Sahara Espanhol atacando sua capital, El Aaiún, o dia 26 de novembro. Até o 23 de dezembro
houveram várias tentativas de tomar por asalto esta cidade sem êxito.

Embora a ofensiva militar marroquina contra Ifni e o Sahara Espanhol foi um fracasso, os setores
ultranacionalistas do reino tinham criado as condiçoes políticas para exigir a Espanha a devoluçao
de Ifni e a entrega da regiao de Tarfaya.
Pouco tempo depois, o príncipe herdeiro marroquino Muley Hassán ordenou a retirada do ALN da
colônia espanhola. Esta ordem nao foi obedecida pelos combatentes saharauis, e no dia 11 de
janeiro de 1958 recomeçaram as hostilidades no Sahara. Rapidamente a insurreiçao se
generalizou e as tropas espanholas foram forçadas à defensiva. Aos poucos as açoes bélicas se
alastraram até atingir Mauritânia e obrigaram o governo francés a estabelecer um acordo de
cooperaçao militar com a ditadura franquista.

A partir do 10 de fevereiro, ambas as metrópoles desenvolveram conjuntamente e de forma
simultânea duas ofensivas militares: a ofensiva espanhola, conhecida como “Operaçao Teide”,
que mobilizou dez mil soldados e cem avioes, e a francesa, denominada “Operaçao Ecouvillon”,
que mobilizou cinco mil homens e setenta avioes. Duas semanas depois, os exércitos européios
tinham esmagado a insurreiçao, e a "paz" e a “ordem” coloniais foram restabelecidos na regiao.

Com a derrota do movimento nacionalista, o colonialismo espanhol evitou que a revolta se
espalhara pela regiao, garantindo segurança para os investimentos franceses no setor mineiro da
Mauritânia. Também o governo francés foi beneficiado porque reforçou o cerco em torno da
guerrilha independentista argelina impedindo-lhe a possibilidade de contar com uma retaguarda
segura no Sáhara Espanhol e na Mauritânia. Finalmente até a monarquia alauí atingiu um dos
seus objetivos: no dia 1º de abril de 1958, a Espanha cedeu Tarfaya em troca de que Marrocos
garantisse que no futuro nao se iria alterar novamente a “tranquilidade” na regiao sahariana.

(1) Independência (em língua árabe)
(2) ALN - Armée de Liberation Nationale.

Capítulo 3 - Os protagonistas do conflito
3.1 - Evoluiçao sócio-econômica do Sahara Espanhol 1960-1974
Trás a derrota da insurreiçao de 1958, o governo espanhol aplicou severas represálias contra a
populaçao saharaui e forçou milhares de famílias a buscar refúgio nos territórios limítrofes de
Marrocos, Argélia e Mauritânia.

Os acontecimentos do ano 58 fizeram conque o governo de Madrí se ocupasse mais da sua
longiqua colônia africana. Ao longo dos anos 60 foi se dando um lento processo de mudanças
econômicas e sociais no Sahara Espanhol. Em 1963 se realizaram fortes investimentos produtivos
nas jacidas de fosfatos de Bu-Craá que incentivaram a atividade económica da colônia e
modificaram os costumes da populaçao autóctona. Com a urbanizaçao e o abandono progressivo
da vida nómada os laços e as relaçoes tribáis começaram a desaparecer possibilitando a
formaçao de uma consciência nacional saharaui.

A populaçao de El Aaiún passou de 5.200 pessoas em 1959, a 28.000 em 1974. Um cálculo
elaborado em 1959 estimava em 24.500 os habitantes da colônia e, segundo o último censo oficial
de 1974, o número de saharauis era de 73.497. A fináis de 1975, a populaçao espanhola, entre
civis e militares superava os 30.000 individuos.

3.2 - Importância os recursos naturais saharauis
O Sahara Ocidental possui grandes riquezas minerais, principalmente fosfatos, ferro, petróleo e
gas. Em 1947, um engenheiro espanhol detectou a existência de fosfato tricálcico na regiao de
Saguia El Hamra. Dezesseis anos depois, foi descoberta uma enorme jazida de fosfatos na
comarca de Bu-Craa.
Sob uma camada de aréia de nove metros de espessura, estende-se a camada de apatita
(minério portador do fosfato), cuja grossura média é de 5,6 metros. A jazida tem um área
aproximada de 250 km² e suas reservas sao estimadas em dois bilhoes de toneladas. Em 1964,
Espanha criou a empresa “Fosfatos de Bu-Craa”, FOSBUCRAA.

As instalaçoes e o equipamiento para a exploraçao da jazida foram comprados a empresas
francesas, norteamericanas e alemas. A firma Krupp da Alemanha construiu a fita transportadora
com quase cem quilómetros de comprimento, que une a mina com a terminal de embarque de El
Aaiún. A mina de Bu-Craa pode fornecer até dez milhoes de toneladas por ano trabalhando a
plena capacidade.

Sabe-se que na regiao centro-sul há uma grande jazida de ferro e além disso, há poucos anos
que as prospecçoes realizadas no território saharaui confirmaram mais uma vez a existência de
reservas de petróleo e gas natural, tanto no interior do pais quanto na plataforma continental.

Além dos minérios o Sahara Ocidental tem um outro recurso muito valioso. Se trata do banco
pesqueiro canário-sahariano, considerado um dos mais grandes e ricos do planeta. Esta zona
pesqueira situada no sul das Canárias, se estende por 150.000 km² na frente do litoral saharaui.
Duzentas espécies de peixes, sessenta de moluscos e várias de crustáceos, além do plancton e
as algas, fazen com que as águas saharauis sejam visitadas cada ano por milhares de barcos
pesqueiros de diferentes nacionalidades.

Os recursos naturáis do subsolo e do mar territorial saharauis despertaram as apetências de
alguns países ocidentais e dos seus vizinhos, Mauritânia y Marruecos. O rey Hassan II desejava
conquistar o Sahara Ocidental e se apoderar dos seus fosfatos, porque assím a empresa estatal
marroquina “Office Chérifien des Phosphates” teria o controle da maior parte das reservas e dos
mercados internacionais do fosfato.

3.3 - Marrocos rumo à autocracia.
A partir do ano 59 a monarquía em aliança com os representantes do neocolonialismo, da
nobreza terratenente e da ala direita do Istiqlal tomou o controle do poder. Isso fez conque os
elementos radicais do Istiqlal abandonaram o partido para fundar a "Union Nationale des Forces
Populaires" UNFP sob a liderança de Ahmed Ben Barka

Em maio de 1960, o rei nomeou um governo presidido por ele mesmo e pelo príncipe herdeiro, e
acabou com as últimas apariências de participaçao democrática. Pouco depois, en fevereiro de
1961, faleceu Mohamed V e seu filho assumiu o trono com o nome de Hassan II. O novo monarca
impôs uma Constituiçao "pré-fabricada" que elevou sua vontade à categoría de norma do governo
e aplicou uma política repressiva, fazendo con que a monarquía constitucional projetada pelo seu
pai em 1958, se transformasse numa autocracia ferrenha.

Além do anterior, a monarquia aplicou uma política econômica regressiva que provocou uma
grave crise social e o conseqüente incremento do movimento grevista, operário e estudantil. A
violência repressiva do governo esquentou ainda mais a situaçao. Foi assím que no dia 23 de
março, houve uma explosao de protesto popular em Casablanca que imediatamente se estendeu
a Rabat, Fez, Marrakech e outras cidades. Hassan II empregou o exército e sufocou a revolta com
um saldo de centenas de mortos e milhares de feridos.
O 29 de outubro foi seqüestrado e desaparecido el "Mahdi" Ben Barka em París. A operaçao foi
executada por agentes marroquinos em colaboraçao com a CIA e a "Sûreté" francesa. Com este
crime, Hassan II se desfez do seu principal opositor e reforçou ainda mais seu poder pessoal.

O poder absoluto do rei gerou nepotismo e muita corrupçao em torno dele. Isso fez com que uma
parte da oficialidade, que tinha lutado pela indepêndencia e por uma forma de governo mais
progressista, ficasse revoltada com o contraste entre a miséria da populaçao e a riqueza da corte.
O descontentamento levou um grande grupo de oficiais a conspirar contra a monarquia, e a
conspiraçao desembocou numa tentativa de golpe de Estado.

El 10 de julio de 1971, os alunos de uma academia militar, comandados pelo seu coronel,
assaltaram o palacio real de Sjirat quando o rei festejava seu aniversário. Essa tentativa de depor
o rei Hassan fracassou, e sobreveio uma sangrenta depuraçao dos comandos militares. Centenas
de oficiais e sub-oficiais foram executados, entre eles o general que organizou a tentativa de
golpe e o coronel, diretor da academia militar.
A monarquía superou a crise e fez com que o exército pagasse um preço muito alto. Mas o
nepotismo e a corrupçao continuou a gerar descontentamento nos comandos castrenses. Foi
assím que quando Hassan II estava de férias no seu castelo na França, se sublevou a base aérea
de Kenitra, a mais importante de Marrocos. A nova crise obrigou o rei a regressar no dia 16 de
agosto, mas quando o aviao real sobrevoava a regiao de Tánger em direçao a Rabat, foi
interceptado por avioes de combate procedentes da base sublevada. A escuadrilha ametralhou o
aviao real para forçá-lo a aterrissar em Kenitra, mas mesmo assím, com a aeronave metralhada e
incendiada, o rei conseguiu chegar a Rabat.

Apenas chegou no seu Palacio, Hassan II ordenou esmagar a rebelión, capturar os responsáveis
e fazer uma severa depuraçao da força aérea. Em outubro desse ano compareceram perante o
tribunal militar duzentos e vinte oficiais, acusados de conspiraçao e tentativa de assasinato contra
o rei.

Os acontecimentos de Sjirat e Kenitra criaram desconfiança e ódio entre a monarquia e as forças
armadas. O rei adoptou medidas para afastar o exército bem longe com o objetivo de evitar novas
tentativas golpistas. Dentro de esse esquema Hassan II enviou tropas a Golao (Síria) durante a
guerra árabe-israelense de 1973, e iniciou a invasao do Sahara Ocidental em outubro de 1975.
Quer dizer que, a necessidade de afastar o exército longe do Palácio Real, foi uma das razoes
para invadir o Sahara. A oficialidade submetida a disciplina de guerra e sob a vigilância dos
serviços de inteligência, teria pouco tempo e menos oportunidades para conspirar contra a
monarquía.

3.4 - Mauritânia, da independência fictícia à utopia expansionista
No dia 28 de novembro de 1960 a França concedeu a independência formal a Mauritânia. Assím
nasceu a República Islámica de Mauritânia. As primeiras eleiçoes deram o governo ao Partido
Popular Mauritano e a presidência nacional a Mohtar Uld Daddah.
Desde entao, Marrocos hostilizou esta república com agressoes militares, campanhas publicitárias
ofensivas e o desconhecimento da sua independência. Só em janeiro de 1970, o reino marroquino
reconheceu diplomáticamente a Mauritânia graças à açao mediadora argelina e à influência
francesa.

Durante aqueles primeiros anos, a Mauritânia manteve uma quase total subordinaçao económica,
política, militar e cultural a respeito da França. Mas a partir da segunda metade dos anos 60 dois
importantes fatores contribuiram a quebrar essa dependência absoluta. O primeiro foi a chegada
de investimentos británicos, japoneses, espanhois, norte-amercianos e alemaes, e o segundo foi o
aprofundamento do nacionalismo económico orientado a reducir a dependência do exterior.
Foi assím que o governo mauritano criou em 1966 o monopólio estatal sobre o comercio exterior,
em 1972 a “Societé Nationale Industrielle et Minière” para a exploraçao do cobre e do ferro e, em
1973, o Banco Central. Pela primeira vez Mauritânia emitiu sua própria moeda. Mas apesar de ter
diminuido sua dependência da França, o país continuou sendo subdesenvolvido e sua populaçao
continuou a ter um dos níveis de vida mais baixos do mundo.

Nesse contexto era um grande paradoxo que o governo mauritano sustentasse ambiçoes
expansionistas a respeito do Sahara espanhol. Em tanto a coroa marroquina reivindicava uma boa
parte do território mauritano e realizava açoes concretas para atingir seu propósito, o governo do
presidente Uld Daddah se esforçava para demonstrar o direito mauritano sobre o território do
Sahara Espanhol.
Finalmente, em 1974, o regime de Uld Daddah e a monarquía marroquina decidiram agir
conjuntamente para pressionar o governo espanhol com atitudes, declaraçoes e ameaças
francamente anexionistas.

Capítulo 4 - Antecedentes históricos e fundaçao da Frente POLISARIO
4.1 - O Movimento de Libertaçao do Sahara
Durante a década dos anos 60, uma nova geraçao de independentistas, nascida das experiências
e fracassos anteriores. impulsionou um nacionalismo essencialmente renovado, baseado na
consciência nacional e nao no tribalismo, fundamentado com argumentos políticos e nao com
sentimentos religiosos.
Em 1968, um intelectual, Mohamed Sidi Ibrahim “Bassiri”, fundou o Movimento de Libertaçao do
Sahara -MLS- para reivindicar pacificamente a independência. Em breve, a organizaçao
clandestina já tinha reunido centenas de militantes entre os operários e empregados da indústria,
funcionários da administraçao colonial, estudantes, suboficiais e soldados das tropas indígenas.

4.2 - Espanha perante o problema da descolonizaçao
Em novembro de 1960, a Assembléia Geral da ONU, no seu XV período de sessoes, aprovou a
Resoluçao 1514 referida ao processo de descolonizaçao dos enclaves coloniais que ainda
subsistiam no mundo. O Comitê Especial encarregado de aplicar dita resoluçao, confeccionou
uma lista de territórios a serem descolonizados, entre os quais figurava o Sahara Occidental.
Em 1966, o Comitê Especial solicitou a Espanha a criaçao de condiçoes para realizar um
referéndo no Sahara, afim de que a populaçao saharaui pudesse se expressar livremente sobre
seu futuro político.

O governo franquista aceptou formalmente a solicitaçao, mas o que realmente fez foi transformar
o Sahara numa "provincia" da Espanha e para isso introduziu algumas reformas no regime jurídico
e administrativo da colônia, entre elas a criaçao da Assembléia Geral do Sahara (a Yemáa) (1).
Foi assím como o franquismo desperdiçou a oportunidade de proporcionar aos saharauis uma
saída decorosa para sua emancipaçao política.

As pressoes internacionais sobre o governo de Madrí, e mais em particular sobre a própria
colônia, fez com que o governador do Sahara, organizasse uma atividade política em El Aaiún
com fins propagandísticos. Dita atividade era para mostrar ao mundo a vontade da populaçao
saharaui de se integrar ao Estado espanhol. A administraçao colonial convidou muitos jornalistas
e observadores estrangeiros para que fossem testemunhas do acontecimento. Mas também o
Movimento de Libertaçao convocou seus militantes e simpatizantes para uma manifestaçao
paralela contra a manobra colonialista.

Na manha do 17 de junho de 1970 uns poucos grupos se concentraram na frente da sede do
Governo, entanto uma multidao enchia uma esplanada gritando consignas independentistas.
Naquela tarde, um destacamento militar abriu fogo contra a multidao causando inúmeras vítimas
entre mortos e feridos.
Essa noite se desatou uma caçada de dirigentes e militantes do MLS; centenas foram detidos;
alguns desapareceram, incluido o líder nacionalista Bassiri. Aquela açao repressiva acabou para
sempre com os projetos de “confraternizaçao” entre espanhois e saharauis.

4.3 - A reorganizaçao nacionalista
Como conseqüência da repressao, a militância nacionalista se dispersou e muitos dos seus
integrantes se refugiaram nos países vizinhos, onde encontraram a ajuda das comunidades
saharauis alí residentes. Em 1971 novamente começaram a se articular alguns grupos
nacionalistas nas cidades de Zuerat, Tantán e Rabat. Foi precisamente em Rabat onde surgiu um
núcleo muito ativo de estudantes universitários, entre os quais se destacava El Uali Mustafa
Sayed. Este grupo, ao longo de 1972 promoveu encontros entre os diversos agrupamentos
saharauis dispersos por Marrocos, Argélia e Mauritânia.

A partir de janeiro de 1973 se multiplicaram as reunioes clandestinas e se fortaleceu a
coordenaçao entre os diferentes setores da militância. Deste modo, nos derradeiros dias de abril
começou uma conferência cujas sessoes se realizaram de forma intermitente e em distintos
lugares do deserto para despistar o serviço de inteligência franquista. Esta conferência alcançou
um consenso a respeito da necessidade de criar uma organizaçao político-militar para lutar pela
independência. O dia 10 de maio de 1973, a conferência culminou suas atividades fundando a
Frente Popular de Libertaçao de Saguia El Hamra e Río de Oro - Frente POLISARIO.

4.4 - A Frente POLISARIO, concepçao política e linha de açao
A Frente POLISARIO é um movimento de libertaçao nacional de caráter democrático e definiçao
anticolonialista e terceiro-mundista. Esta organizaçao reúne todos os setores e personalidades
mais progressistas da sociedade saharaui, onde quera que estejam: exilio, regioes libertadas ou
sob ocupaçao marroquina.
Seus objetivos principais sao a independência total do Sahara Ocidental e a construçao de um
Estado moderno no contexto de uma integraçao magrebí. No plano internacional, a Frente
POLISARIO defende a criaçao de um Estado palestino, a unidade do mundo árabe e a eliminaçao
de toda forma de colonialismo ou neocolonialismo na África.

O manifesto político fundacional da F.POLISARIO, declarava:

“Uma vez comprovado que o colonialismo quer manter sua dominaçao sobre nosso povo árabe,
tentando aniquilá-lo pela ignorancia, a miséria, assím como pela sua separaçao do Magreb árabe
e da Naçao árabe. Perante o fracasso de todos os métodos pacíficos utilizados, tanto pelos
movimentos espontâneos como pelas organizaçoes impostas ou outros círculos, a Frente Popular
de Libertaçao de Saguia El Hamra e Río de Oro, nasce como a expressao única das massas, que
opta pela violência revolucionária e a luta armada como meio, para que o povo saharaui, árabe e
africano possa desfrutar da sua total liberdade e se enfrentar às manobras do colonialismo
espanhol.
Parte integrante da revoluçao árabe, apóia a luta dos povos contra o colonialismo, o racismo e o
imperialismo, e condena éstes pela sua tendência a exercer sua dominaçao sobre os povos
árabes mediante o colonialismo direto ou pelo bloquéio económico
Considera que a cooperaçao com a Revoluçao Popular Argelina, numa etapa transitória, constitui
um elemento essencial para enfrentar as manobras contra o Terceiro Mundo.
Convidamos todos os povos em luta a se unirem para enfrentar o inimigo común.
Com o fusil arrebataremos a liberdade!”

4.5 - A guerra de libertaçao nacional
No 20 de maio de 1973, dez dias após a sua fundaçao, a Frente POLISARIO realizou sua primeira
açao armada contra o exército colonial. O alvo do ataque foi o posto policial de El Janga, e
marcou o começo de uma guerra que aos poucos ultrapassou a capacidade de contrôle da
administraçao espanhola. Aquele ataque foi o batismo de fogo do Exército de Libertaçao Popular
Saharaui, cujas açoes posteriores fizeram con que o prestigio da Frente POLISARIO fosse
crescendo entre a populaçao saharaui e os soldados nativos nas fileiras do exército colonial. Nos
derradeiros dias de 1973, o ELPS já tinha quase cem combatentes.

1974 foi um ano chave para a consolidaçao do Exército de Libertaçao; por um lado multiplicou
suas açoes de combate e intensificou sua campanha política para ganhar simpatizantes entre os
soldados saharauis do exército colonial. Por outro lado, começou a receber armas da Líbia e da
Argélia.

O governo franquista reagiu à ofensiva independentista com uma manobra política para ganhar
tempo e criar as bases sobre as quais erigir um futuro governo saharaui “independente” que
garantisse os interesses económicos espanhois. No dia 20 de agosto enviou uma nota ao
secretário geral da ONU anunciando a intençao de celebrar um referendo no Sahara sob os
auspícios e garantias desse organismo, durante o primeiro semestre de 1975. Ao mesmo tempo
impulsionou a formaçao de um partido político fiel aos interesses espanhóis, o “Partido de Uniao
Nacional Saharaui” - PUNS.

Durante o ano 1975, patrulhas completas de militares saharauis se uniram ao ELPS com veículos
e armamento. Ao longo desse ano o Exército de Libertaçao foi tomando conta de inúmeros postos
abandonados pelos espanhois. Porém a guerrilha independentista nunca estabeleceu bases
permanentes, ela preferia preservar sua segurança na imensidao do deserto.

Entretanto, o anúncio sobre a próxima celebraçao do referendo de autodeterminaçao, fez com que
os governos marroquino e mauritano solicitaram levar a questao do Sahara perante a Corte
Internacional de Justiça. A Assembléia Geral da ONU aceitou a solicitaçao e por isso foi adiada a
consulta popular até que o Tribunal de Háia emitisse seu dictame à respeito.

4.6 - A Convençao de Ain BenTili
Trás dois anos e meio de guerra, a Frente POLISARIO coroou seus esforços político-militares com
a realizaçao, no dia 12 de outubro de 1975, da Convençao para a Unidade Nacional, na localidade
mauritana de Ain Ben Tili. Nesse entao já era evidente a existência de um acordo entre Espanha e
o reino de Marrocos para a entrega do território saharaui a este último.

Á convocatoria da Frente acudiram representantes de todas as forças políticas, partidárias da
independência: personalidades diversas, membros da Yemáa e alguns dirigentes do PUNS.
Todos eles, sob a presidência de El Uali Mustafa Sayed, proclamaram a uniao do povo em torno
do programa e das estruturas da Frente POLISARIO com o intuito de alcançar a independência e
defender a integridade territorial do Sahara.

(1) Assembléia (em lingua árabe) foi criada por decreto. A metade dos seus integrantes era
designada pelas autoridades coloniais. A Yemáa era um órgao consultivo do Governador Geral.

Capítulo 5 - Período 1974-1975, a complexidade de uma tragedia
5.1 - A monarquia se apronta para o assalto final
Em 1973 Marrocos era um país inseguro para os investidores estrangeiros. As rebelioes militares
de 1971 y 1972 tinham diminuido a credibilidad do regime e criado dúvidas a respeito da
estabilidade da monarquia. Por isso Hassan II teve que adotar medidas para melhorar a imagem
do seu governo e para evitar que a crise seguisse piorando até se tornar irreversível.

O rei abriu o jogo político procurando estabelecer alianças com setores da burguesia nacional,
para conter a luta popular e isolar os grupos golpistas do exército. Esta abertura fez com que a
burguesía apoiara a política do Palacio em troca de uma cuota de participaçao no governo. Mas a
aliança necessitava um aglutinante ideológico para convocar as cúpulas partidarias e as massas
populares.

Foi Hassan II quem aportou esse fator ideológico reativando o projeto do "Grande Marrocos" e
fazendo da “recuperaçao do Sahara”, uma questao vital para a unidade nacional e a integridade
territorial. Nesse contexto a monarquía desencadeou uma campanha ultranacionalista e convocou
os dirigentes “opositores” a se unirem com o rei para alcançar a unidade nacional em torno do
objetivo supremo da “recuperaçao” do Sahara Espanhol. Todos os partidos responderam
positivamente ao trono e contribuiram a diluir o movimento reivindicativo da populaçao num
oceano de fraseologia patriótica.

A partir de 1974, a monarquía começou a pressionar o regime franquista para forçá-lo a negociar
o traspaso da colônia. Nesse mesmo ano, o governo espanhol anunciou sua intençao de realizar
o referendo de autodeterminaçao no Sahara. O anúncio fez o rei Hassan apelar à Corte
Internacional de Justiça para solicitar um ditamen sobre a existência ou nao de laços jurídicos
entre Marrocos e o Sahara Ocidental.

Segundo o monarca, caso o território saharaui fosse “terra nullius” (1) quando se iniciou a
colonizaçao espanhola, Marrocos aceptaria a realizaçao do referendo. Pelo contrário, se
existissem vínculos jurídicos entre Marrocos e o Sahara, Madrí teria que negociar diretamente
com Rabat a transferência da soberania sobre a colônia.

5.2 - O ditamen da Corte Internacional de Justiça
A Assembléia Geral da ONU solicitou uma opiniao consultiva à Corte da Háia, sobre duas
questoes:
I - ¿Era o Sahara Ocidental (Río de Oro e Saguia El Hamra) ao tempo da colonizaçao espanhola
um território sem dono (terra nullius)?

Se a resposta à primeira questão for respondida negativamente, entao:

II - ¿Quais eram os vínculos jurídicos entre esse território com o Reino de Marrocos e a entidade
Mauritânia?

O dia 16 de outubro a Corte Internacional emitiu seu ditamen. Em relaçao com a primeira questao,
entendeu que:
“A informação fornecida à Corte demonstra que ao tempo da colonização o Sahara Ocidental era
habitado por populações que, mesmo nômades, eram social e politicamente organizadas em
tribos, sob o comando de chefes competentes para representá-las"

Em relaçao com a segunda questao a Corte concluiu que:
“Os elementos e informaçoes levados ao conhecimento da Corte demonstram a existência ao
tempo da colonizaçao espanhola de laços e “allegiances” (espécie de vassalagem) entre o Sultao
de Marrocos e algumas das tribos que habitavam o território do Sahara Ocidental. Monstram
igualmente a existência de direitos, incluindo alguns relacionados à terra, que constituíam
vínculos jurídicos entre a entidade da Mauritânia, como entendeu a Corte, e o território do Saara
Ocidental. Por outro lado, a Corte concluiu que os elementos e informações levados ao seu
conhecimento não estabeleceram a existência de nenhuma relação de soberania territorial entre o
território do Sahara Ocidental e o Reino de Marrocos ou a entidade da Mauritânia. Deste modo, a
Corte não encontrou vínculos jurídicos de natureza a modificar a aplicação da Resolução 1514
(XV) da Assembléia Geral quanto à descolonização do Sahara Ocidental e, em particular, à
aplicação do princípio da autodeterminação graças à expressão livre e autêntica da vontade das
populações do território."

5.3 - Se aperta o arrocho em torno do Sahara
Durante o segundo trimestre de 1975 ficou evidente o declínio do regime franquista que tinha
exercido um autoritarismo ferrenho durante quase quarenta anos. A oposiçao à ditadura
aumentava a cada dia, e à tensao causada pelas greves e manifestaçoes anti-ditatoriais, se
sumou a incerteza perante a morte iminente do general Franco.

Nessas circunstâncias, a conduta política do governo espanhol no assunto do Sahara foi muito
ambivalente, quase que esquizofrênica. Entanto a delegaçao permanente da Espanha na ONU
denunciava as ameaças de invasao feitas por Hassan II, e entanto o comando político-militar da
colônia tinha conversaçoes e negociava com a Frente Polisario, destacados dirigentes do regime
discutiam com o rei marroquino o preço de venda do território saharaui.

Ao mesmo tempo, os EEUU e a França, em nome dos seus interesses geopolíticos, decidiram dar
seu apóio total ao expansionismo marroquino e mauritano

Para a concepçao geopolítica norte-americana, o mar Mediterráneo é um área estratégica como
via de acesso rápido e direto à regiao do Oriente Médio e às jazidas de petróleo no Golfo Pérsico.
Por tanto é vital para seus interesses assegurar a entrada pelo estreito de Gibraltar e a saída
através do canal de Suez, assím como evitar quaisquer conflito que pudesse dificultar o trânsito
por essa via marítima. Por tanto a península Ibérica e Marrocos eram objetivos prioritários na
política global dos EEUU, pelo que Washington fez todo o possível para garantir a transiçao
democrática na Espanha assím como evitar que a questao do Sahara provocasse um confronto
armado com Marrocos. Porém a carta marroquina era a mais valiosa porque significaba manter
um aliado para contrabalançar a influência da Argélia e Libia no Magreb. Isto fez com que o
Departamento de Estado desse seu apóio ao rei Hassan II exercendo uma discreta pressao sobre
Madrí para a entrega da colônia africana a Marrocos.

Por sua vez, a França necessitava reafirmar sua presença em Marrocos e Mauritânia para impedir
que os EEUU tirassem os dois países da sua esfera de influência. O expansionismo marroquino e
mauritano permitiu que París retomasse a iniciativa no Magreb porque a preparaçao para a
conquista do Sahara aumentou a dependência tecnológica, militar e financeira destes países.
Como conseqüência, a França fez esforços diplomáticos para impulsionar o entendimento
hispano-marroquino, e começou a fornecer armamento ofensivo ao exército de Marrocos.

5.4 - A Marcha Verde
No mesmo dia em que se conheceu o dictamen da Corte Internacional de Justiça, o rei
marroquino anunciou ao pais que o organismo internacional tinha reconhecido o direito de
Marrocos de estender sua soberanía sobre o Sahara Ocidental. O rei convocou à populaçao a
participar voluntariamente da Marcha Verde para tomar conta do Sahara.

O argumento empregado pela monarquia era muito eficaz porque mexia com dois sentimentos
coletivos básicos da sociedade marroquina: o patriotismo e a fé religiosa. Segundo o discurso
oficial repetido até o cansaço desde 1974, o povo marroquino, inspirado pelo seu máximo líder
espiritual, o rei Hassan II, atravessaria o deserto para reconquistar pacificamente as terras
ocupadas pelos infieis estrangeiros.

Na realidade, a Marcha Verde era uma encenaçao que tinha três objetivos. O primeiro era se
constituir em justificativa da política entreguista do governo espanhol. Era óbvio que o governo
madrilenho preferisse perder o Sahara antes do que entrar numa guerra contra Marrocos.
O segundo objetivo era tornar inefetiva pela via dos fatos, qualquer resoluçao da ONU em pró da
autodeterminaçao do povo saharaui.
O terceiro objetivo era montar um espetáculo que atraísse a atençao da opiniao internacional
para ocultar a verdadeira invasao militar que iria acontecer a duzentos quilômetros de distância.

Os detalhes organizativos de essa maré humana tem sido revelados por publicaçoes oficiais
marroquinas. Em princípio, se determinou a participaçao de 350.000 pessoas que foram
transportadas a Marrakech empregando dez trens diarios durante doze días. De Marrakech até
Agadir, e depois até Tarfaya, se utilizaram 7.813 caminhoes.
No total, a enorme coluna dispunha de 17.000 toneladas de comida, 23.000 toneladas de água,
2.950 toneladas de combustível, 230 ambulâncias e 470 médicos e enfermeiros.

5.5 - Breve cronologia dos fatos nos trinta dias decisivos
Sábado 18 outubro - O Chefe do Alto Estado Maior do exército espanhol comunicava que o
presidente do Governo, Carlos Arias Navarro, tinha decidido iniciar a evacuaçao do Sahara no día
10 de novembro. Isto supunha deixar o território e seus povoadores à mercê de Marrocos.

Terça 28 outubro - O Governo Geral da colônia decretou toque de recolher e cercou com arame
farpado os bairros de El Aaiun habitados pela populaçao saharaui. Simultâneamente os soldados
e suboficiais nativos do exército colonial, foram desarmados e dispensados do serviço. No
decorrer da jornada se confirmou que as forças armadas espanholas tinham abandonado suas
posiçoes num extenso setor da fronteira com Marrocos. Neste dia, a populaçao saharaui iniciou
uma fuga massiva desde os centros urbanos para os acampamentos da F.POLISARIO, no interior
do deserto.
Quinta 30 outubro - As tropas espanholas continuaram abandonando posiçoes. Entretanto, nove
batalhoes marroquinos, com tanques e artilharia, entravam pelo nordeste do Sahara Ocidental
contando com o conhecimento e o consentimento do governo madrilenho.

Domingo 2 novembro - O príncipe Juan Carlos de Borbón, - Chefe de Estado em funçoes -
viajou a El Aaiún e lá fez um discurso para a oficialidade reunida no casino militar:
“Tenho vindo a saudar vocês e viver umas horas com vocês; conheço vosso espíritu, vossa
disciplina e vossa eficacia. Sinto nao poder estar mais tempo aquí, com estas magníficas
unidades, mas quería vos-dar pessoalmente a segurança de que se fará quanto seja necessario
para que nosso Exército conserve intacto seu prestigio e seu honor.
Espanha cumplirá seus compromissos e tratará de manter a paz, dom precioso que temos que
conservar (...) Desejamos proteger também os legítimos direitos da populaçao civil saharaui, já
que nossa missao no mundo e nossa história exigem isso de nós".

Segunda 3 novembro - Na cidade de Tarfaya os voluntarios da Marcha Verde já ultrapassavam
os trezentos mil. Quase todos eles eram desempregados das grandes cidades marroquinas.
Neste día, autoridades espanholas e marroquinas se reuniram em Madrí para acordar que a
Marcha Verde entraria durante cuarenta e oito horas e só até as barreiras de arame farpado e os
campos minados da linha defensiva espanhola.

Sexta 7 novembro - O Conselho de Ministros da Espanha tomou a resoluçao de negociar a
entrega da colônia a Marrocos com a única condiçao de que o rei Hassan II ordenasse a retirada
da Marcha Verde.

Sexta 14 novembro - Neste día foi assinado o Acordo Tripartito de Madrí, pelos
representantes dos governos da Espanha, Marrocos e Mauritânia. O acordo de Madrí foi a
culminaçao das negociaçoes secretas entre delegaçoes oficiais de uns e outros governos. Seu
conteúdo só se conheceu através de uma Declaraçao feita pública no dia 5 de dezembro, cujo
texto dizia:
“Em Madrí a 14 de novembro de 1975 e reunidas as delegaçoes que legitimamente representam
os Governos da Espanha, Marrocos e Mauritânia, se manifiestam de acordo nos seguintes
princípios:
1) - Espanha ratifica sua resoluçao, reiteradamente manifestada perante a ONU, de descolonizar
o território do Sahara Ocidental pondo fim à responsabilidades e poderes que tem sobre dito
território como potência administradora.
2) - De conformidade com a anterior determinaçao e de acordo com as negociaçoes
impulsionadas pelas Naçoes Unidas com as partes afetadas, Espanha procederá de imediato a
instituir uma administraçao temporal no território na que participarao Marrocos e Mauritânia em
colaboraçao com a Yemáa (...) A terminaçao da presença espanhola no território se fará
definitivamente, antes do 28 de fevereiro de 1976.
3) - Será respeitada a opiniao da populaçao saharaui expressada através da Yemáa.
5) - Os três países declaram ter chegado à anteriores conclusoes com o maior espírito de
compreensao, fraternidade e respeito dos princípios da Carta das Naçoes Unidas e como a
melhor contribuiçao à manutençao da paz e da segurança internacionais.

A Espanha transferiu as responsabilidades e poderes que tinha como potência administradora a
uma administraçao temporal tripartita. Esta transferência entrava em contradiçao com o artigo 73
da Carta da ONU segundo o qual, uma potência administradora nao pode dispor livremente da
sua colônia nem transferir sua administraçao para outro país. Além disso, a España nao podia
traspassar uma soberanía que nao possuia, porque dita soberania era patrimonio exclusivo do
povo que habitava o território administrado.
Com a assinatura do Acordo Tripartito, a Espanha legitimou a invasao do Sahara Ocidental, cujas
consequências foram a morte ou o exilio para dezenas de milhares de seus povoadores.
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