São Paulo: capital da moda

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São Paulo: capital da moda
São Paulo: capital da moda

                                                                                            Felipe Fagundes

           O destaque recebido nas redes sociais e      como Brás e Bom Retiro. Apesar da
           nas publicações relacionadas à moda em       grandiosidade do setor na cidade, a in-
           todo o mundo colocou São Paulo, em           formalidade e a exploração de mão de
           2012, como a sétima capital mais in-         obra degradante são problemas que ain-
           fluente do planeta nesse setor. Sustenta     da fazem parte desse mercado. Nos últi-
           esse posto uma cidade global, com uma        mos dois anos, as empresas paulistanas
           cadeia produtiva formada por renoma-         tentam se recuperar da crise provocada
           dos estilistas, escolas, eventos e, tam-     por uma alta carga tributária e anos de
           bém, importantes endereços que produ-        câmbio desfavorável – que fizeram com
           zem e comercializam bilhões de dólares       que seus empresários enfrentassem, ao
           por ano. Além de um consolidado mer-         mesmo tempo, a invasão dos produtos
           cado de luxo, a cidade atrai varejistas de   asiáticos no mercado interno e a perda
           todas as praças do país, que revendem        da competitividade nos mercados inter-
           Brasil à fora produtos negociados em         nacionais.
           polos de moda popular de São Paulo,
São Paulo: capital da moda
Sérgio Amaral

Uma Indústria Sufocada
Alta carga tributária freia as exportações brasileiras e favorece a entrada de importados no país. Para especialis-
tas, a saída é o investimento na indústria criativa, impostos mais baixos e a manutenção do atual patamar do
dólar, que torna competitiva a produção nacional.

A
         ousadia dos biquínis e o colo-    A partir da abertura do mercado bra-         Com a indústria se modernizando e
         rido das fantasias de carnaval    sileiro para as importações, em 1990, a      com a profissionalização do setor ao
         sempre foram as características   indústria local precisou se modernizar       longo das duas últimas décadas, feiras
que mais chamaram a atenção interna-       para poder competir com o que vinha          e eventos passaram a fazer parte do ca-
cional sobre a moda no Brasil. Porém, o    de fora. Para a coordenadora do curso        lendário de grandes centros, como São
vestuário de um país, onde as tempera-     de moda da Faculdade de Belas Artes          Paulo. Por conta disso, em 2012, a ci-
turas no inverno chegam a ser negativas    de São Paulo, Valeska Nakad, a presença      dade desbancou Milão, uma das mais
em algumas localidades, não pode se        desses produtos no país fez com que o        importantes do circuito, no ranking das
resumir a trajes tão pequenos ou pom-      brasileiro se conscientizasse mais sobre a   capitais mais influentes da moda em
posos. A ideia sobre a moda brasileira     moda, tornando-se mais exigente, o que       todo o planeta, quando assumiu a sétima
começou a mudar durante a década de        forçou as empresas a abrirem os olhos        posição. A classificação, feita pelo Glo-
1990, sob a influência dos produtos im-    para esse novo consumidor. Com isso,         bal Language Monitor, leva em conta o
portados que começavam a desembarcar       iniciou-se um processo de profissionali-     destaque que as cidades recebem pelo
no país, o consequente desenvolvimento     zação de toda a cadeia produtiva. “Há 20     tema nas redes sociais, em publicações
do setor têxtil e a realização de gran-    anos, as pessoas aprendiam no chão de        especializadas e na quantidade de even-
des eventos, como a São Paulo Fashion      fábrica. Hoje, elas vão atrás de conheci-    tos realizados nas mesmas. À frente de
Week.                                      mento, especializam-se”, explica.            São Paulo, Londres encabeça a lista, se-
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São Paulo: capital da moda
guida por Nova Iorque, Barcelona, Paris,     tram que a indústria deve crescer no país   riado de R$ 2,15 a R$ 2,40 nos meses
Madri e Roma.                                entre 0% e 2% neste ano, em relação ao      de outubro e novembro, deve dar mais
          Segundo dados da Associação        ano passado. Já o comércio varejista de     fôlego aos produtores nacionais. Mas
Brasileira de indústria Têxtil e Con-        artigos de vestuário deve ter um incre-     Silva deixa claro que o impacto da atual
fecção (Abit), o mercado de moda no          mento de 3% a 4% no seu faturamento.        taxa de câmbio deve vir somente no lon-
Brasil movimentou R$ 242,5 bilhões           Essa diferença entre o aumento da pro-      go prazo. “Perdemos muitos mercados
em 2012 – foram R$ 132,5 bilhões na          dução e do varejo é resultado da invasão    ao longo dos últimos anos por conta do
indústria e R$ 110 bilhões no varejo. A      dos produtos importados no país, e fica     real valorizado. Reconquistá-los e fazer
cidade de São Paulo representa 15% da        evidenciada no saldo da balança comer-      com que os compradores acreditem que
produção e 11,5% do varejo nacional, ou      cial do setor, que passou de U$ 235 mi-     possamos voltar a ser bons fornecedores
seja, o faturamento do mercado paulis-       lhões negativos, em 2011, para U$ 5,3       é algo que demora. Além disso, tradicio-
tano de moda foi de R$ 122,5 bilhões         bilhões negativos em 2012.                  nais mercados internacionais também
no ano passado – o equivalente à soma        O economista da Abit, Haroldo Silva,        têm passado por momentos de crise”,
do PIB de Goiás e de Alagoas.                explica que na última década, com o real    lembra, referindo-se à estagnação euro-
No mundo, a moda movimentou U$ 1,7           valorizado, os produtos brasileiros per-    peia, à recente onda de desemprego nos
trilhão no mesmo período, segundo le-        deram competitividade nos mercados          Estados Unidos e ao Japão, que somente
vantamento do Fashion United, institu-       internacionais. Em 2002 o Brasil repre-     agora começa a apresentar sinais de re-
to americano de pesquisas do setor têxtil.   sentava 1% das exportações têxteis mun-     tomada do crescimento.
O valor é superior ao PIB da Austrália, a    diais, hoje, não passa de 0,5%. Dentro      O economista da Abit também explica
12ª maior economia mundial, que foi de       do país também não foi diferente. Com       que o alto custo de produção da indús-
U$ 1,589 trilhão. Hoje, de acordo com        o dólar barato, comerciantes acabavam       tria brasileira impacta nos preços nego-
um levantamento do Instituto de Estu-        vendo mais vantagem em abastecer seus       ciados com o mercado externo. Além da
dos e Marketing Industrial (IEMI), o         estoques com produtos importados.           elevada carga tributária no país, os cus-
Brasil é o quarto maior produtor de ves-     Com a moeda americana variando entre        tos trabalhistas também influenciam no
tuário do mundo, mas representa apenas       R$ 1,70 e R$ 1,80, como foi entre 2009      preço dos produtos nacionais. Para ele,
0,4% das exportações globais. A China,       e 2011, a taxa de importação de artigos     uma das principais vantagens competi-
maior produtora, fica com uma fatia de       de vestuário, que é de 35% sobre valor da   tivas dos produtores asiáticos é a mão de
36,6%.                                       mercadoria, se tornava irrelevante para     obra barata – conquistada às custas de
Os números brasileiros revelam uma es-       os compradores nacionais, enfraquecen-      péssimas condições de trabalho e remu-
tagnação no setor – e em 2013 não deve       do seu papel de medida protecionista.       neração a que são submetidos os traba-
ser diferente. Projeções da Abit mos-        O novo patamar do dólar, que tem va-        lhadores de China, Bangladesh e Índia,
                                                                                                                                3
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por exemplo. Silva lembra que, apesar       alavancaria o faturamento do setor atra-
de ainda ser registrado esse tipo de pro-   vés da exportação de produtos finais de
blema em confecções de São Paulo, não       marcas brasileiras.”
há comparação entre as duas realidades.     Ela explica que a geração de profissio-
“Aqui são casos isolados e há fiscaliza-    nais formados pelas escolas de moda
ção. Lá é um problema geral e ignorado      está começando a ingressar no mercado,
pelos governos.”                            o que deve fazer com que o setor per-
Para o presidente da Agência Brasileira     ceba uma mudança significativa na área
de Promoção de Exportações e Investi-       de criação. Para Nakad, ao sair da uni-
mentos (Apex), Mauricio Borges, o ca-       versidade, hoje, esses profissionais têm
minho para o aumento das exportações        à disposição uma indústria preparada
no país é o investimento na indústria       para atender as suas demandas. “Além
criativa. Para ele, o Brasil precisa ex-    disso, eles estudam para ser gestores, são
portar produtos com valor agregado, já      visionários, especialistas em encontrar
que o mundo inteiro aposta nesse tipo       nichos e em negociar.”
de economia, e país, em especial São        Para incentivar o processo de agregar
Paulo, tem muito potencial. com uma         valor à produção nacional e promover
forte indústria na cidade, seus renoma-     o fortalecimento da moda brasileira no
dos estilistas, produtores e escolas de     mercado externo, o Banco Nacional de
moda. A Apex realiza ações em parce-        Desenvolvimento (BNDES) liberou
ria com a Abit nos principais centros do    uma linha de crédito de R$ 500 milhões
mundo, a fim de promover a jornalistas      para projetos de design de segmentos
e empresários locais as marcas de em-       como têxtil e confecções, calçadista e
presas brasileiras que tenham potencial     moveleiro. Além disso, para diminuir
exportador para atuar no mercado in-        a carga de tributos que incide sobre os
ternacional. “Somente com empresas          produtos têxteis, a Abit elaborou uma
que tenham capacidade de atender esses      proposta de Regime Tributário Com-
clientes é que conseguimos consolidar a     petitivo para Confecção (RTCC) e
imagem do país como um fornecedor de        entregou, em junho deste ano, ao Mi-
excelência. E a indústria de São Paulo,     nistério da Fazenda e ao Ministério do
que tem o maior parque fabril do país, é    Desenvolvimento, Indústria e Comér-
que deve tomar a dianteira dessa expan-     cio Exterior (MDIC). O projeto prevê
são”, explica.                              o fortalecimento da confecção nacional
Valeska Nakad também acredita que           reduzindo os impostos federais para até
o caminho seja investir em criativida-      5% sobre o faturamento, que hoje gira
de. Na sua opinião, além de incentivos      em torno de 18%. O objetivo é comba-
vindos do governo, o que provocaria         ter as importações desleais, como a dos
maiores investimentos por parte do          produtos têxteis asiáticos, que enfraque-
empresariado, falta maior valorização       cem o setor no país. “Nossa indústria
da capacidade criar, o que renderia um      oferece produtos de melhor qualidade.
pouco mais de ousadia por parte dos         Se oferecermos valores competitivos,
profissionais da moda. “Isso tudo co-       com certeza seremos os escolhidos”, diz
locaria em evidência nossos talentos e      o economista da Abit, Haroldo Silva.
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São Paulo: capital da moda
Fios subterrâneos e postes
emaranhados
Apesar das diferenças entre mercado de luxo e de moda popular, parte do que é produzido no Brás vai parar nas
prateleiras da Oscar Freire, um dos endereços comerciais mais sofisticados do mundo.

P
       ara se ter ideia da importância da    reanos. No bairro, há lojas de atacado e
       moda em São Paulo, basta cami-        varejo, além de confecções que produ-
       nhar por suas ruas. A cidade con-     zem e comercializam, ali mesmo, roupas
ta com importantes endereços, tanto de       que são revendidas em todo o país.
comércio de roupas populares como de
luxo. A sétima cidade mais influente da      Grifes nacionais, inclusive populares,
moda mundial tem a oitava rua de co-         têm chegado à região da Oscar Freire
mércio mais luxuosa do planeta e polos       para dividir espaço com as internacio-
de confecção que atraem comerciantes         nais. Faz parte do seu processo de re-
de todo o Brasil.                            conhecimento como marca de moda,
De acordo com um estudo da organi-           explica Rosângela Lira, presidente da
zação Excellence Mistery Shopping In-        Associação dos Lojistas Oscar Frei-
ternational divulgado em 2008, que reú-      re (Alof ). A rua funciona como vitri-
ne institutos de pesquisa de mercado de      ne internacional a essas empresas, que
diversos países, a Oscar Freire, na região   apostam em lojas-conceito, as flagships.
dos Jardins, figura ao lado de endereços     Nessas unidades, os consumidores têm
como a Champs Élysées, em Paris, e a         a oportunidade de experimentar pro-
5th Avenue, em Nova Iorque, na lista         dutos, conhecer mais sobre eles e seus
dos 10 mais sofisticados do mundo. Ao        processos de produção e, ainda, poder
caminhar por suas calçadas nos quatro        comprar itens exclusivos dessas marcas.
quarteirões entre as ruas Padre Melo e       A Chilli Beans, que comercializa ócu-
João Manuel, com mobiliário urbano e         los e relógios em pequenas lojas dentro
fios subterrâneos, percebe-se que é um       de shoppings, inaugurou em maio deste
endereço global. Pessoas conversam em        ano sua flagship na Oscar Freire. A loja
francês nos cafés gourmets ali instala-      tem 700 metros quadrados, conta com
dos, outras pedem informações em in-         um palco para apresentações culturais
glês e caminham segurando sacolas de         e um espaço para exposições de arte.
grifes como Dior, Salvatore Ferragamo        Além de comercializar toda a linha de
e Mont Blanc numa das mãos, e, na ou-        produtos da marca, 20% deles são ven-
tra, sacolas das brasileiras Havaianas e     didos com exclusividade por ali, como
Le Lis Blanc. São cerca de 60 mil pes-       sua primeira linha de camisetas e de
soas circulando por dia neste reduto dos     chinelos. A gerente de produto e negó-
Jardins, um bairro onde predomina a          cios da Chilli Beans, Bianca Yuri, expli-
classe AAA paulistana.                       ca que a unidade faz parte do projeto de
Já nas ruas do Brás, região de comércio      marketing da empresa, já que agrega um
popular em São Paulo, os fios elétricos      ganho indireto, onde o mais importan-
formam emaranhados nos postes de luz.        te não é a receita com as vendas, mas o
Lanchonetes oferecem pão na chapa e          quanto aquela loja impacta na imagem
vendedores chamam, aos gritos, a aten-       da marca. Para a empresa, estar presente
ção de quem transita por ali. O francês      num endereço que se tornou internacio-
e o inglês, ouvidos na Oscar Freire, dão     nal é uma oportunidade de se projetar
lugar ao espanhol dos bolivianos e ao        no universo da moda.
sotaque carregado dos comerciantes co-       Essa atitude representa um amadure-
                                                                                                                5
cimento das grifes nacionais. Para ex-      Vuitton também está nos dois endere-        bilhões. Circulam por lá 300 mil pessoas
pandir, elas precisam ser vistas, explica   ços, e tem, no Cidade Jardim, sua maior     por dia, muitas delas vindas de outros
Rosângela Lira, que, além de presiden-      loja na América Latina: mil metros qua-     lugares do país. São aproximadamente
te da Alof, é gerente da grife Dior no      drados.                                     300 ônibus fretados diariamente, que
Brasil. A chegada de marcas como Ria-                                                   trazem, principalmente, pequenos lojis-
chuelo, Lupo e Melissa à Oscar Freire       A comerciante Mônica Santos, de São         tas do interior de Minas Gerais, Mato
não representa a popularização da rua,      Lourenço, sul de Minas Gerais, vem          Grosso, Rio de Janeiro, São Paulo e dos
e, sim, uma estratégia de negócio dessas    duas vezes por mês para São Paulo. O        três estados da Região Sul.
empresas. Figurar ao lado de marcas in-     endereço escolhido são as ruas do Brás.     Eles vêm negociar com os produtores do
ternacionais mostra que elas querem se      A cada quinzena, ela desembolsa ali         maior polo de confecção do país. Não
impor no mercado de moda, não neces-        cerca de cinco mil reais em produtos        só pequenos lojistas, mas muitas lojas de
sariamente no de luxo.                      que irão para as prateleiras de sua loja,   departamento e até grifes nacionais têm
Além das grifes na própria rua, como        principalmente calças jeans e blusas        parte de seus estoques produzida nas
Lacoste e Calvin Klein, outras impor-       femininas. “Todo mundo quer roupas          ruas do bairro, como as Lojas America-
tantes marcas internacionais escolheram     de São Paulo. Eu vendo esses produtos       nas e a grife Le Lis Blanc, que leva para
seus arredores para expandir seus ne-       pelo triplo do que pago aqui. Faturo o      a Oscar Freire roupas confeccionadas no
gócios mundiais, como Louis Vuitton         suficiente para pagar os impostos, as       Brás. São cinco mil lojas, quatro mil com
e Dior, ambas instaladas na Haddock         operadoras das máquinas de cartão e,        produção própria, que mantêm 150 mil
Lobo, que corta a Oscar Freire. E pa-       ainda, fico com 100% de lucro”, explica.    empregos diretos e 300 mil indiretos.
rece que a estratégia tem dado certo.       Ela trabalha sozinha, numa loja anexa a     Parte dessa mão de obra é de imigrantes
Das 180 lojas próprias da Dior em todo      sua casa, no interior de Minas. Não paga    bolivianos que vivem em situação ilegal
o mundo, a dos Jardins está entre as 50     aluguel de espaço comercial e conta que,    no país e são, em muitos casos, explora-
mais lucrativas. E seus investimentos       com o advento do cartão de crédito, não     dos por seus empregadores.
em São Paulo não param. Além de ter         teve mais problemas de calote com seus      O conselheiro da Alobrás, Jean Makdisi
inaugurado uma megaloja de 500 me-          clientes.                                   Jr, diz que o problema das condições de
tros quadrados no shopping Cidade Jar-      Segundo dados da Associação de Lojis-       trabalho precárias a que são submetidos
dim, em fevereiro deste ano, a Dior está    tas do Brás (Alobrás), o faturamento no     os imigrantes existe, mas que vem sendo
dobrando o tamanho das instalações da       local, em 2012, foi de R$ 12 bilhões, o     fortemente combatido por frequentes
Haddok Lobo, que ficará com a mesma         que representa 10% do total do fatura-      fiscalizações do Ministério Público do
metragem da loja do shopping. A Louis       mento da cidade, que foi de R$ 122,5        Trabalho e pela repercussão na mídia,
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Klauss Schramm

principalmente quando envolve grandes
marcas.
Makdisi Jr lembra que o bairro é, tam-
bém, o maior exportador de jeans do
país. Das 10 milhões de calças produzi-
das mensamente no Brás, 12% vão para
o mercado externo, principalmente para
os Estados Unidos. Apesar de produ-
tores, como a Lemier, não terem suas
marcas reconhecidas, o produto, em si,
é valorizado lá fora. “É o famoso jeans
brasileiro, como é anunciado em Nova
Iorque e Miami”, explica Makdissi Jr.
O empresário Fauze Junes, proprietá-
rio da Dinho’s Modas, que confecciona
roupas masculinas e femininas, diz que
seu faturamento em 2013 deve ser 10%
maior do que no ano passado. Ele espera
atingir essa meta entre novembro e de-
zembro, quando a circulação de pessoas
no bairro chega a um milhão por dia. Os
planos para 2014 são de ganhar o mer-
cado externo, investindo na ampliação
do negócio com as exportações. Se o
dólar se mantiver no patamar atual, va-
riando de R$ 2,20 a R$ 2,40, o produto
brasileiro passa a ser competitivo lá fora,
tornando a exportação viável para seus
negócios.
João Pimenta

O Brasil na Passarela
São Paulo Fashion Week chega a sua 36ª edição e coloca a cidade no centro das atenções do mundo da moda.
O evento deixa de lado o exotismo brasileiro e evidencia a contemporaneidade dos seus estilistas.

O
          técnico em informática Luiz        Brigadeiro. Quando as portas se abri-       chcovitch. A intenção não é lançar ten-
          Antônio Prado, 29 anos, ves-       ram, um verdadeiro desfile de moda to-      dências, é simplesmente levar o clima do
          tia sua camisa do Corinthians,     mou conta dos vagões, e os corredores       evento a outras pessoas, outros lugares,
bermuda jeans e um tênis confortável.        entre os assentos se transformaram em       disse a diretora de projetos especiais da
Ele havia embarcado na estação Suma-         passarela de moda. O evento itinerante      SPFW, Graça Cabral.
ré, linha verde do metrô de São Paulo, e     marcava o início da São Paulo Fashion       Ela explica que trazer o evento para
iria até o Sacomã, onde assistiria ao jogo   Week (SPFW), a quinta maior semana          locais como o metrô faz parte de ações
do seu time, pela 31ª rodada do Campe-       de moda do mundo – atrás de Paris, Mi-      baseadas no tema deste ano: deslo-
onato Brasileiro, na televisão da casa de    lão Nova Iorque e Londres.                  camentos. Ou seja, levar a semana de
um amigo, no dia 27 de outubro.              Já era a sexta estação em que as 40 mo-     moda para toda a cidade, fazer as pes-
Aos domingos, praticamente em qual-          delos que participavam da intervenção       soas notarem e participarem, explicou.
quer horário do dia, o movimento no          haviam desembarcado de um trem e            “Além de tanta mulher bonita, a gente
metrô da maior cidade brasileira é tran-     embarcado em outro. Elas vestiam rou-       acaba percebendo o quanto esse evento
quilo. Tanto que Luiz Antônio Prado          pas que já haviam passado pela passarela    é organizado e importante. É algo que
estava sentado, sozinho, em um dos           principal da SPFW em edições anterio-       eu jamais esperava ver num vagão de
bancos do quinto vagão daquele trem.         res, assinadas por estilistas como Carlos   metrô”, comentou Luiz Antônio Prado.
A calmaria chegaria ao fim na estação        Miele, Ronaldo Fraga e Alexandre Her-
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Na última semana de outubro, São Pau-          uma impecável iluminação, onde eram
lo respirou moda. Grifes nacionais ins-        oferecidos coquetéis e produtos pró-
talaram showrooms em universidades,            prios aos clientes. Lá dentro, na área de
shoppings e museus da cidade, onde             desfiles, só entram convidados e profis-
apresentavam suas coleções e comercia-         sionais da imprensa credenciados, que
lizavam suas roupas. Eventos itinerantes       conferem as tendências para o inverno
inseriam a moda no dia a dia paulistano        de 2014.
e os principais estilistas brasileiros apre-   Além da estrutura fixa, cerca de dois mil
sentavam, em alto estilo, suas criações        showrooms ficam espalhados pela cidade
nas passarelas da SPFW.                        durante a semana. A gerente de vendas
A 36ª edição do evento, que ocorreu            da grife Cleo Aidar, Izabel Carneiro,
entre os dias 27 de outubro e 1º de no-        afirma que foi através da SPFW que a
vembro, foi deslocada para um novo en-         empresa expandiu no país, aumentando
dereço. Deixou as instalações da Bienal        seu faturamento anual. “Aqui os com-
de São Paulo, no Ibirapuera, e foi para        pradores vêm nos conhecer, não precisa-
o Parque Villa-Lobos, a maior área ver-        mos bater de porta em porta para apre-
de da cidade. A cenografia das enormes         sentar nosso produto.”
tendas, que ocupavam 15 mil m², foi
assinada pela cineasta Daniela Thomas,         Os 25 desfiles principais não acontece-
filha do cartunista Ziraldo. O ambiente        ram somente no Parque Villa-Lobos.
criado para esta edição entrava em har-        Pedro Lourenço, que até então apresen-
monia com o local: a estampa das lonas         tava suas criações somente na semana
mostrava imagens de folhas verdes e ar-        de moda de Paris, realizou seu desfile
ranha-céus, já a decoração da área exter-      no auditório da Fundação Armando
na contava com grandes bolas brancas,          Álvares Penteado (FAAP). Ele é filho
iluminadas durante a noite.                    dos estilistas Glória Coelho e Reinaldo
Na área aberta ao público era possível         Lourenço, que também apresentaram
observar a movimentação nos lounges            suas coleções nesta edição.
dos patrocinadores, locais que já de-          Em agosto, Pedro Lourenço se envolveu
monstravam a grandiosidade do evento:          em uma polêmica sobre a Lei Rouanet.
espaços modernos, confortáveis e com           Após a rejeição de seu projeto pela Co-
                                                                                      9
missão Nacional de Incentivo à Cultu-        janeiro, e a Tecnotêxtil, feira de tecnolo-
ra, uma intervenção da Ministra Marta        gia para a indústria que ocorre em abril.
Suplicy reverteu a decisão, o que gerou      Mas é a SPFW, realizada duas vezes
uma polêmica sobre a validade da inclu-      ao ano, que mais se destaca nesse meio.
são da alta costura na captação de recur-    Segundo a organização do evento, cada
sos através dessa Lei. O estilista recebeu   edição gera R$ 1,5 bilhão em negócios
a liberação de R$ 2,8 milhões para a re-     e garante 11 mil empregos diretos e in-
alização de seu projeto, uma coleção ins-    diretos e contribui com R$ 100 milhões
pirada em Carmen Miranda, que seria          em impostos municipais.
apresentada em São Paulo e em Paris.         Além disso, há impactos positivos no
Durante a semana de moda paulistana,         turismo da cidade. Uma pesquisa da São
ele se negou a dar qualquer declaração       Paulo Turismo (SPTuris), realizada na
sobre o assunto à imprensa.                  34ª edição da SPFW, revelou que 12%
Para a coordenadora do curso de moda         dos cerca de 100 mil participantes são
da Faculdade de Belas Artes, Valeska         turistas e que eles movimentam cerca
Nakad, São Paulo é onde a moda brasi-        de R$ 26 milhões durante os cinco dias
leira acontece, e a SPFW é o palco para      em que ficam, em média, hospedados na
mostrar isso ao mundo. Ela cita Ronal-       cidade. O deslocamento do evento para
do Fraga, Alexandre Herchcovitch e o         o Parque Villa-Lobos lotou os hotéis da
próprio Pedro Lourenço como os prin-         região. O Go Inn da Avenida Jaguaré,
cipais designers brasileiros. O destaque     que cobra R$ 199,00 a diária, apresen-
de Lourenço, o mais novo deles, com          tou 90% de ocupação. Segundo a agente
21 anos, é sua excelência técnica, com a     de reservas Mariana Hono, no mesmo
utilização de tecidos tecnológicos e seu     período do ano anterior, quando o even-
estilo minimalista, sem exageros.            to foi realizado no Parque do Ibirapuera,
Para o inverno de 2014, Herchcovitch         a taxa de ocupação foi de 60%.
levou ao Theatro Municipal uma cole-         Para o organizador da semana, Pau-
ção com estilo romântico. Enquanto           lo Borges, a importância dos grandes
Lourenço optou por tecidos tecnológi-        eventos do setor para a cidade, além da
cos, ele apostou em materiais mais clás-     geração de empregos e arrecadação de
sicos, como rendas e bordados, além de       impostos, é mostrar ao mundo o pro-
cores em tons pastel e escuros. Ronaldo      fissionalismo do seu mercado de moda.
Fraga, por sua vez, elegeu o couro como      “Conseguimos mudar a imagem do
o tecido do próximo inverno, que, aliado     Brasil lá fora. Hoje, o estrangeiro não
a peças de crochê, estrelou sua coleção,     espera mais algo exótico na produção
inspirada no sertão.                         brasileira, ele espera boas ideias, produ-
                                             tos com criatividade.” Borges é mais um
A cidade de São Paulo recebe grandes         defensor de que a saída para uma balan-
eventos, de todas as áreas, durante o        ça comercial positiva é a exportação de
ano inteiro. No setor têxtil e de moda       produtos com valor agregado. O Brasil
se destacam também outras feiras, como       precisa vender marcas, não commodi-
a Premiére Brasil, de acessórios, fios e     ties. E a SPFW está aí para isso.
complementos têxteis que acontece em
10
Aline Valverde/Visionari

Escravos da Moda
Em meio às confecções de São Paulo, imigrantes bolivianos baixam a cabeça e enfrentam jornadas de até 14
horas por dia. Aliciados em seu país, eles vêm para São Paulo já em dívida com seus patrões brasileiros.

T
        odos os domingos, por volta das     horas por dia numa confecção do Brás,        jeitou à intensa jornada de trabalho, já
        11h da manhã, o colorido e os       Hugo Moreno, 29 anos, resolveu incre-        que seu salário seria de acordo com a
        sons da Bolívia invadem uma         mentar sua renda. O boliviano, de Oru-       quantidade de peças produzidas.
pequena praça no bairro Pari, zona les-     ro, expõe todos os domingos os produ-        Com tudo pago, Moreno resolveu se
te de São Paulo. Na quadra de cimento,      tos que recebe de seu país a cada 15 dias.   mudar para uma pensão no Pari, envol-
crianças disputam, às risadas, um tor-      Na empresa em que trabalha ganha em          veu-se com a comunidade do seu país e
neio de futebol. Os gritos de vendedo-      torno de R$ 250,00 por semana. Parte         teve a ideia de montar sua própria bar-
res, comuns em outras feiras nos bairros    desse dinheiro ele nem chegava a ver.        raca na feira local, onde fatura em torno
paulistanos, dá lugar ao som emitido        Quando veio para São Paulo, no início        de R$ 200,00 a cada domingo. Com o
harmonicamente pelos flautistas que ali     deste ano, sua viagem foi custeada por       dinheiro que ganha em seus dois em-
se reúnem. Há uma estreita relação en-      seu empregador brasileiro. Ao chegar ao      pregos no Brasil, ele pretende comprar
tre a moda brasileira e o fato daqueles     país, já acumulava essa dívida na con-       uma casa para viver com sua mulher e
bolivianos estarem ali, na praça Kantuta,   ta com seu patrão – que só aumentou.         filho quando voltar à Bolívia, em, “no
comercializando bolsas, polleras (saias),   Além de trabalhar, comia e dormia na         máximo, dois anos”, enfatiza. Ele, as-
casacos e outros produtos do vestuário e    pequena confecção do Brás, e tudo isso       sim como centenas de outros bolivianos
da culinária típica de seu país.            seria pago com seu esforço. Para se ver      que desembarcam todos os dias em São
Após seis meses trabalhando de 12 a 14      livre da dívida o quanto antes, ele se su-   Paulo, foi aliciado em seu país e veio
                                                                                                                                  11
para o Brasil para ter sua mão de obra     tidade presta aos imigrantes, está a in-     era bem diferente. Sem segurança algu-
explorada pela indústria têxtil local.     termediação nos acertos de contas en-        ma, veio lotado de bolivianos que ten-
                                           tre patrões e empregados. “A intenção        tariam a vida no Brasil. A proposta de
Dados oficiais do Ministério da Justiça    é somente receber o dinheiro, nenhum         emprego estava estampada num anún-
contabilizam cerca de 50 mil imigrantes    deles vem aqui para denunciar as péssi-      cio de jornal. Ganhando o equivalente a
bolivianos vivendo no Brasil. Porém, de    mas condições em que a gente sabe que        R$100,00 por mês como guia turístico
acordo com estimativas do consulado da     trabalham”, conta.                           em Oruro, ele não hesitou em se can-
Bolívia, esse número ultrapassa os 350     Se por um lado os próprios bolivianos        didatar à vaga no Brasil. Durante a via-
mil, sendo 300 mil só na cidade de São     têm medo de denunciar a situação por         gem, antes de cruzar a fronteira, em Co-
Paulo. Com frequência, esses imigrantes    receio de estarem ilegais no Brasil, por     rumbá, Mato Grosso do Sul, teve seus
são submetidos a jornadas exaustivas,      outro lado os empresários também têm         documentos recolhidos, e só foram de-
atividades forçadas e servidão por dívi-   medo de serem denunciados ao Minis-          volvidos após quatro meses de trabalho.
da.                                        tério do Trabalho. Segundo Patussi, os       Roque Patusi conta que muitos imi-
Esse regime de trabalho a que são ex-      empregadores sempre são chamados             grantes, que conseguem sair das confec-
postos os bolivianos que vêm trabalhar     para contar o outro lado da história e, na   ções em que vivem, procuram o Centro
na indústria têxtil da cidade de São       maioria dos casos, por saber que estão       de Apoio ao Migrante para tentar recu-
Paulo é considerado, no Brasil, como       errados, se dispõem a negociar com os        perar seus documentos. Assim como nas
uma atividade análoga à escravidão. Os     ex-funcionários.                             negociações de dívidas, os empregado-
bolivianos, porém, não veem dessa for-                                                  res costumam devolvê-los pelo mesmo
ma. Hugo Moreno, por exemplo, diz          As roupas típicas que Hugo Moreno            motivo: medo de serem denunciados.
que no seu país as pessoas estão acos-     vende aos domingos na praça Kantuta          Os trabalhadores que buscam essa ajuda
tumadas com a falta de emprego ou          são compradas por sua esposa em Oru-         são, geralmente, aqueles que desistem da
com condições de trabalho piores que       ro. Lá, ela despacha as encomendas do        vida no Brasil, e querem seus documen-
aquelas que encontram aqui. O coorde-      marido num ônibus convencional que           tos apenas para voltar ao seu país.
nador do Centro de Apoio ao Migrante       parte com destino a São Paulo, através
da Confederação Nacional dos Bispos        de um dos passageiros, com quem nego-        Em 2013, grandes grupos, como o GEP,
(CNBB), Roque Patusi, confirma essa        cia ao chegar à rodoviária.                  que controla as marcas Luigi Bertolli,
versão. Dentre as assistências que a en-   O ônibus que trouxe Moreno ao Brasil         Emme e Cori, o Restoque, das grifes
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Le Lis Blanc, Bo. Bô e John John, e        Para enfrentar o problema, algumas me-       tipo de prática, já que cancela o cadas-
as Lojas Americanas, foram acusados        didas, como um selo de certificação e até    tro no ICMS das empresas envolvidas,
de exploração de mão de obra de imi-       uma lei estadual, que inviabiliza a ativi-   impedindo suas negociações comerciais.
grantes. Todas essas marcas terceirizam    dade comercial de empresas envolvidas        A lei prevê a punição para empresas que
a produção de parte das suas coleções,     com esse tipo de mão de obra, foram          apresentem práticas trabalhistas análo-
através de confecções de bairros como      tomadas. O selo da Associação Brasilei-      gas à escravidão em qualquer elo da sua
o Brás e o Bom Retiro. Algumas dessas      ra do Varejo Têxtil (ABVTEX) foi lan-        cadeia produtiva.
terceirizadas utilizam esse tipo de mão    çado em 2010 e consiste na certificação      Apesar de todos os problemas que en-
de obra, ou tem como fornecedores ou-      de empresas de todos os elos da cadeia       frentam no Brasil, os bolivianos da praça
tras empresas que exploram essa forma      têxtil que não utilizam mão de obra es-      Kantuta riem e se divertem aos domin-
de trabalho. Não importa se o problema     crava – nem própria e nem de seus for-       gos. Roque Patusi lembra que a maioria
foi na malharia que confeccionou ape-      necedores. Mas há falhas.                    deles vem para ficar. E, quando tomam
nas as golas das camisas. A empresa que    A empresa HippyChick Moda Infan-             essa decisão, procuram o consulado de
terceiriza a confecção é responsável por   til, terceirizada pelas Lojas America-       seu país e o próprio Centro de Apoio ao
toda a cadeia de produção.                 nas, possuía essa certificação, mas tinha    Migrante para ajudá-los nesse processo.
Roque Patusi, do Centro de Apoio ao        como fornecedora a malharia onde             Porém, só cabe a essas instituições es-
Migrante, lembra que são muitos os ca-     foram identificadas características de       clarecer-lhes as maneiras pelas quais um
sos de bolivianos que chegam ao Bra-       trabalho escravo. Por meio de sua asses-     imigrante pode regularizar sua situação
sil, vivem nessas condições, e, depois,    soria de imprensa, a ABVTEX explicou         no país: casar-se com um brasileiro nato
quando quitam suas dívidas com seus        que a certificação depende de auditorias     ou com quem já possua registro perma-
patrões, abrem seus próprios negócios,     anuais e que, na época em que foi con-       nente; investir U$200 mil no país; pedir
como lanchonetes e malharias. Foi o        cedido o selo à HippyChick, sua cadeia       abrigo, sendo que é necessário provar
caso da empresa que confeccionava as       de produção não apresentava esse tipo        que vem de um país em conflito; ou
roupas infantis para as Lojas America-     de problema.                                 ter um filho no Brasil. Pelos choros de
nas. O dono do local, boliviano, empre-    Quanto à lei 1.034, sancionada pelo          criança e a quantidade delas brincando
gava cinco parentes na oficina sob pés-    Governador Geraldo Alkmin em janei-          na praça Kantuta, é provável que a úl-
simas condições de ventilação, higiene e   ro deste ano, Luís Camargo acredita que      tima opção seja a mais recorrida pelos
segurança.                                 ela será fundamental no combate a esse       bolivianos que vivem em São Paulo.
                                                                                                                              13
Do Lixo ao Luxo
O Brasil importa o mesmo material que descarta diariamente. No Bom Retiro, o Projeto Retalho Fashion prevê
transformar em fios todo o resto de tecidos das confecções do bairro.

T
        odos os dias, por volta das 7h       vasculhados pelos poucos catadores que     não pode ser reaproveitado pela própria
        da manhã, caixas e sacos de lixo     transitam pela região. Após uma breve      malharia é separado num saco destina-
        são colocados em frente às con-      análise visual, pouco, de todo aquele      do somente aos retalhos e colocado em
fecções do bairro Bom Retiro, em São         material, é selecionado por esses traba-   frente à loja na manhã seguinte. “Como
Paulo. Através do plástico transparente,     lhadores. Às 7h30, o caminhão de lixo      não há uma coleta específica, a recicla-
podem-se observar as cores dos reta-         da prefeitura começa a passar pelas ruas   gem vai depender do recolhimento, ou
lhos de tecidos ali depositados. Difícil é   do bairro e mistura ao lixo comum o que    não, pelos catadores”, explica Carvalho.
calcular o quão valioso eles possam ser.     poderia servir de matéria-prima para a
Segundo dados do Sindicato das Indús-        produção de novos fios, utilizada na fa-   O projeto Retalho Fashion, lançado em
trias de Fiação e Tecelagem do estado        bricação de novas roupas, sacolas, tape-   junho de 2012 pelo SintêxtilSP, prevê a
de São Paulo (SindtêxtilSP), as 1200         tes, redes.                                implementação de um serviço comple-
confecções do Bom Retiro enviam para         O gerente de produção José Paulo Car-      to de reciclagem dos resíduos têxteis no
o lixo 12 toneladas de retalho por dia.      valho, da Action, confecção de meias       Bom Retiro, através da mobilização dos
Enquanto isso, o país importa cerca de       no bairro, explica que os retalhos nada    empresários, capacitação de catadores,
12 mil toneladas desse material por ano.     mais são do que as sobras de cortes de     coleta seletiva e destinação da matéria-
Após serem depositados do lado de fora       tecido e, também, as peças com defeitos,   -prima para a indústria de fios. A pri-
dos estabelecimentos, os pacotes são         separadas ao longo do dia. Aquilo que      meira etapa já foi concluída. Com base
14
em questionários respondidos pelos fa-       ção da grife Osklen, Oskar Metsvathe,
bricantes do local, foi feito um levanta-    que desfila suas coleções na São Paulo
mento das necessidades logísticas para a     Fashion Week, conta que a empresa
implantação do projeto.                      prioriza a criação de peças que possam
Para a segunda fase, o presidente do         utilizar fibras recicláveis, como as de po-
SindtêxtilSP, Alfredo Emílio Bonduk,         liéster. É uma forma de reduzir os im-
conta que esteve reunido com o Secretá-      pactos ambientais inerentes à cadeia de
rio Municipal de Serviços, Simão Pedro,      produção.
no mês de setembro, para iniciar as con-     No Bazar das Noivas, no Jardim Vila
versas sobre a contratação dos serviços      Formosa, Zona Sul de São Paulo, pode-
de coleta. A previsão é de que o projeto     -se encontrar um produto que se trans-
seja plenamente executado dentro de          formou em símbolo da sustentabilidade:
um ano. Os recursos para a infraestrutu-     as sacolas ecológicas, ou ecobags. Lá são
ra devem vir da iniciativa privada. Já os    comercializados desde modelos para o
serviços de coleta deverão ser efetuados     dia a dia até encomendas de persona-
em parceria com a prefeitura municipal.      lização do produto para outros estabe-
Bonduk explica que a ideia é levar o         lecimentos, feiras e eventos. A sacola é
Retalho Fashion a todos os polos de          feita com poliéster e alguns modelos são
confecção da cidade e, na sequência, do      customizados com retalhos de tecido
estado de São Paulo – e que sirva de         de algodão. Segundo a gerente de pro-
modelo para todo o país. Ele conta que,      dução Marta Favoretto, as encomendas
segundo estimativas da Associação Bra-       vêm, muitas vezes, de estabelecimentos
sileira da Indústria Têxtil (Abit), o Bra-   que querem agregar valor a sua marca,
sil importou, em 2011, 12 mil toneladas      oferecendo esse tipo de embalagem aos
de trapos e, ao mesmo tempo, 80% das         seus clientes.
170 mil toneladas produzidas no país
foram parar no lixo.                         A pesquisadora de moda Lilian Berlim
Os 20% que são reciclados, provém do         explica que hoje começa a haver uma
trabalho de catadores informais, como        conscientização do consumo, com clien-
Júlio Mendes, de 28 anos. O catador          tes dispostos a pagar mais por produtos
passa todas as manhãs pelas ruas do          de material reciclado, que sejam éticos.
Bom Retiro empurrando seu carrinho,          Para ela, quando se aliam fibras de po-
onde cabem, segundo ele, cerca de 200        liéster, que vêm de garrafas PET, com
quilos de retalhos. O recolhimento dos       fibras de algodão, provenientes de reta-
sacos colocados em frente às confec-         lhos, têm-se um produto 100% recicla-
ções não é aleatório. “Nos retalhos de       do e com um grande valor agregado.
tecidos claros a gente ganha pouco. Eu       O projeto Retalho Fashion prevê a cria-
tento pegar só o que for colorido, por-      ção de uma associação de catadores, com
que ganho mais”, explica. As fabricantes     cursos profissionalizantes disponibiliza-
de fios pagam de R$1,00 a R$2,00 por         dos pelo Senai. Eles devem trabalhar
quilo de trapos, dependendo da cor, já       nas usinas de reciclagem, para onde as
que os coloridos exigem pouca ou ne-         confecções deverão enviar seus resíduos
nhuma tintura . Ao chegar a sua casa,        sólidos. Lá, será feito, em larga escala, o
Júlio separa os retalhos pelo tipo do ma-    mesmo trabalho que Júlio Mendes faz
terial e envia aos compradores. Quando       sozinho em sua casa. A partir daí, tem-
trabalha todos os dias, seu faturamento      -se a matéria prima para a indústria, que
semanal chega a R$ 1300,00.                  vai desfibrilar os tecidos e produzir fios.
                                             Se o projeto for adotado por todos os
A utilização de materiais reciclados já      estados com indústrias têxteis, o Brasil,
é um fato na indústria têxtil. Segundo       que é o quarto maior produtor de vestu-
dados obtidos por uma pesquisa da As-        ário do mundo, pode se tornar o maior
sociação Brasileira da Indústria do PET      produtor de fios e tecidos recicláveis.
(Abipet), 59% das garrafas PET descar-       Com a moda do país em evidência in-
tadas no Brasil são recicladas. Destas,      ternacional, é possível que tecidos eco-
a cada seis garrafas, 2,4 vão para a in-     lógicos sejam cada vez mais utilizados,
dústria têxtil, onde são utilizadas na fa-   tornando esse mercado um negócio
bricação de poliéster. O diretor de cria-    cada vez mais sustentável.
                                                                                     15
Trabalho de Conclusão do Curso de
Jornalismo da Universidade Federal de
Santa Catarina apresentado à disciplina
de Projetos Experimentais
Ministrada pela Profª. Gislene Silva
No segundo semestre de 2013
Orientador: Prof. Rogério Christofoletti
Acadêmico: Lucinei João Schmitz
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