DC - Colégio Dante Alighieri
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DC DANTECultural Publicação do Colégio Dante Alighieri Ano XVI - Número 44 - dezembro de 2020 ISSN 1980-637X TRADIÇÃO EM MEIO À PANDEMIA LA TRADIZIONE NELLA PANDEMIA Festas italianas de São Paulo mudaram de formato, mas não Le festività italiane a San Paolo deixaram de celebrar São Vito e hanno cambiato forma, ma non Nossa Senhora Achiropita – e nem hanno mancato di celebrare San Vito e la Madonna Achiropita — né de produzir fogazza, ghimirella, di produrre fogazza, ghimirella, cannoli e altre prelibatezze cannoli e outras delícias
{EDITORIAL} DC DANTECultural CARTA AO LEITOR (ISSN 1980-637X) é uma publicação do C olégio Dante A lighieri Alameda J aú, 1061 S ão Paulo-SP Fone: (11) 3179-4400 www . colegiodante . com . br Traduzione della lettera al lettore a pagina 57 DIRETORIA EXECUTIVA JOSÉ LUIZ FARINA Presidente Ao longo de 9 meses de pandemia, a possibilidade de contar com os MÁRIO EDUARDO BARRA Vice-Presidente recursos tecnológicos, especialmente o acesso à internet e as redes FRANCISCO PARENTE JÚNIOR sociais, nos deixou menos sozinhos. Muitas das atividades presenciais Diretor Secretário migraram para o ambiente on-line com sucesso. Mas o contato humano, PAULO FRANCISCO SAVOLDI 2º Diretor Secretário o abraço e as celebrações coletivas têm nos feito muita falta. Para as JOÃO RANIERI NETO pessoas envolvidas na organização das festas italianas de São Vito e da Diretor Financeiro Nossa Senhora da Achiropita, as comemorações deste ano foram bem MILENA MONTINI mais limitadas. Mas, como conta nossa reportagem de Capa, elas fizeram 2º Diretor Financeiro FLÁVIA GOMES RIBEIRO PIOVACARI o possível para manter as homenagens ao santo e à santa — e entregar 2ª Diretora Adjunta as delícias da cozinha para quem espera o ano todo para saboreá-las. SALVADOR PASTORE NETO Diretor Adjunto O médico patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de SÉRGIO FAMÁ D’ANTINO Medicina da USP, está na Entrevista desta edição. Saldiva, que é ex- Diretor Adjunto aluno do Dante, teve a rotina intensificada por conta da pandemia de SILVIO MARIA CRESPI Diretor Adjunto Covid-19, já que está envolvido com estudos que analisam clinicamente o comportamento do coronavírus no corpo. A atração pelas pesquisas DIRETORIA EDUCACIONAL vem desde os tempos de Colégio, como ele próprio nos conta a partir Valdenice Minatel Melo de Cerqueira Diretora-Geral Educacional da página 18. Angela de Cillo Martins Mas também de leveza tratamos por aqui: no ano em que se celebra o D iretora P edagógica E ducação Infantil e Ensino F undamental 1 centenário de nascimento do autor Gianni Rodari, a DC 44 traz uma Sandra M aria Rudella Tonidandel reportagem sobre o legado do italiano que defendia a fantasia e a D iretora P edagógica imaginação como elementos imprescindíveis para transformar o mundo E nsino Fundamental 2 e Ensino Médio Elenice Maria Boniolo Ziziotti em um lugar melhor. Sua obra é dedicada ao público infantil, mas D iretora de Relações Humanas e Convivência certamente pode inspirar também a nós, adultos. Publisher: F ernando Homem de M ontes As páginas dedicadas aos comes (e bebes) deste número da revista vêm Editora: Marcella C hartier equilibradas em prazeres e autocuidado: em Gastronomia, a história ( jornalista responsável - MTb: 50.858) e os pratos saborosos do TonToni Trattoria, casa que tem à frente o Projeto Gráfico: chef Gustavo Rozzino, que aprendeu a cozinhar com o avô ainda na G rappa Marketing E ditorial infância. No Perfil, o barman e empresário Ale D’Agostino conta como Revisão: Camilla de Rezende começou a vender drinks engarrafados — com destaque para o Negroni Diagramação: Simone Alves Machado (feito de Campari, vermute tinto e gim). Já na seção Mesa Consciente, Versão em italiano: Mayara N eto/Bruno Vianello a chef Silvia Percussi, nossa ex-aluna e colaboradora, compartilha um Revisão do italiano : L uciana D uarte B araldi hábito familiar: o de uma dieta in bianco, mais leve e saudável, para COLABORADORES: A driano De L uca, Elena W esley, Giacomo Vicenzo, Laura purificar o organismo depois dos abusos à mesa — fica como sugestão F olgueira, L uisa A lcantara e S ilva, L uisa D estri, Pâmela para o pós-festas de fim de ano. Carbonari, Renata M iwa, Silvia Percussi T iragem: E dição digital - Colégio D ante A lighieri - Alameda Por fim, no Papo Aberto desta edição, a professora Elenice Ziziotti, Jaú , 1061. São P aulo-SP - Fone: (11) 3179-4400 www. diretora de Relações Humanas e Convivência do Colégio, conta sobre o colegiodante . com . br trabalho que vem sendo feito na área, criada em 2019. E nvie suas sugestões e críticas para dantecultural @ cda . colegiodante . com . br Boa leitura! C apa: A rthur F ujii FERNANDO HOMEM DE MONTES As declarações de nossos entrevistados não refletem , necessariamente , a opinião do Colégio. PUBLISHER DEZEMBRO 2020 • 3
ENTREVISTA CAPA O médico e ex-aluno Paulo Saldiva relembra os tempos de A pandemia impossibilitou as Dante e fala sobre as influências aglomerações — mas nem por isso que sua formação em nossa os responsáveis pela organização das escola exercem até hoje em sua festas de São Vito e de Nossa Senhora vida profissional Achiropita deixaram de celebrar e de 18 produzir as delícias que, neste ano, também foram entregues no sistema INTERVISTA delivery Il medico ed ex studente Paulo Saldiva ricorda i tempi della Dante e racconta le influenze che la sua 08 formazione nella nostra scuola ha tuttora sulla sua vita professionale COPERTINA 18 La pandemia ha reso impossibile l’assembramento, ma le persone responsabili dell’organizzazione delle feste di San Vito e della Madonna Achiropita non hanno mancato di celebrare e produrre le prelibatezze che, quest’anno, sono Capa/08 state consegnate nel sistema di consegna a domicilio Copertina/08 08 Entrevista/18 PERFIL Intervista/18 O barman e empresário Ale D’Agostino Literatura/24 Letteratura/24 e seus drinks engarrafados — como o HISTÓRIAS(6), ARTE(32) e COMIDA(44) centenário (e italiano) Negroni 50 Espaço Aberto/28 Spazio Aperto/28 STORIE(6), ARTE(32) e CIBO(44) Centro de Memória/30 Centro della Memoria/30 Cultura/34 Cultura/34 Ensaio Fotográfico/38 Servizio fotografico/38 Gastronomia/46 Gastronomia/46 Perfil/50 Profilo/50 Mesa Consciente/52 Tavola Consapevole/52 PROFILO Il barista e imprenditore Ale D’Agostino e le sue bevande in bottiglia — come il centenario (e italiano) Negroni Papo Aberto/54 50 Parliamoci chiaro/54 4 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 5
Arthur Fujii Capa/08 Entrevista/18 Literatura/24 HISTÓRIAS Espaço Aberto/28 Centro de Memória/30 STORIE Copertina/08 Intervista/18 Letteratura/24 A festa de São Vito, em 2020 realizada com distanciamento social Spazio Aperto/28 La festa di San Vito, celebrata nel 2020 con distanziamento sociale Centro dela Memoria/30 6 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 7
{CAPA/COPERTINA} DEVOÇÃO SEM AGLOMERAÇÃO Com delivery e distanciamento social, festas italianas mantêm tradição em São Paulo Por Giacomo Vicenzo Fotos: Arthur Fujii DEVOZIONE SENZA AGGLOMERAZIONE Con le consegne a domicilio e la distanza sociale, le feste italiane mantengono la tradizione a San Paolo Traduzione dell’articolo a pagina 58 8 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 9
{CAPA} A quase 10 mil quilômetros do Brasil, do outro para construir uma primeira capela. Essa pequena lado do oceano Atlântico, está a comuna italiana capela, depois, se tornou uma igreja, que hoje de Rossano, na Calábria, de onde veio, viajando é a que frequentamos”, conta Maria Emília. A em um navio dentro de caixas de cebola, a imagem calorosa participação dos imigrantes e de seus de Nossa Senhora Achiropita. Confeccionada por descendentes, bem como a música, transformam escultores da região, a estatueta teve como destino o Bixiga em uma pequena Itália paulistana. final a região que hoje dá lugar às ruas estreitas Maria Emília, que hoje cuida das relações e a dezenas de ladeiras do tradicional bairro do públicas do evento, marca presença na festividade Bixiga, em São Paulo. desde antes de nascer: ainda no ventre de sua A chegada da imagem antecedeu a construção mãe, já “participava”. O trabalho voluntário para da paróquia, fundada em 4 de março de 1926, servir e preparar comidas acompanha sua família que homenageia a “madona mãe de Cristo”, há gerações, mas neste ano as dinâmicas impostas como se refere Maria Emília Conte Moitinho, de pela Covid-19 também colocaram à prova o 72 anos, à santa. Ela faz questão de relembrar as esforço e a união da comunidade italiana. O histórias contadas pelos antigos sobre o início da povo marcado pelo traço festivo teve que adotar tradição que deu origem à festa de Nossa Senhora o distanciamento, e a festa que reunia anualmente Achiropita, que há mais de 100 anos espalha o cerca de 250 mil pessoas em 2020 mandou cheiro das comidas italianas pelo bairro. “Quando embalar a tradição para viagem com um propósito a imagem chegou a São Paulo, não tinham onde nobre. “Nós temos uma obra social muito grande, deixá-la e começaram a fazer festas em 1910. atendemos mais de 1 mil pessoas diariamente e Foi feito um altar, faziam leilões, a banda tocava precisamos do recurso da festa. O delivery ajudou músicas italianas e assim arrecadaram dinheiro na arrecadação”, explica Maria Emília. “Nós temos uma obra social, atendemos mais de 1 mil pessoas diariamente e precisamos do recurso da festa. O delivery ajudou na arrecadação”, explica Maria Emília Moitinho, que cuida das relações públicas da festa da Achiropita “Abbiamo un’opera sociale, aiutiamo più di 1.000 persone ogni giorno e abbiamo bisogno delle risorse ricavate dalla festa. La consegna a domicilio ha aiutato con la raccolta”, spiega Maria Emília Moitinho, che si occupa delle pubbliche relazioni della festa della Madonna Achiropita 10 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 11
{CAPA} Pintada por mãos divinas “Quando a imagem chegou a São Paulo, não tinham onde deixá-la e começaram a fazer festas em 1910. Foi feito um altar, faziam leilões, a banda tocava músicas italianas e assim arrecadaram dinheiro para construir uma primeira capela”, conta Maria Emília sobre a fundação da igreja da Achiropita “Quando l’immagine à arrivata a San Paolo, non c’era un posto dove lasciarla e la comunità ha iniziato a fare feste in suo onore nel 1910. È stato costruito un altare, ci sono state delle aste, una banda suonava musica italiana e così sono stati raccolti i fondi per costruire una prima cappella” Maria Emília Moitinho O calor da aglomeração não foi possível, mas a atualmente, é utilizada por uma creche, além da comida aqueceu os corações dos devotos da santa própria festa. Neste ano, ela chegou à sua 102º e de participantes que não perdem uma edição da edição sem intervalos, mas sem a presença das tradicionais mammas, que por segurança, por festa. “No nosso tradicional delivery não poderia conta da Covid-19, foram afastadas do evento. faltar a fogazza, que é o carro-chefe de que Assim como outros setores da organização do todo mundo gosta. Também tivemos macarrão, evento, ficou por conta dos jovens o preparo dos pimentão recheado, berinjela recheada, cannoli e pratos típicos que comumente enchem a quadra tiramisù”, conta ela. de frequentadores que buscam saborear as delícias Para a produtora de eventos Marcela Merlo, de da culinária italiana. 43 anos (e que há 11 trabalha como voluntária na cozinha), manter a tradição, ainda que de forma diferente, é importante, e a ajuda dos voluntários é essencial. “Contamos sempre com eles para a preparação dos nossos pratos. Nós nos dedicamos todos os dias para que tudo corresse perfeitamente.” A festa costuma ter início em agosto e seguir até o mês de setembro, mas neste ano, para aumentar a arrecadação, manteve as entregas dos pratos típicos até o início de novembro, e a opção trouxe clientela. “Trabalhamos todos os dias nas semanas No século VIII, um artista pintava a imagem da Virgem Maria em uma que antecederam os finais de semana da festa”, igreja na cidade italiana de Rossano, na Calábria. Estranhamente, todo o diz Marcela. seu trabalho desaparecia durante a noite e tinha de ser iniciado novamente no dia seguinte. Os moradores da cidade, intrigados, escalaram um guarda Jovens assumindo a tradição para tomar conta da entrada da igreja no período noturno. Conta a tradição São Paulo também é palco de outras tradicionais cristã que uma moça muito bela com uma criança nos braços insistiu para festas italianas. A de São Vito acontece tanto na rezar algum tempo naquela noite, e o vigia acabou cedendo e deixando-a Associação Beneficente São Vito Mártir quanto na entrar. Depois de algum tempo, o vigia foi conferir se estava tudo bem e não Paróquia São Vito Mártir, e ambas homenageiam “A raiz da minha família é o Brás, todos já fizeram parte do evento. Já encontrou a mulher, mas a pintura, anteriormente inconclusa, completou-se o santo católico originário da Sicília — estão a trabalhei na festa como sorteador, na barraca do churrasco e neste ano com os rostos da mulher e da criança que ela segurava nos braços. O guarda poucos metros uma da outra. fiquei responsável por aferir a temperatura dos visitantes”, conta Juan saiu correndo pelas ruas gritando “Achiropita!”, que significava “não feito Depreto, que participa da festa de São Vito desde criança A mais antiga é a da associação, que existe por mãos humanas”, dando a entender que a pintura havia sido realizada “La radice della mia famiglia si trova nel Brás, tutti hanno già partecipato all’evento. desde 1918 no bairro do Brás e está sediada em pelo poder divino. Ho già lavorato alla festa come sorteggiatore, alla bancarella della grigliata e uma grande quadra poliesportiva, que no início quest’anno sono stato responsabile di misurare la temperatura dei visitatori”, dos anos 1990 reunia um time de futebol e, racconta Juan Depreto, che participa alla festa di San Vito sin da piccolo 12 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 13
{CAPA} sentir falta de um ingrediente tipicamente Participar do evento é um ato que une italiano: o contato. “É uma festa muito tradição e fé para Juan, que é batizado familiar, e tínhamos o costume de abraçar na igreja e devoto de São Vito, padroeiro e beijar todo mundo. Agora está tudo dos artistas. Neste ano, suas mãos muito distante pela segurança”, lamenta. trocaram as fichas e espetos da barraca O ator Juan Depreto, de 30 anos, de churrasco pelo termômetro que afere participa da festa como voluntário desde a temperatura dos visitantes. Além disso, 2003, quando ainda era uma criança. há dois anos ele começou a ajudar na “Meu avô fazia parte da diretoria social divulgação do evento, mostrando que da associação. A raiz da minha família é a tecnologia pode ser uma aliada da O preparo da fogazza, o Brás, todos já fizeram parte do evento festividade centenária. “Cuido do site e carro-chefe da festa e da associação. No início, eu trabalhava de todas as redes sociais. Quero trazer de Nossa Senhora na festa como sorteador, fiquei dois anos a festa para as mídias, usar QR code no Achiropita nessa função. Em 2005, passei a ficar na cardápio, mas sem perder o que já foi Il preparo della fogazza, il fiore all’occhiello della barraca do churrasco, coordenando”, construído até aqui. Precisamos sempre festa della Madonna explica ele. nos adaptar aos tempos”, comenta. Achiropita O sistema delivery O chef de cozinha Joel Cardoso, de entrada da associação, um termômetro foi a alternativa 39 anos, foi quem assumiu a grande aferia a temperatura dos visitantes, que encontrada para manter responsabilidade de preparar os pratos tinham a opção de retirar o prato e a arrecadação para as que aprendeu com as mammas ao longo levar para comer em casa ou fazer uma obras sociais mantidas dos 22 anos em que vem participando refeição rápida no local, em mesas de pelas associações Il sistema di consegna da festa como voluntário. A vocação apoio com distanciamento adequado. a domicilio è stata para a gastronomia, inclusive, surgiu Os cerca de 200 quilos de fígado bovino, l’alternativa trovata per na comunidade. “Comecei como geralmente usados por final de semana continuare a fare la raccolta per le opere voluntário, alguns amigos do ramo foram para preparar a clássica ghimirella, sociali mantenute dalle me inspirando. Sempre acompanhei espécie de churrasco tradicional, caíram associazioni as mammas e sigo à risca as receitas para 60 quilos e serviram cerca de 200 delas. Agora, elas estão afastadas e a pratos, menos da metade dos 800 pratos responsabilidade é nossa, dos mais servidos no ano anterior à pandemia de jovens”, diz Joel. Covid-19. A festa, que reunia cerca de 10 mil Mas a saudade não é só a de ver a participantes, neste ano também teve fartura matar a fome do público reunido. esse número reduzido e limitado. Na E o chef Joel certamente não é o único a 14 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 15
{CAPA} A festa costuma ter início em agosto e São Vito/Guido – protege de mordidas seguir até o mês de setembro, mas em de cobra a sono excessivo 2020, para aumentar a arrecadação, São Vito/Guido viveu em meados do século III e morreu como mártir da igreja. Teve sua morte ordenada manteve as entregas dos pratos típicos pelos imperadores Diocleciano e Maximiano, que perseguiam os cristãos. O santo é conhecido como até novembro padroeiro dos epilépticos e dos acometidos pela “Praga de São Vito”, suposta maldição que atingiu a Europa La festa inizia entre os séculos XV e XVII e causava surtos de dança coletivos e histéricos. A doença misteriosa já chegou a solitamente ad agosto causar a queda de uma ponte na França, depois que vários cidadãos dançaram freneticamente sobre ela ao e prosegue fino al mese di settembre, mesmo tempo. Os feridos foram abrigados numa capela dedicada ao santo. As preces para São Vito também ma quest’anno, per incluem a proteção contra tormentas, mordidas de cobras e sono excessivo. aumentare gli incassi, le consegne sono andate avanti fino a novembre A Covid-19 também mudou a data da festa, que Entre os projetos que a festa de Nossa Senhora Achiropita geralmente acontece em junho, mas excepcionalmente ajuda a manter estão um centro de atendimento para neste ano foi em outubro. Juan percebeu mais mudanças pessoas em situação de rua e um núcleo de convivência causadas pela pandemia. “As festas tradicionalmente para idosos. Na Associação Beneficente São Vito Mártir, têm muitas filas, mas a edição de 2020 foi muito vazia. os eventos sustentam financeiramente uma creche que Eu me assustei, foi um impacto muito forte. Algumas atende cerca de 100 crianças em período integral em senhoras tiveram a participação vetada, por segurança. uma parceria com a Prefeitura de São Paulo. Os voluntários mudaram dos avós para os filhos e netos. As duas festas também lembram os participantes da O show da banda italiana foi substituído pelo som chegada dos imigrantes, que ocuparam e construíram Para Luiz, a festa de 2020 também pôde ser uma alegria e apoio para muitas pessoas. Nesse sentido, ambiente.” bairros inteiros da capital. Mantê-las vivas, mesmo em válvula de escape para as dificuldades que estamos chegamos inclusive a promover uma live de música meio à pandemia de Covid-19, é uma forma de seguir vivendo. “A pandemia está sendo um momento italiana durante o mês da festa. Foi um sucesso em Obras sociais, fé e memória celebrando a memória e a cultura italianas. difícil para todos. Muitos estão sofrendo com nossas redes sociais, com milhares de interações Os recursos angariados nas festas da Nossa Senhora “Colaborar, para mim, significa ajudar na preservação depressão, falta de convívio, de lazer. O festejo e muito entretenimento: uma forma de matar um Achiropita e na de São Vito promovida pela Associação cultural de nossa comunidade. A São Vito se mantém e a fé renovada em São Vito foram pontos de pouco da saudade do evento tradicional”, conta. Beneficente São Vito Mártir são destinados às obras como um reduto italiano centenário em São Paulo. A sociais mantidas pelas instituições. Segundo Maria devoção católica ao santo vem de Polignano a Mare, Emília, que faz parte da organização da festa de Nossa cidade na província de Bari de onde veio a grande Senhora Achiropita, o evento tem bases e objetivos maioria dos italianos instalados aqui na Zona Cerealista sólidos. “O primeiro é a devoção à santa. O segundo é do Brás. Entre eles, meus bisavós e os familiares de tantos manter a tradição, com a comida e com elementos que outros voluntários ou participantes assíduos”, comenta o lembram nossos antepassados. E o terceiro é ajudar a médico Luiz Lervolino, de 24 anos, que há cinco trabalha manter as nossas obras sociais”, explica. na festa de São Vito, seja na barraca de focaccia, seja nas A organização da redes sociais do evento — neste ano, também ajudou a festa de São Vito também permitiu recrutar jovens para assumir as funções das pessoas do a retirada de grupo de risco, que precisaram ser afastadas. Ghimirella, o churrasco Os pais de Luiz contraíram Covid-19 no início de comida diretamente nas barracas e o dos camponeses abril e escolheram continuar ajudando no corpo a consumo no local – com distanciamento O tradicional prato italiano tem sua origem nos corpo. “Minha mãe e minha tia estiveram na quadra social e poucos tempos da Grécia Antiga, ao sul da península presencialmente para preparar antepasto e ghimirella visitantes por vez itálica, na época conhecida como Grande Grécia. durante a semana – e para servir o público nos finais Gli organizzatori della O prato era feito com partes de animais que os ricos de semana”, comenta. A ligação afetiva das cozinheiras festa di San Vito hanno anche permesso ai dispensavam, como fígado de cabrito e vísceras de com sua missão é forte. Luiz lembra-se de uma mamma visitatori di ritirare i porco. Hoje, é mais comumente produzido com já falecida que se dedicou à missão por mais de 70 piatti direttamente fígado bovino nas festas italianas brasileiras. anos. “Angelina Maellaro Centrone preparava e ficava alle bancarelle e di consumarli sul posto na barraca de ghimirella, sempre sentada espetando os — con distanziamento pedaços de fígado e as folhas de louro intercalados nos sociale e pochi espetos que iam para a brasa.” visitatori alla volta 16 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 17
{ENTREVISTA/INTERVISTA} POR UMA MEDICINA MAIS HUMANA Na linha de frente do combate ao novo coronavírus, o ex-aluno Paulo Saldiva reflete sobre o cenário da ciência e da política no Brasil e no mundo Por Elena Wesley PER UNA MEDICINA PIÙ UMANA NIn prima linea nella lotta al nuovo coronavirus, l’ex studente Paulo Saldiva riflette sullo scenario della scienza e della politica in Brasile e nel mondo Traduzione dell’articolo a pagina 60 O jaleco branco tem sido a principal companhia religiosamente de bicicleta ingressou na universidade aos do médico patologista Paulo Saldiva nos últimos oito 17 anos e lá se aprofundou na compreensão das doenças meses. A pandemia de Covid-19 intensificou a rotina do cardiorrespiratórias, das questões ambientais e de sua professor da Faculdade de Medicina da USP, que, a partir relação com as desigualdades sociais. Logo passou a Arquivo pessoal Paulo Saldiva/arte: Adriano De Luca do prognóstico de pacientes, análise em laboratório e participar de comitês que regulam o padrão de qualidade realização de autópsias, tem se dedicado a entender como do ar e a incidência de câncer em grandes instituições, o coronavírus se comporta no organismo humano. entre elas a Organização Mundial da Saúde, a Organização “Pesquisamos se o vírus vai para o cérebro e por Meteorológica Mundial, a Agência Internacional de quanto tempo permanece nele, se passa para o feto Pesquisa em Câncer e a Sociedade Internacional de Saúde através da placenta, por que dá trombose, como afeta Urbana. os vasos [sanguíneos]. Estamos perto de cem autópsias Aos 66 anos de idade, o pesquisador se aventura de diferentes cidades e tivemos quase 400 pacientes no rádio e na TV, nos quais debate a ciência de forma internados no Hospital das Clínicas. As análises ajudam os acessível e provoca reflexões em defesa da qualidade clínicos que estão na UTI e viram um biorrepositório a ser de vida da população, em vista de um Brasil no qual o compartilhado mundialmente”, explica. quadro de saúde ou doença não seja determinado mais A paixão por encontrar respostas é resultado das aulas do pelo endereço de um paciente do que pelo seu código Dante Alighieri. O menino inquieto que chegava ao colégio genético. 18 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 19
{ENTREVISTA} DC: O Dante influenciou na sua carreira e na andar muito, então fomos perdendo massa muscular e escolha pelo campo da medicina? ganhando na parte cerebral, enfim houve uma série de Dr. Paulo Saldiva: Venho de uma família de médicos. adaptações genéticas para absorver [nutrientes] com Naquela época, não tínhamos muitas opções: era maior eficiência possível. À medida que as atividades direito, medicina ou engenharia, meio caretão. Mas mudam, que a violência urbana não permite que as o que eu fui fazer na medicina foi influenciado pelo crianças brinquem na rua, que o trabalho passa a “Cuidar da saúde humana é Dante. Eu sempre quis ser pesquisador e descobri isso ser digitar no computador, surge um conjunto todo também melhorar a fisiologia do nos laboratórios de física, química e principalmente nas aulas práticas de biologia, por causa da exposição de adaptações que levam à obesidade. Para resolver isso não é preciso só fazer dieta, é necessário mudar ambiente urbano, cuidar de outros ao método científico que eu tive enquanto aluno. a organização do trabalho, melhorar a mobilidade aspectos que deveriam estar O Dante foi central na minha formação, porque me urbana. embutidos em políticas públicas permitiu ter essa base, ao me oferecer uma mistura É por isso que estamos reduzindo a expectativa para melhorar a qualidade de muito sólida das humanidades e das ciências naturais. de vida, e o mais afetado é quem é mais pobre. O Sofri um acidente praticando judô, uma lesão óssea risco de morrer de infarto agudo do miocárdio antes vida das pessoas.” grave que me deixou internado por meses e, por isso, do tempo varia quase 16 vezes no território de São “Per prendersi cura della salute não consegui fazer cursinho, mas ainda assim entrei Paulo, influenciado por pobreza, cor da pele e nível umana bisogna migliorare la na USP aos 17 anos. Sou muito grato ao Dante, lembro educacional, fatores que nem estão na faixa da medicina. Em geral, a expectativa de vida é muito fisiologia dell’ambiente urbano, até hoje de aulas, construí algumas das maiores prendendosi cura anche di altri amizades da minha vida. baixa nos cortiços do Centro, melhora no centro mais urbanizado e vai caindo conforme se chega à aspetti che dovrebbero essere DC: Que memórias você destacaria desse tempo? periferia. Ou seja, de acordo com a estação do metrô incorporati alle politiche pubbliche Lembra de professores em particular? em que você desce dá para saber seu risco de morrer. per migliorare la qualità della vita PS: Ah, eu poderia fazer uma lista. Lembro Isso quer dizer que cuidar da saúde humana é também delle persone.” perfeitamente da dona Rosa, do primeiro ano, melhorar a fisiologia do ambiente urbano, cuidar de que me ensinou a ler, da professora de história Ebe outros aspectos que deveriam estar embutidos em Reale, a de italiano, Piera Stefani. Havia o professor políticas públicas para melhorar a qualidade de vida de matemática Ivo Carletti e a Anna Albanesi, o de das pessoas. química, que era o Edson Albuquerque, e a Germana Di Angelis, de desenho. O professor Doracy Monteiro, DC: A relação entre as desigualdades sociais e a de português, o Sérgio Peres, de biologia. Lembro das incidência de doenças vale também para a poluição aulas de filosofia do Demo Ghidelli, e do Gianfederico do ar, que é um eixo central dos seus estudos. Se a Porta, diretor da escola. Essas pessoas ocupam meus poluição mata mais do que a tuberculose, por que não veículos, programar a retirada da frota que circulava PS: Sempre gostei de me comunicar, de fazer a sonhos e minhas memórias, sou muito grato a elas. há investimento para combatê-la? na cidade, fazer motores mais leves e avançados. No tradução da tecla SAP. Na patologia nós precisamos Eu sempre fui muito inquieto. A minha ficha no PS: A poluição do ar é ilegível, existe uma sutileza, Brasil, acontece o contrário: as mesmas corporações fazer muito isso com o aluno. Faz seis anos que eu fui Colégio não era das melhores. Nos anos 1960 e 1970 assim como acontece com o tabaco ou com alimentos lutam para manter o padrão mais antigo por causa da para o Jornal da Cultura, no qual participo de quadros muitos professores vinham da Itália, com uma relação com alto teor de gordura. O segundo aspecto é lucratividade. semanais. Não recebo nada, mas me divirto muito. disciplinar rígida, mas, para uma pessoa como eu, foi que aquilo que produz poluição geralmente está Foi uma espécie de escola, porque tive que começar DC: Seria esse um exemplo para explicar o conceito útil ter encontrado esse contraponto. Eu entrei muito associado a coisas que geram conforto ou privilegiam a ler coisas que eu não lia. Logicamente eles montam de racismo ambiental ao qual o senhor aborda, esse pequeno, no que era chamado jardim de infância, e o individualismo. Com exceção dos antivacinadores, uma pauta mais de ciência e saúde quando eu estou, compromisso superficial de sustentabilidade das fui até o terceiro ano do colegial, então passei uma representados em 20% da população, se eu anunciasse mas, se cai crise no Oriente Médio, eu tenho que empresas? parte substancial da minha vida, da minha formação uma vacina eficiente para o coronavírus, a maior parte estudar xiitas e sunitas, então comecei a ler jornais PS: Quando a mesma empresa tem procedimentos como indivíduo, ali. Eu era tão ligado ao Colégio, que das pessoas iria gostar, haveria certo consenso. Mas se internacionais. diferentes de acordo com a região em que atua é o ao longo do meu curso médico e do início da minha eu quisesse defender apenas ônibus ou carro na rua, Depois disso, fui para o Futura. O canal havia que eu chamo de racismo ambiental. Na Europa se carreira, quando eu tinha mais tempo, eu andava de já haveria conflito, porque o tema não é consensual encomendado uma série de programas para explicar paga o preço, aqui no Brasil a vida humana ainda bicicleta até a faculdade e parava no Dante. Passava e envolve coisas que são muito caras às pessoas. A o que acontecia na ciência na cidade de São Paulo é um pouco mais barata, então, pode-se subsidiar por aqueles corredores e me encontrava com meus poluição gera emprego, o coronavírus tira. e procurava um jornalista, mas era uma tarefa difícil. uma alternativa energética com dinheiro e perda da amigos imaginariamente, falava com meus professores, Quando comecei a estudar poluição nos anos Precisava ler o projeto, entender e explicar, então produtividade de quem morreu. até que eles foram se aposentando, falecendo... Às 1980, era uma causa à procura de uma doença. Hoje, acharam melhor chamar um cientista. Fiz também a A saúde ambiental envolve quesitos de direitos vezes me convidam para a semana científica, e é uma sabemos que morrem no mundo seis a sete milhões coluna do Jornal da USP e um programa para jovens humanos. Venho estudando muito o conceito do oportunidade para voltar no tempo. de pessoas por ano por poluição do ar. É quase quatro sobre a cidade, o Urbanite. Mas o que eu gosto mesmo racismo ambiental, lendo materiais de áreas diferentes. vezes mais do que a malária! A poluição do ar está é de rádio. Acho que foi isso o que o Dante me ensinou. Estudar DC: Em sua atuação como patologista e pesquisador, relacionada com infecção respiratória em idosos e No momento em que a ciência está sob ataque, não para fazer os exames, mas aprender e exercer esse você enfatiza o quanto é incomum enxergar o ambiente crianças, infarto, câncer de pulmão e possivelmente é muito importante dizer que a educação científica aprendizado. Conhecer diferentes áreas, ler Espinoza, como parte da saúde. Por que isso acontece? de bexiga, baixo peso ao nascer, prematuridade é fundamental para o desenvolvimento do país, dar A Divina Comédia, é muito raro hoje. PS: A cidade deixa, tanto no ambiente físico quanto e abortamentos. Só que existe muito interesse às pessoas o encantamento da ciência, para que no cultural, social e econômico, uma impressão econômico envolvido. Quando nós publicamos na DC: A interlocução entre conhecimentos das descubram a liberdade que a ciência oferece de digital no corpo das pessoas. Veja a obesidade. Nós The Lancet [publicação de divulgação científica] ciências naturais e das humanas também lhe levou à ter uma curiosidade e poder se dedicar a resolvê-la nos preparamos durante quase 150 mil anos para que a poluição do ar ocasiona câncer de pulmão, comunicação, com a participação em programas de usando o método científico. Ele é útil não apenas passar fome. Para caçar ou colher frutas, tínhamos que a Europa começou a testar a emissão de diesel dos TV e rádio. Como você ingressou nesse ramo? para quem quer ser cientista, mas para todos, porque 20 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 21
{ENTREVISTA} o conhecimento não se esgota na conclusão de um todo mundo. O curso de medicina não ensina isso, A peste dá força ao calvinismo e à reforma da igreja, promoção de qualidade de vida. Que recado você curso do Ensino Superior, sempre é preciso aprender então vamos ter que aprender de outro jeito. Vai além por ter se afastado da centralidade, se adornado deixaria para os vereadores e prefeitos recém-eleitos? por si próprio. de tratar bem o doente na consulta ou entender o SUS. por coisas que não eram fundamentais, e também PS: O poder local pode fazer mais do que o federal, É entender como ele vive, os valores que ele tem, não dá imagem ao estado autoritário, com quarentena, que tem o recurso. Pode produzir um diagnóstico DC: Você acha que programas como esses apenas os individuais, mas populacionais também. isolamento, que não tinham precedentes antes. Essas e tentar unificar as políticas públicas ao redor de contribuem para a democratização da ciência, A incidência e a mortalidade de câncer de colo de coisas que nós discutimos hoje estão presentes há qualidade de vida e saúde, que vai além de montar sobretudo em tempos de notícias falsas? útero na Arábia Saudita relacionam-se com mudança muito tempo, inclusive chegaram ao Rio de Janeiro unidade básica e hospital. Só se fala em inaugurar PS: Eu espero que sim. Há muito do processo criativo de vida do HPV ou com a situação que as mulheres com a Revolta da Vacina. O sanitarismo tem um quê hospital, e é importante ter, mas tem mobilidade das artes. Ciências humanas e naturais andam juntas. vivem no país, sem poder fazer exame preventivo? de viés autoritário, para haver progresso. urbana, tem espaço de convivência, especialmente O conteúdo de humanidades na medicina será muito Acho que o trabalho vai mudar muito para quem para idosos. maior no futuro, porque ler os valores culturais da DC: A pandemia evidenciou a importância pode, de acordo com o nível de educação e de Estamos numa crise mundial da democracia pessoa, conhecer o ambiente em que ela vive, conta. da ciência, num período de ataques sem muito ocupação. Muitas corporações vão reduzir suas sedes participativa, mas temos algumas evidências que com Quando houve o surto de febre amarela em São embasamento e de cortes de investimento por parte físicas e talvez as pessoas que estão na periferia sejam a galera mais nova será diferente. Nós temos uma Paulo, o Hospital das Clínicas recebeu centenas do governo. Que saldo o senhor tira desse período? trazidas para morar no centro, próximo aos serviços. geração de prefeitos – sem fazer juízo de valor – que de pacientes. Tivemos 80 mortos jovens, até que PS: Todas as crises levam à mudança. A ciência Seria então um rearranjo urbano. Vai haver estímulo à colocou as avenidas em cima dos rios. Perdemos a descobrimos pela autópsia os mecanismos que evoluiu de forma espantosa, seja a produção de mobilidade ativa. Aqui em São Paulo nunca se vendeu chance de ter avenidas e parques ao lado dos rios, levavam a febre a lesar essa faixa etária. Conseguimos vacinas, seja o entendimento sobre ventilação tanta bicicleta. Para a logística é bom. Em Copacabana como previam os planos diretores. Contudo, a luta chegar ao tratamento e reduzir a mortalidade de 80% mecânica, sejam os mecanismos de como a o que chega aos quiosques vai de bicicleta. pelo transporte coletivo a partir de junho de 2013 para menos de 20%. Uma das últimas autópsias que resposta respiratória sistêmica pode levar à morte de entrou na agenda dos prefeitos por meio de demanda nós fizemos era de uma gestante de 23 anos. Ela morava pessoas jovens. E formaram-se redes de cooperação DC: Esperar mais investimento na ciência no Brasil popular. Eu acho que existem movimentos a serem numa região de risco, foi tomar a vacina e, como internacional muito eficientes. Não que os cientistas é otimismo? copiados, como a ONG Redes da Maré. Conheci a não se sabia ainda se o vírus passava pela placenta, sejam uma sociedade perfeita, mas ela faz mais PS: Eu esperaria que a crise resultasse em acordos [fundadora] Eliana Sousa Silva e o projeto de gestão recomendaram que ela se mudasse. Não ocorreu colaborações do que governos, até pelo custo e pela internacionais, mas a discussão está em comprar ou e construção de políticas públicas, de identificar a quem a atendeu se ela poderia fazer aquilo ou complexidade. não vacina chinesa, essas coisas absurdas. Existe ainda potencialidades, de investir na economia regional. chamar uma assistente social que pudesse averiguar a Acredito na mudança de costume, assim como um longo caminho no nosso país, num momento de Ou seja, um prefeito tem que andar na rua, descer situação. Não é uma questão de despreparo, é que não aconteceu por conta da peste bubônica. No século XV, avanço de certo fundamentalismo ignorante. do carro oficial e conhecer a realidade. Assim como faz parte do nosso treinamento verificar se aquilo que XVI, no início do Renascimento, pintores flamencos Não creio que nós tenhamos um reforço na ciência nós médicos precisamos entender a alma de quem nós estamos falando é possível de ser executado, não e alemães abordavam a natureza morta de Vanitas. no atual cenário político brasileiro. Eu acho que nos procura, o vereador e o prefeito têm que entender faz parte colocar-se no lugar da pessoa. Eu acho que Não havia frutas nem alimentos, mas instrumentos vamos estar sob ataques, inclusive em São Paulo. A a alma da cidade que administram. As cidades têm esse entendimento vai ser cada vez mais importante musicais, relógios, objetos de grande valor e um primeira coisa foi a tentativa do governo de tirar verba vida, engordam, envelhecem, desenvolvem doenças no mundo de hoje, em que o acesso não vale para crânio, mostrando como eram efêmeros aqueles bens. da Fapesp e das universidades públicas, justo de quem e precisam ser tratadas com muitos exames. E isso segurou as pontas do estado nessa pandemia. Ainda não é política de gabinete, é política de contato direto estamos muito mal de lideranças. com as pessoas, de ouvir com humildade. E tem outra coisa. Se você trata vacina como commodity, você não produz vacina contra o Arquivo Pessoal coronavírus. A Influenza muta todo ano, então tem que tomar vacina todo ano para pegar os vírus que “No momento em que a ciência está sob ataque, é muito importante estavam circulando no ano anterior. Daí, se aparece um vírus tipo o H1N1 em 2009, já existem fábrica dizer que a educação científica é fundamental para o desenvolvimento e tecnologia para produzir. No caso do coronavírus, do país, dar às pessoas o encantamento da ciência, para que tanto no Sars-2002 como no Mers-2012, o surto descubram a liberdade que ela oferece — ter uma curiosidade e poder durou pouco, então quem investiu em vacina perdeu dinheiro, porque, quando ela ficou pronta no tempo se dedicar a resolvê-la usando o método científico. Ele é útil não normal de dois, três anos correndo, já não havia apenas para quem quer ser cientista, mas para todos, porque sempre é para quem vender. Hoje, é dinheiro a fundo perdido preciso aprender por si próprio.” para preparar vacina para esses vírus mais estáveis, porém de potencial pandêmico, a fim de que se possa “In un momento in cui la scienza è sotto attacco, è molto importante dire che produzir a vacina para o coronavírus. Temos uma l’educazione scientifica è fondamentale per lo sviluppo del paese, mostrare mudança no vírus a cada oito anos mais ou menos, são alle persone la magia della scienza, in modo che scoprano la libertà che ci doenças com características de letalidade distintas. Se Dr. Paulo Saldiva offre di avere una curiosità e poter svelare tutto su di essa utilizzando il metodo tivesse sido mantida a estrutura desde os primeiros tomando posse na scientifico. È utile non solo per chi vuole fare lo scienziato, ma per tutti, perché surtos, nós teríamos a chance de uma vacina em seis Academia Nacional l’apprendimento non si ferma alla conclusione di un corso di laurea, è sempre meses. E agora se viu que, por não ter isso, as perdas de Medicina, em 2018 necessario imparare da soli.” econômicas foram enormes. Dott. Paulo Saldiva che riceve la nomina di DC: O livro “Saúde e Meio Ambiente: o membro a pieno titolo desafio das metrópoles” (editora Instituto Saúde e presso l’Accademia Sustentabilidade), que você assina como autor e Nazionale di Medicina coordenador, aborda o papel do poder público na nel 2018 22 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 23
{LITERATURA/LITERATURA} A FANTASIA QUE TRANSFORMA Autor e pensador da educação infantil, Gianni Rodari completaria cem anos em 2020, com um legado que permanece atual Por Elena Wesley Arte: Adriano De Luca LA FANTASIA CHE TRASFORMA Autore e pensatore dell’educazione della prima infanzia, Gianni Rodari avrebbe compiuto 100 anni nel 2020, con un’eredità che resta attuale Traduzione dell’articolo a pagina 63 Do país sem ponta onde Joãozinho Vagamundo se deparou com Até sacramentar seu nome no mundo das palavras como jornalista rosas sem espinhos e casas de quinas arredondadas ao rato que e autor, no entanto, Rodari percorreu um longo caminho, de perdas relatava ter comido gatos, cachorros e rinocerontes, Gianni Rodari e sacrifícios. Aos nove anos de idade, as dificuldades que já lhe entrelaçou o inusitado e a realidade em uma grande brincadeira. acompanhavam se acentuaram: a morte do pai o obrigou a morar Para o pensador e autor italiano, parodiar era uma forma de estimular com uma tia. Para fugir de um ingresso precoce no mercado de as crianças a se tornarem seres mais criativos e críticos, capazes de trabalho, ele se matriculou no Seminário e, depois, cursou o mudar o mundo à sua volta. No ano de seu centenário, o legado Magistério. O sonho de se tornar músico parecia cada vez mais pedagógico e literário deixado pelo educador permanece atual: distante, porém a vida lhe reservava outros caminhos para dar vazão diante dos conservadorismos de sua época, já projetava que “é a ao interesse pelas artes. criatividade que nos salvará, não a lógica”. Professor de formação já aos 17 anos, Gianni começou a lecionar Gianni Rodari nasceu em 1920, na cidade de Omegna, na italiano aos filhos de uma família judia que havia imigrado para região de Piemonte, ao norte da Itália. Seus pais trabalhavam como a Itália com o objetivo de fugir do nazismo alemão. Às margens padeiros e, apesar de intensa, a jornada de trabalho não se traduzia do lago Maggiore, a aula acontecia todas as manhãs, o que lhe garantia tempo livre no resto do dia para ler e passear. Submerso em grandes lucros. Em contrapartida à falta de recursos financeiros, nos pensamentos de Dostoiévski, Rodari começava a questionar a a infância de Rodari foi marcada pela riqueza cultural italiana. A rigidez das imposições sociais recorrentes na escola e no discurso e tradição oral presente nas canções e histórias populares, que faziam ações do governo fascista de Benito Mussolini. parte das celebrações e do dia a dia duro da população mais pobre, O interesse político o cativou de vez na década de 1940, com influenciaria sua atuação como pedagogo e escritor infantil décadas a ascensão do movimento de resistência italiana. Rodari, então, depois, como demonstram as obras La Freccia Azzurra e La Gondola aproxima-se da esquerda e de seus veículos de comunicação. Fantasma, publicadas em 1954 e 1978, respectivamente. 24 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 25
{LITERATURA} Curiosamente, foi a atuação como jornalista político próprias palavras. Munari acompanha isso nas capas suas inusitadas aventuras. A última possibilidade – Gramática da Fantasia é a obra mais famosa de que o levou a escrever para crianças, a convite do de livros: No lugar do número do telefone, coloca e preferida do autor – é a que o senhor muito bom Rodari no Brasil. Voltada a educadores, o livro L’Ordine Nuovo. Com o pseudônimo Francesco grafismos e desenhos infantis.” nunca mais ouviu uma voz a chorar, pois “ninguém traz sugestões de exercícios que ativem o papel Aricocchi, Rodari publicava contos baseados em Em Fábulas por Telefone, o viajante senhor mais chora, ninguém mais é infeliz. E talvez um dia da imaginação no aprendizado. Entre as técnicas lendas populares nas edições de domingo. As histórias Bianchi conta para a filha, todas as noites, histórias isso seja possível. O velho senhor é velho demais para apresentadas, estão a salada de fábulas, que consiste bem-humoradas e inventivas fizeram sucesso e, assim, extraordinárias, como a de Tiago de Cristal, um menino chegar a ver esse dia. Mas continua a se levantar, pois em misturar personagens, lugares e fatos de histórias surgiram O Livro das Ladainhas e As Aventuras de transparente, cujos pensamentos e sentimentos eram o que tem de ser feito tem de ser feito, sempre, sem diferentes; ou ainda jogos de palavras com antônimos. Cipollino, suas primeiras obras voltadas ao público sempre revelados, ao ponto de impulsionar toda jamais perder a esperança”. O livro integra o acervo Fora da sala de aula, a influência de Rodari impactou a infantil, sob o pseudônimo de Lino Picco. a cidade a questionar a tirania de um ditador que de publicações do autor italiano pela Editora 34. experiência das crianças nos museus, com a criação de Ao contrário do autoritarismo que marcara sua ascendera ao poder. Era o jeito poético com o qual Apesar da inventividade e do Prêmio Hans Christian laboratórios táteis por Bruno Munari, na expectativa de geração, Rodari defendia o incentivo à imaginação Rodari indagava o mundo e convidava as crianças a Andersen conquistado em 1970, que equivale ao que as obras deixassem de ser explicadas por adultos, e à criatividade como um ingrediente essencial serem protagonistas de tal processo. Nobel da área, o trabalho de Gianni Rodari demorou e a leitura pudesse colaborar com a interpretação e para a formação educacional. Sem falar de forma À produção literária o pensador somou uma rotina a ser publicado no Brasil. Dependente da seleção criação mais livre das crianças. infantilizada, tratava os de visitas a escolas, de paradidáticos das escolas e ainda influenciado Mais do que técnicas, educadores e pesquisadores pequenos de igual para onde, de sala em sala, pelo nacionalismo exacerbado da ditadura militar, o convergem ao definir o legado pedagógico e literário igual, crendo que “a lia as histórias e via tímido mercado de literatura infantil brasileiro ganhou de Rodari como uma forma de acreditar na inteligência linguagem é coisa que A infância de Rodari foi marcada a reação dos alunos. as primeiras edições do escritor por meio da editora infantil, com responsabilidade ética e compromisso deve fazer a criança pela riqueza cultural italiana. Sua pedagogia da Martins Fontes somente na década de 1990, dez anos humano. Como podemos perceber em seu discurso crescer”. Para isso, imaginação tornava a após a morte do italiano. O hiato, no entanto, não ao vencer o Prêmio Hans Andersen, Rodari hoje nos valeu-se de elementos A tradição oral presente nas criança um interlocutor impediu a influência de Rodari sobre outros artistas convocaria a recorrer às fábulas para educar nossa simples: a palavra, canções e histórias populares, e questionava a no Brasil e no mundo. “Murilo Mendes fez a ponte mente e acessar a realidade por outros caminhos. um desenho, uma que faziam parte das adaptação a regras entre Brasil e Itália, os ilustradores Leo Lionni e Saul “É preciso ter uma grande fantasia, uma forte provocação iniciada celebrações e do dia a dia impostas pelo Steinberg levaram para os Estados Unidos as mesmas imaginação para ser um grande cientista — para por um “e se?”. A partir modelo educacional ideias da gráfica do livro como estímulo criativo. imaginar coisas que ainda não existem — para dali, a fantasia tomava duro da população mais pobre, vigente, pelo qual Não é uma ilustração do texto, mas instrumento para imaginar um mundo melhor do que aquele em que conta e a vontade de influenciaria sua atuação como inventar valia menos estimular a inventividade, a capacidade da criança”, vivemos e botar mãos à obra para construí-lo”. (Trecho fazer perguntas tendia pedagogo e escritor infantil. do que obedecer. destaca Migliaccio. do discurso de Rodari no prêmio Hans) a crescer. “Ele evidenciava as Nos anos 1950 “L’infanzia di Rodari è stata segnata potencialidades da e 1960, Gianni dalla ricchezza culturale italiana. La criança, conversava Rodari se dedicou tradizione orale presente nelle canzoni para despertar sua ao público infantil e nelle storie popolari, che facevano vontade de fazer sob forte influência parte delle celebrazioni e della dura perguntas. Mesmo o dos debates sobre vita quotidiana della popolazione più leitor adulto se sente humanismo e ética povera, avrebbe poi influenzato la sua assim ao ler Rodari”, entre os intelectuais performance di pedagogo e scrittore” afirma o escritor e da época. O ilustrador artista plástico Alberto Bruno Munari se Martins, em alusão tornou seu principal à sua experiência aliado no jogo de pessoal com o autor. palavras e imagens, como conta o professor doutor Foi aos pés da mãe numa tentativa de aprender Luciano Migliaccio, do Departamento de História da italiano que Martins se deparou com o pensador e se Arquitetura e Estética da USP. “A ilustração do século encantou pela coletânea de Histórias para Brincar, na XIX buscava explicar o conteúdo do texto, mas Munari qual Rodari apresenta e explica três finais possíveis adotou outros elementos. Rodari gostava muito de para cada conto. Na fábula “Vozes na Noite”, toda teatro de marionetes, jogos para crianças, chegava vez que está prestes a dormir, um senhor ouve uma a fazer esculturas, tipo origamis, para montar em voz que chora, se levanta e viaja por colinas, cidades e quartos de hotel que, segundo ele, eram anônimos e continentes para ajudar quem está em sofrimento. No tristes. Cabia à escultura animar a viagem. É assim que primeiro final, já muito cansado, opta por usar tampões R$ 43 R$ 49 Favole al telefono [publicado em 1962] traz histórias de ouvido para ter ao menos uma noite de sono. No que nascem do que parece ser um erro, uma invenção segundo, é preso acusado injustamente de roubo na linguística, do non sense, e promove a diversão pelas região por seus próprios vizinhos, desacreditados de 26 • Revista DANTECultural DEZEMBRO 2020 • 27
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