DC DANTECultural - Colégio Dante Alighieri
←
→
Transcripción del contenido de la página
Si su navegador no muestra la página correctamente, lea el contenido de la página a continuación
DC DANTECultural Publicação do Colégio Dante Alighieri Ano XVI - Número 42 - maio de 2020 ISSN 1980-637X CADA OLHAR, UMA HISTÓRIA OGNI SGUARDO, UNA STORIA Os registros de fotógrafos ítalo-brasileiros (como Emidio Luisi, que hoje se debruça sobre o tema da imigração italiana) enriquecem a nossa memória iconográfica há mais de um século Gli scatti di fotografi italo-brasiliani (come Emidio Luisi, che oggi si concentra sul tema dell’immigrazione italiana) arricchiscono la nostra memoria iconografica da oltre un secolo
{EDITORIAL} DC DANTECultural (ISSN 1980-637X) CARTA AO LEITOR é uma publicação do C olégio Dante A lighieri Alameda J aú, 1061 S ão Paulo-SP Fone: (11) 3179-4400 www . colegiodante . com . br Traduzione della lettera al lettore a pagina 65 José Luiz Farina Presidente Francisco Parente Júnior Há muitas formas de contar histórias. Capturar imagens é uma delas e, nesta edição, Diretor-Secretário dedicamos a nossa matéria de Capa à fotografia produzida por italianos e descendentes Paulo Francisco Savoldi 2º Diretor-Secretário que vieram viver no Brasil. Emidio Luisi é uma referência da fotografia de imigração, João Ranieri Neto temática que o levou a investigar sua própria história – ele nasceu na região da Diretor Financeiro Campanha e se mudou para o Brasil aos 7 anos. Emidio clicou imigrantes italianos de Milena Montini bairros como o Bixiga, Barra Funda, Brás, Mooca e Lapa, e sua obra rendeu livros e 2ª Diretora Financeira Flavia Gomes Ribeiro Piovacari exposições que, explorando conceitos como partida, regresso, memória e reencontro, Diretora Adjunta integram Brasil e Itália. A reportagem traz, ainda, outros nomes da fotografia ítalo- Mario Eduardo Barra brasileira, como o de Gioconda Rizzo, mulher pioneira que no início do século XX já Diretor Adjunto produzia retratos; e Vincenzo Pastore, que deixou como principal legado cenas de uma Salvador Pastore Neto Diretor Adjunto São Paulo das ruas, com feirantes, quituteiras, engraxates e desvalidos invisibilizados Sérgio Famá D’Antino pela sociedade. Diretor Adjunto A temática da fotografia e da italianidade reaparece algumas páginas adiante, no Valdenice Minatel Melo de Cerqueira Diretora-Geral Educacional Ensaio Fotográfico: nosso colaborador Arthur Fujii retratou rostos de pessoas que têm em suas origens as raízes italianas misturadas às japonesas, alemãs, libanesas, africanas, indígenas. Publisher: F ernando H omem de Montes Editora: Marcella Chartier Na seção Gastronomia, uma casa de pratos italianos descomplicados, executados ( jornalista responsável - MTb: 50.858) pelo chef Benny Novak: a Tappo Trattoria — que segue atendendo pelo delivery neste Projeto Gráfico: momento de isolamento social. A Vinheria Percussi, da chef e ex-aluna Silvia Percussi, G rappa Marketing Editorial também vem entregando seus pratos em casa. Nossa colaboradora da seção Mesa Revisão: C amilla de Rezende Consciente traz, nesta edição, um tema importante: a menopausa. Silvia reúne dicas Diagramação: Simone Alves Machado para amenizar os desconfortos dessa fase que, claro, passam pela comida. Versão em italiano: Mayara Neto/Bruno Vianello Revisão do italiano : L uciana Duarte Baraldi Na seção Medicina, especial desta edição, aproveitamos a visita do cardiologista Marco Comercial: G rappa Marketing Editorial/ Bobbio, secretário-geral da Slow Medicine, para uma entrevista sobre a organização e juliano @ grappa . com . br / tel .: (11) 4837-5788 seus princípios. Outra boa conversa, publicada na seção Entrevista, foi com a ex-aluna, COLABORADORES: cicloativista e comunicadora Renata Falzoni, que estudou no Dante durante 13 anos A rthur Fujii , Bárbara Monteiro, Camila Rolli C onti , D ebora Pivotto, F red D i G iacomo, João e compartilhou conosco lembranças divertidas desse período. A DC 42 traz, ainda, o M ontenegro, L aura F olgueira, L uisa A lcantara e Perfil do spalla da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), Emmanuele Silva , Luisa Destri, Sérgio Zacchi, Silvia Percussi, Baldini, italiano radicado no Brasil apaixonado pela música desde menino. V aldenice M inatel Melo de Cerqueira. Tiragem: Edição digital No Papo Aberto, a professora Valdenice Minatel M. de Cerqueira, diretora-geral E nvie suas sugestões e críticas para educacional do Dante, entrevista Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, especialista dantecultural @ cda . colegiodante . com . br em educação e tecnologias, formação de professores, web currículo, cultura digital e C apa: S érgio Zacchi educação, e narrativa digital. As declarações de nossos entrevistados não refletem , necessariamente , a opinião do C olégio . Boa leitura! FERNANDO HOMEM DE MONTES PUBLISHER MAIO 2020 • 3
PERFIL CAPA O músico italiano radicado no O legado e a trajetória Brasil Emmanuele Baldini, spalla de fotógrafos e fotógrafas da Orquestra Sinfônica do Estado ítalo-brasileiros que de São Paulo (Osesp) eternizaram cenas de 24 ruas paulistanas e casas PROFILO cearenses, retratos Emmanuele Baldini, musicista italiano radicato in femininos e a própria Brasile e spalla dell’Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) história da imigração 24 italiana 08 COPERTINA L’eredità e la storia dei fotografi e fotografe italo-brasiliani che hanno Capa/08 eternato scene delle vie di San Paolo e Copertina/08 delle case di Ceará, ritratti femminili e la storia stessa dell’immigrazione italiana Perfil/24 08 Profilo/24 Cultura/26 ENSAIO FOTOGRÁFICO Cultura/26 A diversidade de raízes nos rostos de Ensaio Fotográfico/32 ARTE(6), COMIDA(38) e HISTÓRIAS(46) brasileiros e brasileiras descendentes de imigrantes italianos Servizio fotografico/32 ARTE(6), CIBO(38) e STORIE(46) 32 SERVIZIO FOTOGRAFICO Gastronomia/40 Gastronomia/40 La diversità delle radici sui volti dei brasiliani e brasiliane discendenti degli immigrati italiani Mesa Consciente/44 32 Tavola Consapevole/44 Entrevista/48 Intervista/48 Espaço Aberto/56 Spazio Aperto/56 Medicina/58 Medicina/58 Centro de Memória/61 Centro della Memoria/61 Papo Aberto/62 Parliamoci chiaro/62 4 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 5
Emidio Luisi ARTE Capa/08 Perfil/24 Cultura/26 Imagem do livro Ballet Stagium, Ensaio Fotográfico/32 do fotógrafo Emidio Luisi Immagine del libro Ballet Stagium, del fotografo Emidio Luisi Copertina/08 Profilo/24 Cultura/26 Servizio Fotografico/32 6 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 7
{CAPA/COPERTINA} RETRATOS ÍTALO-BRASILEIROS Por Luisa Alcantara e Silva Olhares de fotógrafos de origem italiana que compõem os registros de nossa história desde o início do século XX RITRATTI ITALO-BRASILIANI Sguardi di fotografi di origine italiana che compongono i registri della nostra storia sin dall’inizio del XX secolo Traduzione dell’articolo a pagina 66 Emidio Luisi Capa do livro Italia Mia!, a ex-freira italiana chamada Dorina foi clicada no momento em que Emidio perguntou se ela acreditava em Deus Copertina del libro Italia mia!, l’ex-suora italiana Dorina fu cliccata nel momento in cui Emidio le chiese se credeva in Dio 8 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 9
{CAPA} Emidio Luisi A fotografia provoca diversas sensações. e modesto das ruas paulistanas naquele Pode comover, arrebatar, incomodar, tempo em que isso não era preocupação enternecer. Mas, para além de tudo isso, ela de ninguém?”. A resposta, ele dá logo a conta uma história, a partir de um ponto de seguir: “Na verdade, não nos interessam os vista: o de quem está por trás da câmera reais motivos que levaram Pastore a fazer em um determinado espaço e tempo. E esse seus instantâneos; o que nos importa é que olhar é guiado por um conjunto de fatores estas fotos nos mostram São Paulo sendo e motivações. “Quando você está em outro vivida e nos levam a pensar que, sem elas, lugar, com pessoas de uma cultura diferente continuaríamos sabendo do dia a dia das da sua, seus sentidos ficam mais aguçados, ruas somente por ouvir dizer... Só uma das você tem mais curiosidade”, afirma João fotos dele vale por várias páginas de velhos Kulcsar, professor do curso de graduação cronistas de nosso cotidiano”. em fotografia do Centro Universitário No caso dos fotógrafos italianos ou ítalo- Senac, sobre o olhar de quem chega de brasileiros que trabalharam no Brasil, houve outra realidade. “Os fotógrafos de fora do quem mostrasse essa São Paulo cotidiana Brasil vinham, e vêm, com outro olhar. Eles desconhecida das classes mais abastadas, enriquecem os registros do nosso país.” a cidade fora dos casarões e longe da Em 1997, o Instituto Moreira Salles (IMS) riqueza, como fez Pastore. Houve também organizou a mostra São Paulo de Vincenzo quem inovasse no enquadramento para Pastore, sobre um dos mais importantes a sua época, quem registrasse problemas fotógrafos da capital paulista no início do sociais de outras regiões do país, e há século XX, que era italiano, vindo da região ainda quem faça, como imigrante italiano, da Puglia. No livro de apresentação da um retrato da própria imigração. A seguir, exposição, o arquiteto e historiador Carlos conheça o trabalho de quatro profissionais A. C. Lemos questiona: “Por que Pastore de origem italiana que fizeram de seus obstinou-se em fotografar o povo simples cliques registros de épocas e culturas. Do início da carreira, quando Emidio Luisi retratava cenas do teatro paulistano (imagem de uma peça dirigida por Antunes Filho) Scatto dell’inizio della carriera, quando Emidio Luisi ritraeva scene del teatro di San Paolo (immagine di un’opera teatrale diretta da Antunes Filho) 10 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 11
{CAPA} UMA PÁTRIA SÓ Vivendo em São Paulo desde os 7 anos, o fotógrafo ítalo-brasileiro Emidio Luisi se debruça sobre o tema da imigração Emidio Luisi Quando tinha cerca de 10 anos, o então um trabalho muito legal com ele no bairro do garoto Emidio Luisi recebeu uma carta de uma Bixiga e, depois que ele foi embora, continuei tia da Itália perguntando o que ele gostaria de interessado no tema”, conta Emidio. Em cada ganhar de presente. Sem saber por quê, ele casa em que entrava, ele se lembrava de sua respondeu: “uma câmera fotográfica”. Era o infância em Sacco, pequena comuna italiana na final da década de 1950 e as encomendas região da Campanha, em Salerno. “Então, minhas demoravam para vir da Itália ao Brasil, mas, lembranças começaram a ser despertadas ali, ao alguns meses depois, o pacote chegou. Emidio ver o semelhante, e percebi que nunca tinha me abriu aquela caixa impressionado com a interessado muito pela minha história”, afirma. máquina, que tinha até flash. “Aquele presente A parceria com Spini teve uma boa repercussão me acompanhou por muitos anos”, lembra-se e Emidio começou, sem nenhum compromisso, o fotógrafo ítalo-brasileiro, hoje com 71 anos. a fotografar outros bairros de imigrantes na Durante sua adolescência, usou a câmera para cidade de São Paulo. Partiu para os outros mais registrar eventos como os desfiles de fanfarra e tradicionais: Barra Funda, Brás e Mooca. Clicou, os campeonatos esportivos em sua escola, em ainda, os imigrantes da Lapa, mais especificamente São Paulo. da região da Vila Romana, onde seu trabalho de Na hora de prestar vestibular, também sem pesquisa o levou a uma conclusão: “O bairro não saber muito por quê, Emidio escolheu o curso de é tão conhecido pela questão da imigração quanto arquitetura. Mas o cursinho era no Bixiga, mesmo os outros porque os italianos que foram para lá bairro em que seu irmão mais velho vivia e não trouxeram uma santa para a comunidade, mantinha um ateliê, e isso atrapalhou um pouco o que agregava muito os imigrantes, que se os planos da faculdade. “Eu ficava mais vendo reuniam em torno da santa”, explica. É o caso ele trabalhar do que nas aulas, e acabei não de festas como a Nossa Senhora Achiropita, no entrando na faculdade de arquitetura.” Escolheu Bixiga, e a de San Gennaro, na Mooca. “Não é seu plano B: como sempre gostou de números, que os imigrantes da Vila Romana fossem menos prestou matemática. E entrou. Durante quase 15 religiosos. Acho apenas que não conseguiram ter anos após formado, lecionou a disciplina, mas o uma unidade… O Bixiga, por exemplo, começou contato com o trabalho do irmão lhe interessava com os calabreses; a Mooca, com napolitanos; já cada vez mais. No fim dos anos 1960, Pietro na Vila Romana tudo era mais misturado.” Luisi estava produzindo cenários e figurinos Emidio foi fotografando os bairros italianos de de peças apresentadas nos teatros paulistanos, São Paulo e, depois de 15 anos de pesquisa (alguns e Emidio acabava o acompanhando, com sua tendo trabalhado como fotojornalista de revistas câmera nas mãos – já não era mais aquela dada como Veja), em 1997, lançou seu primeiro livro, pela tia. Foi assim que ele começou sua carreira Ue’Paesà. “O título, que em português significa como fotógrafo e, hoje, tem cliques publicados ‘Oi, conterrâneo’, faz referência à forma como os em importantes livros como Ballet Stagium, imigrantes se cumprimentavam”, diz o fotógrafo. Imagens do Teatro Paulista e Imagens da Dança Mais tarde, em 2010, ele publicou outro livro, em São Paulo. Paesani, com imagens de imigrantes não só de São Mas foi como assistente do fotógrafo Sandro Paulo, mas de outros estados em que os imigrantes Spini que ele entrou em contato com outra italianos se fixaram, como Paraná, Santa Catarina Kazuo Ohno, dançarino temática: a fotografia de imigração. “Até pela e Rio Grande do Sul. Dois anos depois, o livro, e fotógrafo japonês que além de fotos de Emidio tem textos de Kazuo Ohno, ballerino e facilidade do idioma, acabei desenvolvendo fotografo giapponese 12 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 13
{CAPA} Do livro Ballet Stagium, Emidio Luisi também do início da carreira de Emidio Dal libro Ballet Stagium, un’altro scatto dall’inizio della carriera di Emidio
{CAPA} A fotografia de Sergio Zacchi imigração é destaque na obra de Emidio. imóvel, por exemplo, era um espaço de 25 metros quadrados, e não do tamanho de um quarteirão, Cronista das ruas Vincenzo Pastore deixou importantes registros Em cada casa em como se lembrava. da São Paulo do começo do século XX que entrava quando Outro momento marcante daquele primeiro começou a fazer Nascido na comuna de Casamassima, no sul tipos e costumes das ruas de uma cidade ainda imagens de imigrantes retorno foi quando um primo lhe contou que havia da Itália, Vincenzo Pastore veio ao Brasil pela pacata que pouco tempo depois seria desfigurada no bairro do Bixiga, uma senhora que era a única moradora de uma primeira vez em 1884. Viveu por um ano em São pelo desenvolvimento econômico, com flagrantes ele se lembrava de sua cidadezinha mais acima da montanha – Sacco infância em Sacco, Paulo, voltou à Itália e, em 1899, retornou à capital de personagens marginais e trabalhadores de rua fica no sopé dela. No primeiro dia, Emidio subiu paulista. Montou seu estúdio fotográfico na rua da pequena comuna como jornaleiros, feirantes e engraxates”. italiana na região da até a comuna de Roscigno Vecchia sem a câmera, Assembleia, na região central. Nele, trabalhava “Pouco lhe importava o espetáculo da elite Campanha, em Salerno pois sabia que não poderia espantar a moradora com sua mulher, Elvira Pastore, responsável reunida na confeitaria Castelões ou nos salões do La fotografia daquele local quase fantasma. No segundo dia, ele pelo laboratório. Ficou conhecido por fazer os sull’immigrazione è un café O Ponto, tão frequentados pelos homens de punto centrale nell’opera trocou um olhar com a senhora. “Isso fez com que chamados “retratos mimosos”, com moldura posse e pelas pessoas importantes”, escreveu o di Emidio. Ogni casa in eu fosse me aproximando dela, mas sem assustá- especial e detalhes como flores e arabescos. cui entrava quando iniziò professor e crítico literário Antonio Arnoni Prado Largo da Sé, atualmente la”, conta Emidio. No terceiro dia, sua última Mas sua importância se dá especialmente pelos a fare foto di immigrati no livro Na rua – Vincenzo Pastore, do IMS. ocupado pela praça da nel quartiere di Bixiga gli oportunidade, pois iria voltar ao Brasil, o fotógrafo ensaios do cotidiano que fez de São Paulo no início Sé (1912) ricordava la sua infanzia a Segundo Prado, Pastore conseguia flanar pela pegou sua máquina digital e foi até ela. “Queria do século XX. O Instituto Moreira Salles descreve Largo da Sé, dove Sacco, un piccolo comune cidade por ter uma câmera mais leve. “Italiano attualmente si trova la italiano della Campania, in trazer a coisa do encantamento quando a pessoa sua obra como “um valioso painel documental de anônimo perdido na Pauliceia, as agruras da vida Praça da Sé (1912) provincia di Salerno se vê na imagem.” A estratégia deu certo e Emidio conseguiu ganhar a credibilidade de Dorina, uma Vincenzo Pastore /Acervo Instituto Moreira Salles ex-freira que abandonou o hábito e decidiu ir morar com os cachorros. O clique, escolhido como capa do livro Italia Mia!, foi feito no momento em Wladimir Catanzaro, ganhou uma exposição no que ele pergunta se ela acreditava em Deus – uma Sesc Pinheiros. imagem de Dorina olhando para cima, reflexiva. O próximo livro veio em 2018, após Emidio “ter “Eu achei que ela se abriu para mim, mas, depois uma luz”. “Eu estava escaneando fotos que havia percebi, ela que me abriu. Abriu meu olhar”, feito da Itália desde que voltei para lá, e percebi revela Emidio, que, com Dorina, aprendeu uma que fazia 30 anos”, recorda-se. Foi em 1988 que importante lição: as pessoas entregam a alma Emidio revisitou sua terra natal pela primeira vez – ao fotógrafo quando passam a acreditar nele. sua mulher ia visitar a família e ele, que estava em “Essa foto me ensinou sobre ter um controle da uma viagem a trabalho na Holanda, foi encontrá- ansiedade, não querer que as coisas aconteçam la em Milão. Depois, Emidio desceu para a região muito rapidamente, ter uma credibilidade das Sul, para visitar seus parentes. Logo ao chegar a duas partes. A pessoa tem que acreditar em você, Sacco, as memórias foram reativadas. “Foi uma principalmente personagens como a Dorina, de sensação incrível. Eu iria ficar lá três dias e senti quem preciso captar a essência.” que tinha que fotografar tudo, se não, as imagens De Dorina fez poucas fotos – sete ou oito –, mas iriam desaparecer.” os três dias de viagem renderam filmes e filmes Como bons italianos, os moradores convidavam inteiros. E também a vontade de voltar com mais Emidio para tomar vinho e comer queijo e salame frequência. Assim, há oito anos, Emidio criou o em suas casas, e Emidio, 33 anos após deixar o projeto Luzes da Toscana, em que organiza um local, ia, munido com sua câmera. Mas um dos workshop com alunos em viagem pela Itália. momentos mais impressionantes foi quando voltou E foi em 2018 que teve a ideia de juntar esse à casa em que nasceu. “Ela havia sido vendida material, produzido durante três décadas, no livro para um homem que vivia nos Estados Unidos, Italia Mia!. Emidio define sua publicação mais mas um amigo de Sacco tinha a chave e deixou recente como “uma viagem no tempo”. “É a minha que eu entrasse”, recorda-se, com emoção. “A história ali, do menino que deixou a Itália e depois casa estava intacta, parecia que eu tinha parado a reencontrou”, emociona-se. “A Itália é onde eu no tempo.” Emidio impressionou-se com a relação nasci, mas o Brasil é onde eu cresci. Sempre digo, de espaço e tempo ao perceber que o quintal do para mim, Itália e Brasil são uma pátria só.” 16 • Revista DANTECultural
{CAPA} Vincenzo Pastore /Acervo Instituto Moreira Salles Vincenzo Pastore /Acervo Instituto Moreira Salles Vendedores no Mercado dos Caipiras (1910) Venditori nel Mercado dos Caipiras (1910) difícil e cheia de incertezas levaram o fotógrafo Engraxates jogando bola a alternar o ofício de retratista com as incursões de gude (1910) Lustrascarpe che giocano a constantes pelas áreas mais pobres da cidade. biglie (1910) Nelas, gostava de circular por entre os engraxates e as quituteiras, misturando-se ao cotidiano de outros imigrantes, aos caboclos vindos da roça, Vincenzo Pastore /Acervo Instituto Moreira Salles aos negros e demais malungos da miséria e do ostracismo social, despercebidos nas calçadas ou no trabalho humilde. Misturando-se, enfim, aos desocupados e desvalidos”, escreveu. Por muitos anos, as fotos feitas por Pastore ficaram guardadas, até que em 1997 seu neto, O fotógrafo Vincenzo Pastore fez ensaios o pianista Flávio Varani, doou 137 cliques ao cotidianos da São Paulo Instituto Moreira Salles. É como Prado escreveu: do início do século XX “Mais que um espetáculo, a arte do fotógrafo é Il fotografo Vincenzo uma decisão empenhada e quase solidária aos Pastore fece servizi fotografici sulla vita outros imigrantes que, como ele, para cá vieram quotidiana della San Paolo acalentando o sonho de fazer a América”. dell’inizio del XX secolo 18 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 19
{CAPA} Pioneira impedida Um tema sensível De família italiana, Gioconda Rizzo inovou Francesca Nocivelli morou por 12 anos em Fortaleza e como uma das primeiras mulheres a ter a escolheu ensinar fotografia para crianças e jovens de autoria sobre suas fotos reconhecida uma comunidade, trabalho que também lhe rendeu o livro Maravilha Em uma época em que o tradicional eram De Bréscia, na região da Lombardia, uma amiga. “Levei-a em pontos turísticos retratos de pessoas de corpo inteiro, a jovem de Fortaleza e acabou funcionando”, Francesca Nocivelli tinha 25 anos Gioconda Rizzo, paulistana de origem quando veio ao Brasil pela primeira vez. lembra-se Francesca. A amiga, que queria Do livro Maravilha, de Francesca italiana nascida em 1897, inovou com fotos Nocivelli, publicado em 2008 - a Era 1988 quando seu então marido fora ser modelo, levou, então, o ensaio ao obra recebeu o nome de uma mais fechadas, enquadrando os ombros e chamado para trabalhar em Fortaleza, jornal Diário do Nordeste, mas, quando comunidade de Fortaleza, no o rosto de seus fotografados. Mas ela quase em um projeto na área de agricultura. Ela o diretor viu as imagens, logo quis saber Ceará, e contém fotos de pratos e não conseguiu se tornar fotógrafa. Isso porque ainda não era fotógrafa, mas, como se quem era a pessoa responsável por geladeiras de famílias do lugar Dal libro Maravilha, di Francesca começou aos 14 anos, sem que seu pai, interessava muito pela área – seu trabalho aqueles cliques. Dessa forma, Francesca Nocivelli, pubblicato nel 2008 Michele Rizzo, que se apresentava como o Miss Universo Yolanda de conclusão do curso de arquitetura em começou a trabalhar no veículo. Mas, — l’opera prende il nome di una uma universidade de Veneza foi sobre cerca de oito meses depois, o casal comunità di Fortaleza, nello stato di primeiro fotógrafo italiano radicado em São Pereira retratada em Ceará, e contiene immagini di piatti e 1933 por Gioconda fotografia –, aceitou fazer um book para resolveu ir morar na França. Animada frigoriferi delle famiglie del luogo Paulo, soubesse. Quando descobriu, ele ficou Rizzo, que começou contrariado. Com o tempo, acabou permitindo a fotografar aos 14 que a filha trabalhasse em seu estúdio — anos Gioconda Rizzo La Miss Universo Yolanda porém, havia uma condição: Gioconda só Pereira ritratta nel 1933 poderia fotografar mulheres e crianças. Ela da Gioconda Rizzo, che iniziò a fotografare a 14 chegou a abrir um estúdio próprio, o Photo anni Femina, mas o espaço durou pouco tempo. Ao Kimi Nii descobrir que algumas de suas clientes eram prostitutas francesas e polonesas, seu irmão mais velho fez com que ela fechasse o espaço. Ela, então, voltou a trabalhar no estúdio do pai. Continuou inovando, ainda assim, ao aprender novas técnicas de aplicação de fotografias sobre porcelanas e objetos como joias e enfeites. “Ela foi pioneira, quebrou tabus ao trabalhar em uma profissão que não contava com mulheres e em uma época em que não era comum elas trabalharem”, diz a neta de Gioconda, a escritora e arte- educadora Silvana Salerno. Seu trabalho fez tanto sucesso que ela chegou a fotografar personalidades como Zezé Leone, a primeira Miss Brasil, e Yolanda Pereira, Miss Universo. Aos 81 anos, ganhou uma mostra na Fotogaleria Fotótica, em São Paulo, onde expôs seu importante trabalho. “A mostra foi um sucesso, ela ficou muito feliz por ter seu trabalho em destaque”, lembra Silvana. Gioconda Rizzo ao centro, a filha Wanda, a neta Silvana e o bisneto Bruno Gioconda morreu em meados dos anos 2000, Gioconda Rizzo al centro, la figlia Wanda, la Francesca Nocivelli pouco antes de completar 107 anos. nipote Silvana e il pronipote Bruno Francesca Nocivelli 20 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 21
{CAPA} Francesca Nocivelli com a fotografia, Francesca resolveu A obra Maravilha traz cliques de pratos, estudar e se profissionalizou. Ela e o famílias e geladeiras. “A geladeira é um marido viveram na França por dez anos, item importante em qualquer casa. Além período em que nasceu seu filho, até que de conservar alimentos, ela representa o voltaram a Fortaleza. poder aquisitivo daqueles moradores”, diz Nessa segunda temporada cearense, ela a profissional. “Em algumas casas, havia conheceu um projeto social na comunidade apenas água na geladeira. É um retrato de Maravilha, no bairro de Fátima. Como todo o contexto.” fotógrafa, começou a ensinar a crianças e Um ano depois do lançamento, Francesca jovens da favela a técnica da fotografia em deixou o Brasil, país que visita com lata que usa uma câmera caseira, feita com frequência, mas do qual sente muita falta. uma latinha. Assim, criou o Projeto Clica “Foi muito bom trabalhar na comunidade. Maravilha, que rendeu exposições e livros Eu dava aula com poucos recursos, mas com imagens feitas pelos alunos. era gostoso”, lembra-se a fotógrafa, que Mas, em 2008, intrigada com o tema até hoje mantém contato com ex-alunos. da fome, Francesca lançou um livro “Um deles se tornou psicólogo e usa a OU ACESSE / O ACCEDI SU: com imagens que fez da comunidade. fotografia para desestressar. Acho ótimo.” http://dante.pro/b5q4rsj 22 • Revista DANTECultural
{PERFIL/PROFILO} A relação do italiano Emmanuele Baldini, spalla da sem que eu descubra algumas joias escondidas. Acabamos de Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), com o tocar, na Osesp, a surpreendente ‘Sinfonia nº 7’ de Cláudio violino começou como uma paixão arrebatadora, ainda na Santoro, e estou gravando na íntegra as obras para piano e infância. “Eu comecei no piano. Voltava da escola e ficava violino dele. Também indico as obras de André Mehmari, um horas improvisando. Mas, aos 6 anos, escutei o som de um gênio do nosso tempo!”, entusiasma-se. violino na televisão e imediatamente pedi para trocar de Emmanuele não cogita parar de ensinar ou de estudar. Além instrumento”, conta ele, que é filho de um casal de músicos de regente e diretor musical, ele publica vídeos educativos na e professores, ambos pianistas. Hoje ele leva seu violino internet e mantém uma rotina puxada de exercícios técnicos. em turnês por diversos países — foram, até aqui, cinco no “A vida é uma aprendizagem contínua. Na arte, então, esse Japão, quatro nos Estados Unidos e uma na Austrália, além de discurso vale ainda mais. Não há limites para o ideal artístico concertos em toda a Europa e na América do Sul. e, cada vez que parece que estamos chegando perto do topo Nascido em Trieste, cidade costeira localizada perto da da montanha, novas subidas aparecem, com o topo cada vez fronteira com a Eslovênia, Emmanuele estudou na Itália, Suíça mais longe. É uma montanha que não tem cume”, comenta. e Alemanha e gravou, como violinista, mais de 20 discos. Com 15 mil fãs no Facebook, 11 mil seguidores no Venceu vários concursos internacionais (conquistando seu Instagram e quase 6 mil inscritos em seu canal do YouTube, primeiro prêmio aos 12 anos), foi spalla (o que significa ser além de protagonizar vídeos no canal oficial da Osesp, o primeiro violino) em três orquestras italianas (Bolonha, Emmanuele compartilha sua rotina de turnês e apresentações Milão e sua cidade natal) e atuou como regente na Argentina ao mesmo tempo em que oferece um conteúdo de qualidade e no Uruguai. Entre os sobre música, ensinando desde prêmios mais recentes está cuidados com o instrumento o de melhor instrumentista “Comecei no piano. Voltava da a técnicas, como o vibrato. da Associação Paulista dos escola e ficava horas improvisando. Ele ainda publicou covers Críticos de Arte (APCA) em Mas, aos 6 anos, escutei o som de um inusitados de Metallica e Led 2017. violino na televisão e imediatamente Zeppelin com a Orquestra de Mas foi no Brasil que ele pedi para trocar de instrumento”, Câmara de Valdivia (Chile), da decidiu fixar residência em conta o spalla da Osesp qual é diretor musical desde 2005, ano em que recebeu 2017. um convite especial de John “Iniziai con il pianoforte. Tornavo da scuola No entanto, sua intenção Fernando Ruz Neschling, o então diretor e passavo ore a improvvisare. Ma a 6 anni, não é popularizar a música sentì il suono di un violino in TV e chiesi clássica. “Não é necessário. É artístico e regente da Osesp. immediatamente di cambiare strumento”, Emmanuele mudou-se para racconta lo spalla dell’Orquestra Sinfônica necessário, sim, ser acessível São Paulo e assumiu a posição do Estado de São Paulo (Osesp) a todos, sem distinções. Mas UM ETERNO VIAJANTE, de spalla — na hierarquia da nunca será um fenômeno de orquestra, depois do maestro, massa.” Seu intuito é mesmo é ele quem comanda. O spalla é responsável pela afinação da ajudar, principalmente os jovens: “Tento usar essa ferramenta APRENDIZ E PROFESSOR orquestra antes da entrada do maestro. “Eu me apaixonei pela Osesp, pelo país, pelas pessoas, e enxerguei uma possibilidade real de construir algo”, conta poderosa para isso, compartilhando um pouco das minhas experiências, passando conselhos, respondendo perguntas, mostrando um exercício que estou fazendo. De repente Mesmo durante suas extensas turnês pelo mundo, o músico italiano radicado no o músico, que em 2008 também criou o “Quarteto Osesp”, surge a ideia de algum assunto que possa interessar e pronto! Brasil Emmanuele Baldini nunca para de praticar e compartilhar conhecimento aperfeiçoando-se como regente. “Temos uma vida musical Ligo a câmera e está feito, sem edição nem nada. Não há orquestral de um certo nível, mas não se pode dizer o mesmo planejamento ou qualidade técnica, mas uma simplicidade em relação à música de câmara. A oferta é menor, ainda e uma familiaridade que, acredito, fazem com que me Por Bárbara Monteiro falta algum nível artístico. Meu sonho é uma presença muito considerem um amigo”. mais expressiva da música de câmara em nosso país”, afirma Tudo isso para deixar um legado positivo. “Hoje, depois de UN ETERNO VIAGGIATORE, APPRENDENTE E INSEGNANTE ele, referindo-se aos grupos menores de instrumentistas 15 anos, posso dizer que certamente a vida musical e artística eruditos. Desde então, ele intensificou sua atividade didática do Brasil melhorou e, embora eu não saiba se tenho alguma Anche durante i lunghissimi tour per il mondo, il musicista italiano radicatosi in Brasile Emmanuele Baldini non smette mai di praticare e condividere le sue conoscenze e fez questão de explorar melhor o repertório brasileiro, que participação nisso, espero que meu trabalho de formiguinha continua em grande parte desconhecido. “Não passa um mês tenha contribuído”, conclui. Traduzione dell’articolo a pagina 69 24 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 25
{CULTURA/CULTURA} Por Luisa Destri e Marcella Chartier REFEIÇÕES PÉS LONGE PARTILHADAS DO CHÃO PIEDI LONTANI DA TERRA / Traduzione dell’articolo a pagina 70 PASTI CONDIVISI / Traduzione dell’articolo a pagina 69 Reprodução La Percussi faz muito mais do que apoiar nossos sentidos. Há indicações de rendimento, quem deseja cozinhar: além de reunir receitas tempo de preparo e proveniência: a caponata, por desenvolvidas e acumuladas ao longo de mais exemplo, é uma delícia siciliana; a carbonara tem de trinta anos de carreira por Silvia Percussi, o o preparo descrito conforme tradição do Lácio. site traz conteúdos que compõem uma espécie Trata-se de receitas verdadeiramente italianas, que de mapa afetivo da chef, que está à frente da revelam a diversidade da gastronomia do país. Vinheria Percussi e é responsável pela seção “Ao elaborar o site, eu tinha em mente todos os Mesa Consciente da Dante Cultural. Em ensaios possíveis usuários, como alunos de gastronomia, fotográficos e textos autorais, há recomendações donas de casa que cozinham, homens que gostam relacionadas a viagens, design, arte e gastronomia; de cozinha e de cultura também. Pessoas de 18 a seção “Ingredientes” traz breves reflexões a a 80 anos”, afirma Percussi, que confessa seu respeito de elementos como o sal e o queijo objetivo ao criar a página: evitar que o trabalho parmesão. de sua carreira se perdesse, ficando confinado a Mas se trata de um verdadeiro presente para seu computador, sem chegar ao público. Viva a quem procura inspiração e conhecimento. partilha! (Luisa Destri) Organizadas em “delizie”, “primo”, “secondo” e “dolce”, as receitas instruem sobre a preparação http://www.lapercussi.com/ de pratos italianos e da culinária mundial, Por Silvia Percussi ilustradas por imagens que convocam todos os Um filme que encerra muitos filmes. Assim Oscar nem se deixa corromper pelas solicitações pode ser descrito “O homem sem gravidade”, nem as vence heroicamente – soluções frequentes produção italiana da Netflix dirigida por Marco quando se trata desse gênero cinematográfico. Sua Bonfanti e estrelado por Elio Germano. Para saída é muito mais humilde do que sua habilidade retratar a fantástica história de Oscar, um menino de super-herói poderia fazer prever, acenando incapaz de, sozinho, manter os pés no chão, a para um tipo de aprendizado que raras vezes trama conta diversas outras histórias: a da família comparece no cinema comercial. que superprotege a criança considerada especial, Ao final, o filme surpreendentemente se revela a do inocente que tenta resistir às tentações da uma delicada narrativa sobre como é possível sociedade comercial, a do amor capaz de vencer encontrar o próprio caminho sem abrir mão do as dificuldades da vida e do tempo. que se tem de mais único, preservando-se a si Embora algumas vezes se tenha a impressão de mesmo apesar de tentações e adversidades. (Luisa quebra narrativa justamente porque esse único Destri) filme procura dar conta de múltiplas narrativas, o longa sustenta a atenção e a simpatia do espectador O homem sem gravidade (L’uomo senza – muito, talvez, pela força de encantamento gravità), direção de Marco Bonfanti, Divulgação 107 minutos do argumento: quem jamais foi fascinado pela Disponível para assinantes da plataforma possibilidade de voar? O encaminhamento, além netflix.com disso, aos poucos se revela longe do banal, já que 26 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 27
{CULTURA} REENCONTRO COM MACHADO COMIDA AFETIVA RITROVANDO MACHADO / Traduzione dell’articolo a pagina 70 DA LIGÚRIA Divulgação Um dos principais livros da literatura brasileira, Os mais velhos talvez não o tenham conhecido, Memórias póstumas de Brás Cubas é agora durante seus estudos, como o sagaz intérprete de COMFORT FOOD DELLA LIGURIA/ Traduzione dell’articolo a pagina 70 relançado pela Antofágica – editora recém- nossas contradições sociais. chegada ao mercado, cujo objetivo é reeditar Oferecer a possibilidade desse reencontro é Logo na entrada, o bar, à direita, a mesa grandes clássicos. Publicado inicialmente em uma das prováveis intenções da nova edição, comunitária no centro e a cozinha aberta logo à 1881, o romance apresenta, como mesmo o menos que, vistosa, em capa dura, é potencial objeto do frente sugerem que o Lido é um restaurante para avisado dos leitores deve saber, as recordações de desejo para o amante dos livros. Não por acaso, a partilha, o encontro – e, de fato, é. Um barco um defunto – um sujeito, digamos, reprovável, traz ilustrações de Candido Portinari, preparadas branco suspenso no teto com a parte interna virada cuja narrativa não poderia ser, no entanto, mais em 1942 sob encomenda de uma sociedade para baixo abriga a iluminação e dá a entender saborosa. que buscava justamente fomentar a bibliofilia. que se trata de uma casa de sabores marítimos – A publicação é uma oportunidade para aqueles Há também notas esclarecendo termos datados o que também é verdade, ainda que o cardápio que não puderam reconhecer em um primeiro e referências históricas e literárias, além de um Memórias póstumas de enxuto traga várias opções de entradas e massas Brás Cubas, encontro com o livro de Machado de Assis uma perfil do autor, preparado, a título de posfácio, Machado de Assis, sem a presença do mar. das mais brilhantes mentes brasileiras. Entre os por Rogério Fernandes dos Santos, um dos jovens Antofágica, 456 páginas, A porção de manjubinha, camarão e lula mais jovens, a obrigatoriedade da leitura para o críticos machadianos. Um legado sem miséria. 69,90 reais empanados e fritos (Fritto misto, R$ 46), saborosa vestibular muitas vezes participa dessa história. (Luisa Destri) e bem servida, divide o menu de entradas, tão cheio de opções quanto o de pratos principais, com receitas exclusivas da região da Ligúria, de onde vem o chef Roberto Rebaudengo. A farinata (R$ 28), por exemplo, é uma massa assada feita de farinha de grão-de-bico, água e sal, supermacia, que pode vir à mesa com queijo (stracchino ou ATENÇÃO, CARO LEITOR gorgonzola). Se pura, o valor cai para R$ 22. ATTENZIONE, CARO LETTORE / Traduzione dell’articolo a pagina 71 Os preços justos se estendem por quase todo O esforço de autoconhecimento determina a Divulgação A consciência de Zeno é não apenas um dos o cardápio, e são várias as opções sem carne – mais aclamados romances da literatura italiana – estrutura do livro, que tem capítulos dedicados às como o minestrone alla genovese, que sai por R$ mas também leitura das mais saborosas. Terceiro diferentes questões investigadas pelo analisando, 42, e o pansoti recheado com PANCs e ricota de romance de Italo Svevo, pseudônimo do triestino como o casamento, a relação com a amante, o búfala, por R$ 52. Servem água da casa, tocam Ettore Schmitz, o livro teve o reconhecimento de trabalho. As questões que os organizam variam música italiana e, a cada noite, um dos drinks grandes nomes da literatura, como o poeta italiano do patético ao hilariante: no capítulo dedicado ao do menu sai por R$ 20, para a alegria dos mais Eugenio Montale e o romancista irlandês James pai, por exemplo, Zeno procura elucidar, a partir animados – na noite em que estive lá, um grupo Joyce. Em primeira pessoa, a personagem que lhe da revisão de toda uma vida, uma bizarra situação de italianos jovens divididos em duas mesinhas dá título esmiúça suas lembranças buscando se ocorrida em seu leito de morte. colocadas na calçada cumpria o propósito que tratar do que identifica como uma doença: o fato Sarcástico e autocomplacente, o narrador exige aparece no nome da casa – amici di amici. de durante muitos anos fumar cada cigarro como leitores que o acompanhem com desconfiança, Para quem quiser um pouco mais de privacidade, se fosse o último, sem, entretanto, conseguir de traço em que reside uma das grandes qualidades Divulgação fato deixar o vício. A consciência de Zeno, há mesas no andar de cima. De qualquer forma, do livro. Conhecendo suas relações por meio de Publicado inicialmente em 1923, quando a Italo Svevo, tradução não vá embora sem pedir o tiramisù (R$ 24), seus olhos, aos poucos vamos aprendendo a nos psicanálise era ainda pouco difundida na Itália, de Federico Carotti, levíssimo, doce na medida. (Marcella Chartier) distanciar de seu ponto de vista e a criar novas L&PM, 448 páginas, o livro traz a marca da ciência então postulada 38,90 reais por Freud. Zeno escreve por sugestão de seu hipóteses para os eventos narrados. Verdade Lido Amici di Amici Rua Fradique Coutinho, 282, Pinheiros analista, que, aliás, é quem publica e apresenta e mentira, intenções expressas e motivações Tel. (11) 2384-9839 o livro. Abandonado por seu paciente, ele o faz veladas, realizações e afetos frustrados: na prosa Horário de funcionamento: de terça a sexta, aparentemente límpida de Zeno, cabe ao leitor por vingança, mas promete dividir os lucros com das 17h à 0h. Sábado, das 13h às 23h. o autor da autobiografia caso o tratamento seja identificar diferentes camadas e tirar as próprias retomado. conclusões. (Luisa Destri) 28 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 29
{CULTURA} APENAS UM BONECO DE MADEIRA? SOLO UN BURATTINO DI LEGNO? / Traduzione dell’articolo a pagina 71 Descobrir o que não se é: tarefa tão fundamental mesmo. O desenlace da autodescoberta se dá por Divulgação ao autoconhecimento quanto o esforço para meio da imagem: é numa página do livro que se compreender os próprios contornos. A essa tarefa desdobra em outras quatro que o menino encontra se dedica o protagonista de Pinóquio: o livro das as semelhanças e as diferenças mais capazes de pequenas verdades, de Alexandre Rampazo. O caracterizá-lo. Paradoxalmente, Pinóquio está personagem de Carlo Collodi (1826-1890), aqui longe do espelho. recriado, confronta diversos seres da narrativa Como sugere Nelson Cruz em texto que original, como Gepeto, o Grilo Falante, a Fada acompanha o volume, é como “conto visual” que Azul – sempre imaginando como seria não ser um o livro atinge o seu melhor. Belas e delicadas, as boneco de madeira. ilustrações permitem que o leitor caminhe por essa Vendo-se diante de tantas e diversas figuras, ele observa a própria imagem: “Ao olhar para o jornada de descoberta prescindindo das palavras. espelho, pensou que, talvez, se ele fosse Gepeto, Perceber-se, sonhar, reconhecer parecenças e Pinóquio: o livro das seria bondoso, amável, paternal e justo”, conta legitimar singularidades são temas a trabalhar com pequenas verdades, os pequenos a partir do livro. Em certo sentido, Alexandre Rampazo, o narrador, em uma estrutura espelhada que se Boitatá, 32 páginas, repetirá ao longo de todo o livro. Reiterativo, o também o autor é o que pode ser: trata-se do 44 reais texto assinala a persistência do esforço e a forte primeiro projeto autoral de Rampazo, premiado inquietação com que Pinóquio olha para si ilustrador de livros infantis. (Luisa Destri) 30 • Revista DANTECultural
{ENSAIO FOTOGRÁFICO/SERVIZIO FOTOGRAFICO} Roberta Votto Por Arthur Fujii Texto: Marcella Chartier Melkan vem de uma família com Traduzione dell’articolo a pagina 71 origens italianas do lado materno, e libanesas do lado paterno. Seus bisavós, de ambos os lados, foram imigrantes que vieram ao Brasil na década de 1920 em busca de melhores condições de trabalho. “No Natal, nossa ceia é de comida árabe. Mas no dia a dia a culinária italiana prevalece.” Bruno Chenque é de família grande, com laços fortes e almoços longos em volta da mesa da cozinha. “Todo mundo dando pitaco sobre a vida de todo mundo. Minha avó, quando já estava bem velhinha e com Alzheimer, desembestava a falar italiano, como se alguém entendesse alguma coisa.” Ermínia Esperança Chenque era filha de italianos. Bruno também tem origens alemãs. 32 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 33
Giuliana Eliza Ricciardi de Luca é filha de pai napolitano, vindo da Itália depois da Segunda Guerra, e mãe carioca, negra. “Tenho o rosto fino, típico da família dele. Lábios carnudos e nariz largo são herança de mamãe.” Ela também destaca a cozinha como um lugar de vivências familiares marcantes. 34 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 35
Gessica Torres Rozante vê em sua cor de pele, estrutura do rosto e altura heranças da família paterna, de origens italianas. “Mas os cabelos, os lábios e o corpo são da família da minha mãe.” Os avós maternos, alagoanos, tinham traços indígenas. “Meu avô era do rio, amava nadar e sempre preparava manjubinhas.” Desse lado da família, Gessica tem primos e tios com traços indígenas, afro- brasileiros e brancos, diversos também nas religiões: há cristãos católicos e umbandistas. Érika Beraldo Takahashi não sabe por que motivos o avô materno veio da Itália: ele faleceu quando sua mãe ainda era menina. Os avós paternos eram japoneses. Ela cresceu entre familiares expansivos e festeiros (os primeiros) e reservados e regrados (os orientais); entre conservas de pepino, nabo, arroz japonês, e caponatas, pizzas feitas em casa. “Um mix culinário muito louco”, ri. “Meus olhos, apesar de serem puxados, não são pequenos. Lembram mais os da minha mãe.” 36 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 37
Bruno Geraldi Insalatina di polpo, prato do Tappo Trattoria, restaurante da seção Gastronomia Insalatina di polpo, piatto del Tappo Trattoria, ristorante di cui parliamo nella sezione Gastronomia COMIDA CIBO Gastronomia/40 Mesa consciente/44 Gastronomia/40 Tavola Consapevole/44 38 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 39
{GASTRONOMIA/GASTRONOMIA} Um império da gastronomia: é assim que muitas presente lá todos os dias. Entre esses chefs, dois vezes é feita a referência às casas pertencentes ao ganharam fama: os italianos Rodolfo de Santis, chef Benny Novak e seus sócios restauranteurs. E hoje dono de casas no bairro do Itaim Bibi (como não à toa: Novak é hoje responsável pelo cardápio o Nino Cucina e a Cantina Peppino), e Antonio de dezenas de estabelecimentos (a maioria, em Maiolica, atual chef do Antonietta Cucina. parceria com a Cia. Tradicional de Comércio — Maiolica, que ficou no Tappo de 2017 a 2018, grupo ao qual pertencem a pizzaria Bráz, o bar foi responsável pela recriação contemporânea Pirajá, a Lanchonete da Cidade, entre outros) que mais famosa da casa, até hoje no menu: o crème O Tappo surgiu a partir de um desejo vão da culinária francesa à italiana, passando por brûlée de queijo pecorino. “Nós mantivemos no simples do chef hambúrgueres e pizzas; há restaurantes dos mais cardápio porque é uma coisa muito interessante: Benny Novak: o sofisticados aos mais despojados, mas todos têm apesar de não ser clássico, é uma receita francesa de servir pratos da com uma cara e um gosto italiano, que se pode gastronomia italiana algo em comum: a visão de Benny como amante que ele gosta de da gastronomia tradicional. comer como entrada ou como prato de queijo”, comer. Na foto, Dentre todas as casas, o Tappo Trattoria (que não explica Novak. “As inovações, então, têm a ver cozze alla tarantina faz parte do grupo empresarial da Cia. Tradicional com ideias pessoais, pontuais, alguma referência Il Tappo è nato da un semplice desiderio dello de Comércio), localizado no badalado bairro dos vista em algum lugar... Elas acontecem não só na chef Benny Novak: Jardins, está entre as mais antigas – e também as receita, mas muitas vezes na montagem do prato; servire piatti della cucina italiana che gli mais queridinhas, tanto para o chef como para seus você não precisa mudar a receita, mas muda a piacciono. Nella foto, clientes. Foi inaugurado em 2007, quando Novak cara.” cozze alla tarantina já era proprietário e chef do clássico francês Ici Bistrô. O motivo para abrir um restaurante italiano? Simples, segundo ele. “O meu grande motivo para abrir o Tappo foi um só: o prazer em comer comida italiana. Ponto”, conta. “Surgiu a oportunidade de abrir um ponto e, pensando no que fazer – um outro bistrô? Uma hamburgueria? –, eu falei para meu sócio: vamos fazer o que gostamos de comer.” Pode parecer simples demais, mas a ideia de um restaurante italiano com a comida que Benny Novak gosta de comer significa um norte essencial EM MEIO A UM IMPÉRIO para o cardápio até hoje: o Tappo não se dedica a nenhuma região específica da Itália, mas a pratos clássicos. “Nestes doze anos, mudamos muito pouco o menu, nós nos mantemos sempre com GASTRONÔMICO, UM CLÁSSICO os pratos clássicos, com eventualmente uma ou outra coisa contemporânea”, explica ele. “Minha característica como chef é essa. Não sou um O Tappo Trattoria é onde o chef paulistano Benny Novak serve pratos descomplicados criador, um chef autoral, e sim alguém que faz de uma de suas culinárias favoritas, a italiana execuções de pratos clássicos. Meu grande prazer é poder fazer um bolonhesa benfeito, um bom Por Laura Folgueira Fotos: Bruno Geraldi carbonara, um brasato executado de maneira original.” IN MEZZO A UN IMPERO GASTRONOMICO, UN CLASSICO As poucas “invenções” que aparecem no menu Il Tappo Trattoria è il luogo dove lo chef di San Paolo Benny Novak serve piatti semplici di do Tappo, interessantemente, costumam ser una delle sue cucine preferite, quella italiana criadas por chefs que Novak leva para trabalhar a Traduzione dell’articolo a pagina 72 seu lado e comandar a casa – já que ele não fica 40 • Revista DANTECultural MAIO 2020 • 41
También puede leer