No rte meus de dera - Monoskop
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DEZEMBRO DE 1922 JANEIRO DE 1923 k l a x on REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: MENSARIO DE ARTE MODERNA S. PAULO — Rua Direita, 33 Sala 5 ASSIGNATURAS - Anno 12$000 Numero avulso.— 1$000 REPRESENTAÇÃO: RIO DE JANEIRO — Sérgio Buarque de Hollanda (Rua S. Salvador, 72-A.) RECIFE — Joaquim Inojosa (Jornal do Commercio) FRANÇA — L. Charles Baudouin (Paris). SUISSA — Albert Ciana (Genebra Rampe de Ia Treille, 3). BÉLGICA — Roger Avermaete (Antuérpia — Avenue d'Amèrique, n. 160) A Redacção não se responsabiliza pelas idéias de seus collaboradores. Todos os artigos devem ser assignados por extenso ou pelas iniciaes. E' permitti- do o pseudonymo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na redacção. Não se devolvem manugcriptos. SUMMARIO íris Graça Aranha Graça Aranha creador de enthusiasmo Ronald de Carvalho A Esthetica de Malazarte Renato Almeida O Psychologo da raça Motta Filho Graça Aranha e a critica européa Rubens de Moraes Assim elle compõe Luiz Annibal Falcão . Mormaço Guilherme de Almeida Noel Serge Milliet Poema abúlico Mario de Andrade Atmosfera Guillermo de Torre Paz Universal Carlos Alberto de Araújo Projectos Luiz Aranha A extraordinária historia da mulher que ficou infinita A. C. Couto de Barros La poésie moderne a-t-elle besoin d'une nouvelle technique? Nicolas Beauduin Réviviscences Charles Baudouin CHRONICAS: LIVROS E REVISTAS CINEMA LUZES E REFRACÇÕES EXTRAS TEXTOS DE TARGILA AMARAL e VILLA-LOBOS.
^H I1TS d esejo da Terra: arvore! Vida secreta. Pedras humldas. Limos, Espiritualidade da Terra: artistas subtls. Roseos troncos verdes. arvorei Céo humldo. Elegância, força, doçura, A arvore e a água. Perenne selva. A fragilidade, eternidade. Fo- água mysterlosa que mora no intimo da lhas: adorno e sentimento. Galhos: de- arvore e a que mora nas ceilulas huma- fesa, amparo, agasalho, aspiração, ele- nas. Integração. vação para o Infinito. Vida profunda. Intelllgencla buscan- Postura da arvore: adoração perpe- do na Terra a vida. tua, trágica immobil idade. Silencio. Humanlzação. Arvores disciplinadas, Campo deserto, arvore solitária. Mon- dominadas. Revolta, violência. Vingan- tanha espectral, arvore, phantasma al- ça. Venenos. Segredos dos vegetaes. So- lücinado. lidariedade. Unidade verde. Arvore e vento. Inútil gemido. In- Desterro da arvore. Saudade. Nostal- fatigavel açoute. gia. Arvore e sol. Febril exaltação de aro- Culto. Religião. Melancolia. Amiza- mas. Resinas. Quietação. Adormeci- de. Confidencia e consolo. Romantismo. mento da natureza na volúpia do per- Velha arvore. Parasitas, cipós. En- fume. feite, protecção. Velha arvore se des- Madrugada da arvore. Cantos de al- faz em pó. Transfiguração universal. vorada. Clarins, flautas, zumbidos. Ale- Alegria de renascer. gria, alegria. Fim de sombra. E o Homem, possesso da loucura do Nocturno. Gargalhadas. Aves zombe- movimento, mata na Arvore o repouso teiras. Rhetorica do pavor. O que a ar- e a eternidade. vore vé á noite. Floresta das Paineiras, Outubro 1922 Suave humidade. Pérfida humldade. GRAÇA ARANHA. k 1a x o n
2 a obra de Graça Aranha é feita Mas não se contenta com a belleza á imagem e semelhança do exterior, a innocente beleza dos olhos Brasil. Palpitam nella, desde ingênuos. Desce e aprofunda-se no aquelle primeiro grito de êx- seio da Terra. Ao riso numeroso da su- tase ante a formosura do am- perfície mistura a lagrima silenciosa do biente natal, que foi Ghanaan, a exube- abysmo. No alto, o pedrouço bárbaro, rância, a majestade, a energia da Terra a ramaria aromatica, os valles ondulan- Anima-a o sopro soberano da Natu- tes. Em baixo, a estalactite subtil, a sel- reza, de que ella reproduz, ao mesmo va estratificada, a mina prodigiosa que tempo, os ímpetos e as doçuras, as sua- se estende num labirintho, que se mul- vidades e as magnificencias. Mergu- tiplica em um meandro infinito de filões lham as suas raízes no próprio solo que opimos. Ali, o júbilo do espectaculo os nossos maiores regaram com o suor universal. Aqui, o soffrimento, a luta das mãos e o sangue das veias. das forças elementares do mundo invi- Ella é tudo isso que nos cerca. O sivel. cheiro da floresta, o rumor da onda, a Só os accentos do hymno ou do pean, macieza do céo, a virgindade da luz. só o tumulto das multidões modernas Vaga e montanha, herva rasteira e ar- lhe offerecem um parallelo digno. vore folhuda, crepúsculo e madrugada, Graça Aranha é um creador de en- ella povssue os rythmos bárbaros do meio thusiasmo. Chammeja-lhe nos olhos a cósmico: a bruteza da pedra e o per- fulguração de Ariel, a dionysiaca ale- fume da flor, a riqueza mysteriosa dos gria de Malazarte! A alegria de cons- carvões obscuros, o brilho solai* dos truir, de edificar, de talhar no granito metaes e das pedrarias. e na argilla, no bronze e no porphiro o E' ouro, diamante, mármore, cristal! munumento para a Eternidade. Tem camadas profundas, como o chão em que assenta a planta dos nos- A Alegria de dansar livremente sobre sos pés morenos. as Cousas, de imprimir na matéria ephe- Abre na superfície corollas e frondes, mera a juventude perpetua do Espirito. troncos e rebentos, reparte-se em fios Toda a sua obra é um conselho para d'agua, em volumosas torrentes, em ca- crear. E' uma voz que exige imperio- choeiras íngremes, em lagos espelha- samente, uma voz que sempre repete: dos. Crea, e serás perfeito. Tua felicidade Reflecte o sol, reluz nos incêndios do está na harmonia que souberes arran- sol tropical! car do teu coração. Faze delle um ins- k 1a x o n
trumento capaz de traduzir a intensi- 3 sia de a fixar em tua creação transcen- dade, a totalidade da Vida. Goza e cho- dente . ra, soffre e sorri, que será divina a tua "Sob a violência luminosa do meu Realidade. céO; eu te suscitarei idéas fortes e ou- Toda a sua obra nos diz: Olha o teu sadas. Possne intimamente as cousas paiz, olha a milagrosa fonte de energia sobre que o teu espirito paira. São os que o Destino te concedeu. Vive o es- dons da Terra que é tua. pectaculo único da Terra em que nas- "Corre o risco da morte, que é o prê- ceste. Está nella tua finalidade. A tua mio da vida. Na alegria interior goza finalidade é o enthusiasmo de viver, de o eterno espectaculo. Sê insaciável de viver perigosamente, de amar a immen- belleza, de poder, de alegria, e faze da sidade maravilhosa da Vida. tua Nação uma imperecivel obra de A tua finalidade é a contemplação do Arte!" espectaculo universal. E' a Arte! Graça Aranha, poeta épico da Raça, "A arte é a tua libertação. Elimina o Greador de Enthusiasmo! terror inicial e funde o teu ser no Todo Bravo ! Infinito. Esta é a tua suprema victoria. A tua pátria é movei e tu terás a ân- RONALD DE CARVALHO A estética de Malazarte m ALAZARTE é a tortura vitoriosas e sublimes. A magia é um violenta da imaginação deslumbramento e o espirito insatis- insaciável e inquieta, feito e audaz, fugindo á equação das rea- translúcida ou opprimi- lidades, se lança em busca da visão ma- da, girando em torno da ravilhosa. Oh! o desengano. mas o realidade que a atormenta e se esforça deseng-ino é ainda o excesso da imagi- por decifrar. E' um conflieto perma- ginaçlc, a espuma que transborda do nente e fatal, em que a fantasia precisa cálice para se desfazer em bolhas de ar. dominar a contigencia e procura ven- Ucp a queda, a dissolução «Io sonho, cel-a pelo delírio, pela illusão, pela a separa ç;l o, a dôr- mentira da vida. Sem poder engrande- Graça Aranha arrancou do fundo da cel-a, com o sentimento divino ou a nossa alma popular a figura de Mala- conciencia do universo, o seu esforço zarte — esse demônio subtil como Me- está em superar as coisas efêmeras e phistopheles, menos universitário e mais passageiras por uma idealidade falsa, desabusado —- e criou o symbolo da transfigurando as apparencias em forças imaginação, em que justifica a unidade k 1 a x o 11
4 Natureza do Brasil, sobretudo, fremente pantheistica do Universo, no esboço da philosophia da "Esthetica da Vida" A e viva, numa grandeza estonteante, su- imaginação ardente perturba a existên- btil e malévola, agasalhando e ferindo, cia humana e a transvia da unidade uni- extasiando e maltratando. A miragem versal, a que tende pelo amor, para pre- que desperta criou em nós um povo de cipital-a na tragédia da separação, que exaltados e imaginosos, de idealismo procura a morte libertadora. violento mas nostálgico, que procura en- ganar-se com as coisas, quando é custo- Malazarte é a Natureza, fonte de illu- sões e enganos, porque a própria côr é so dominal-as. uma mentira da luz. Malazarte é so- Malazarte é ainda um symbolo phi- nho e ânsia. Em seus olhos fusilam re- losophico. A imaginação como força flexos verdes de desejos, na sua bocca dissociativa na personalidade, afastan- ha promessas deslumbrantes e capito- do-a do Todo Infinito, em que Graça sas, seu segredo é uma maravilha fas- Aranha sente a solução universal. 0 cinante. O esplendor de todas as coisas! seu alto engenho vê a imaginação como A historia do urubu falador, que des- uma enorme gyrandola, que esclarece cobria thesoiros occultos, até dinheiro o céo com mil reflexos multicôres, mas em moedas de ouro, revela o caracter o deixa embaciado depois por nuvens de Malazarte — a mentira como solu- de espesso fumo. Estas seriam a se- ção commoda e trapaceira da vida. Mas paração, que é o terror, a angustia su- a mentira de Malazarte não vingaria prema da criatura, que só pelo amor, sem a ambição dos credores, o que mos- pela arte e pela philosophia se ha-de tra no desejo a primeira deformação da libertar, integrando o sêr na totalidade realidade. Ai dos que querem! terão divina. A tragédia de Malazarte é a sempre no alcançado o desengano da separação. Tudo é separação e dôr cubiça. Malazarte completa os que nelle são as palavras derradeiras de Eduardo, crêm. Seduzindo ou ludibriando, o ex- depois que Dyonisia fugiu com Mala- tranho demônio se funde com a victi- zarte em busca do Palácio de CoraL ma para perdel-a irremediavelmente. Dyonisia presentiu que o sonho é bello Desperta esse mysterioso residuo das e mata. Mas o sonho é bello e a Natu- sensações, para exaltar o espirito numa reza a vida eterna. E, nessa fusão magia perturbadora e allucinante, onde symbolica da Natureza com o elemen- não ha repouso, mas decepção por fim. to espiritual da fantasia, Malazarte sur- ge como o demônio insaciável do de- Disse que Malazarte é a Natureza, por- sejo, da aspiração, do sonho. que nelle encontramos o permanente Oh! o Palácio de Coral scintillando engano e a lei de sua constância se es- na luz. quiva na múltipla e ruidosa variedade das fôrmas passageiras. Malazarte é a RENATO ALMEIDA k 1a x o n
5 O psychologo da raça n va-a. E, para reagir contra essa perspe- O desenvolvimento lógico (pie ctiva que Le Bon, sábio tartüfo, de eru- segue a literatura nacional, dição suspeita, pregava como signal da firmando-se, personalisan- morte do paiz e que Bagheot, sábio mais do-se, com múltiplas cor- sensato, pedia que todos a meditassem, rentes, com múltiplas in- houve uma guerra surda, titanica, bru- fluencias, vieram aos poucos surgindo tal da qual sahiram vencedor o homem e os verdadeiros interpretes do sentimen- a raça. Do baralhamento inconsciente to nacional, os escriptores genuinamen- sahia um todo consciente, pensando do te da terra e da raça. mesmo modo, sentindo do mesmo modo. Assim é que só depois do Roman- aspirando do mesmo modo. E a alma tismo se verificam as tentativas mais creada já não era mais a alma do ho- fortes, mais intemeratas e mais ouzadas. mem, nem tão pouco a alma da terra. Gonçalves Dias, poeta fidalgo, poeta Era alma única, a alma da terra e pintor, lirico robusto canta a sua terra do homem, a alma brasileira. com grande força emotiva e dedilha com uma correcteza clássica, portuguezissi- A alma cidadina. a alma supérflua ma "As sextilhas de Sto. Antão" Alen- dos centros de civilisação, a alma cara- car apega-se ao lirismo de Chanteau- cterística da sociedade brasileira. a briand — para compor "Iracema", li- tona, a pelle da grande alma nacional, vro deveras interessante, mas onde tre- a alma supérflua da alma, encontrou em me o vacilla o cunho próprio, o cunho Machado de Assim o seu psychologo. nacional. O romantismo findará no exaggero A literatura mostra-se nessa lucta, egocêntrico, no pieguismo exaltado da onde se percebe a alma da terra gritan- imaginação. Machado de Asis via, sen- do, implorando por um artista que a tia, compreendia e criticava o seu meio, cante, que a compreenda. Mostra ainda a vida de sua vida e as "viagens em mais a inquietação turturante do ho- volta de sua alma" eram viagens em mem que não se apaziguou com a natu- volta da alma de uma sociedade. reza, do homem que vive afastado delia Machado de Assis, era o Sterne como seu inimigo. A civilisação, como brasileiro, o France brasileiro que, "uma violência imposta á Natureza", com um sorriso e com um "hu- veio, entre nós, nos arroubos da con- mour" imcomparavel, tirava a "maquia quista, de um modo único, illogico, pa- lage" ridícula da sociedade enfa-r radoxal. tuada do Rio de Janeiro, que é a do E assim o homem para vencer a terra, paiz todo. para apasiguar-se com ella, tinha de lu- A terra bronca e selvagem, impo- ctar comsigo próprio, victima de um fa- nente nos seus quadros naturaes, sem- talismo histórico que se tornou um fa- pre novos, na proteica manifestação da talismo ethnico, no baralhamento incon- Natureza, pediu para si o gênio impres- sciente de três raças diversas. sionista de Euclydes da Cunha. "Os ser- A terra gigantesca, barbara, uberrima tões" é a epopéa da terra. Nelle vis- engulia a diminuta população, traga- lumbra-se, atravez das pinCelladas vio- k 1 a x o 11
lentas, a lucta do homem bronco, com 6 0 paiz enorme, de uma riqueza fan- a terra bronca: — o sertanejo contra tástica, mostra, por Graça Aranha, em o sertão; é a lucta da civilisação con- certo fatalismo, em todas as coisas, a tra o barbarismo nativo. integração do homem com a Natureza, Assim, Euclydes da Cunha mostra a para a harmonia esthetica da vida. formação da grande alma, da alma em "Chanaan" é o livro intimo, o ca- lucta, da alma inconsciente e violenta. derno de desabafo, os versos interiores O seu livro é um retrato, o retrato feito da alma brasileira. Ha qualquer coisa por Monet. de indiano, ha qualquer coisa do mys- ticismó trágico dos "Ulpanishads", que A alma brasileira projectava-se en- vem do seio da nossa terra, da mons- tão mais serena, mais harmoniosa, truosidade das nossas paisagens; e ha mais profunda. Machado de Assis, também um lirismo deslumbrante, um cheio de sarcasmo, exprimia ape- lirismo superior que vem, atravez dos nas um modo do nosso sentir. Machado séculos, do "Latio" de Assis ria-se da camada civilisante. Graça Aranha é o domínio superior Euclydes da Cunha era o "outro modo", da latinidade; é o continuador artístico era o sentir áspero e brutal do sertão de uma civilisação. "Son art est Ia desconhecido; era o cerne da raça que fleur d'une expérience et Ia quintessen- se transplantava para dentro de um es- ce d'une race", diz Gamille Monclair, tudo cyclopico. prefaciando "Malazarte" Era preciso um artista, mas um ar- Graça Aranha, revela uma unidade; tista pensador, um artista philosopho surpreendente em todas as suas obras, que sentisse, compreendesse e tivesse a em todos os seus conceitos. Jovem ainda força potencial de exprimir toda a as- prefaciando o livro de Faustb Cardoso, piração, todo o ideal, todo o sonho bra- diz o que diz hoje, na força maior de sileiro; era preciso um artista que cons- sua vida, da vida sentida e luetada. truhisse num bloco harmonioso e único, A philosophia de Graça Aranha é a a força creadora da raça. philosophia brasileira, porque mostra, Esse artista encontrei-o nas paginas paradoxalmente, grande elevação espi- do "Chanaan". E' o psychologo da raça. ritualista, sonhadora e conclusões mu- Graça Aranha! nisticas, materialistas, fataes. Graça Aranha vê a fatalidade da vida no tur- O valor literário e artístico de Graça bilhão cósmico, vê como um Leibnitz e Aranha é de sobejo conhecido. "Cha- depois a transformar e, como ura Nitsz- naan" é uma celebridade. Quero, en- che, pede que se transforme todas as tretanto, fazer resaltar esta qualidade sensações em sensações d'arte. O autor primordial de Graça Aranha: -- Foi elle de "Chanaan" vê sempre que "a tra- quem, com mais arte, maior senso phy- gédia fundamental da existência está losophico, maior vigor estylistico, con- nas relações do espirito humano com o seguiu exprimir, como é nas suas va- Universo" riadas manifestações — a alma brasi- Essa generalidade é, entretanto, uma leira. formula da alma da raça, da alma bra- "Chanaan" é um desabafo de alma. sileira. de uma grande alma, da alma de um Só agora é que tive a feliz opportuni- povo. E' grito da dôr brasileira; é a dade de ler "Malazarte", engenhosa turtura do seu gênio; é o sonho de sua peça em três actos, onde numa elevação poesia. ibsenniana se abre toda a psychologia k 1a x o n
da raça. Aquelle final é terrível, é deso- 7 Taine explicou a incomparavel fi- lante. O indivíduo separado da Natu- gura de La Fontaine, estudando a terra reza, por incapacidade de transformar e o meio em que elle viveu. Erro das as sensações em sensações estheticas: pretenções scientificas do sapientissimo — "Tout est séparation et douleur"! E século desenove! O terrível La. Fon- porque? Porque "a inquietação é o taine sahiu assim, porque veiu ao mun- fardo da vida do espirito. Nascido de do nas regiões ricas da Ghampagne, um sonho de navegantes, o Brasil ficou onde "Ia suavité rempli toute Ia plai- para sempre enfeitiçado pela miragem" ne". em 1621! Do "Chanaan", de "Malazarte", da "Esthetica da Vida", pode-se tirar esta Ora, a suavidade do clima de Gha- conclusão veridica que elle, Graça Ara- teau Thierry ! nha tirou num bello artigo sobre "As Gomo explicar Graça Aranha, sahido raizes do idealismo — "Faminto, tor- do Maranhão, vivendo depois na diplo- turado, esmagado sob a tyrannia, lá vae macia, longe de terra?! o Brasileiro, caminhando extatico den- tro da luz, escravo da miragem, mystico Isso não importa a mim. Importa-me a realidade que constato; importa-me do idealismo. . " verificar o que ha, de facto, para a Graça Aranha conhece, desse modo, gloria nossa: — o grande psychologo da todos os nossos segredos, todas as nossas raça. afflições, todas as nossas ttfrturas e a porção de idealismo que nos guia. MOTTA FILHO Graça-Aranha e a crítica européa francez — "aquelle senhor condeco- não trazem sua chronica estrangeira. Os edito- rado sentado ali naquella rneza de res lançam todos os dias traducções de livros O restaurante e que está pedindo mais pão ao garçon e que não sabe geo- graphia" — ignorou durante muito tempo as litteraturas estrangeiras. Quando Louis XIV pediu ao conde de Cominges—embaixador de França em Londres estrangeiros. A Framça, enfim, descobrio a existência da« outras litteraturas contemporâ- neas. O francez, como todo poovo super-civili- zado, procura sempre e antes de tudo a sensa- ção nova. Quando Lugné-Poe "lançou" Ibsen em Paris, antes de acceitar o gênio, o publico — Informações sobre os grandes homens in- gostou da sensação nova, "étrange" do dra- glezes, Cominges só soube citar um tal Milto- maturgo nortista. A consagração velo mais nius célebre pelo «eu fanatismo politico. Foi BÓ, tarde. muito mais tarde, em pleno século XVIII, que Nós brasileiros éramos, até pouco tempo, de a França descobriu a Inglaterra intellectual. todos os povos o mais desconhecido em Fran- Mais tarde, por causa do romantismo, a Fran- ça. Geograficamente, não se sabia bem se o ça ficou conhecendo a Allemanha e, se não Brasil, era uma província argentina perto de fosso o visconde de Vogue e Th. de Wysewa, Bueno-Ayres ou uma republica da America talvez os franoezes iginorassem Tourgenieff, Central: o Brasil ficava "lá bas". Quanto á Tolstoi e Dostoiewsky, durante mais uns vinte nossa litteratura, era um desastre. Se ms bra- annos. Haveria um estudo interessantíssimo a sileiro affirmasse que havia uma litteratura escrever sobre a litteratura estrangeira em brasileira o francez, sempre educado, sorria. França. Ora, o sorriso, em litteratura é t e r r í v e l . . . Felizmente, hoje o francez já começa a mos- E' verdade que Machado de Assis foi tradu- trar um interesse maior pela litteratura exóti- zido, ha annos, mas, sejamos francos: o gran- ca, como elles dizem. São raras as revistais que de publico não o conhece. Apenas certos espi- k 1 a x o 11
ritos universaes, como Anatole France, certos "tourisítes" como Paul Adam e Clemenceau, 8 "Revue de Paris", estuda Chanaan e acha pa- ra resumil-o esta phrase admiravelmente jus- certos especialistas, como Ph. Lebesgue e V. t a : " h a em Chanaan uma symphonia e um Orban, lera'm e apreciam o maior gênio da nos- poema." sa litteratura. Esi^e mal nasceu com o absoluto No "Monde Nouveau", André Toledano, analy- regionalismo da nossa litteratura. Monteiro Lo- sando a litteratura brasileira, diz: "Chanaan bato não foi o creador do regionalismo, pela marque une date dana 1'histoire de* lettres simples razão de que nossa litteratura sempre bresiliennes, Ia date Ia plus importante cana foi regional, com uma excepção —• Graça Ara- doute... Avant Chanaan, les romanciera brésl- nha. O suceesso de Chanaan e Malazarte, na liens avaient sú décrire avec talent les moeurs Europa, prova perfeitamente o que escrevo. et les paysages de leur terre, et leurs oeuvres Joaquim Nabuco, uma das mais bellas íntel- offraient au lecteur europeen un reel interêt d'e- ligencias que tivemos, profundo conhecedor da xotisme pittoresque; avec Graça Aranha, le ro- mentalidade européa, comprehendeu a impor- man brésilien «'élève a dessus d'un particula- tância, para nós brasileiros, da publicação de risme purement descrlptif pour aborder en toute "Chanaan" e escreveu ao Garnier, felicitan- hardiesse un problème philosophique et social do-o por têr revelado Graça Aranha. Em 8 de qui, par ses données mentes, bien que restant três outubro de 1904, Nabuco escreve a Machado brésilien, dépasse le champ assez restreint de 1'ho- de Assi3 para manifestar sua "certeza que d'o- rizon national: celui de Ia transformation d'une ra em deante, elle, Graça Aranha, é quem mais nation sous 1'influence de 1'emigration étrangère pode fazer pelo brilho e nome das nossas let- et surtout allemande, ou, comme le àH 1'auteur tras." lui même, "Ia tragédie qui se passe dana l'ftme Nabuco viu tudo quanto Chanaan nos trazia d'un peuple quand il sent quMl ne se dédoublera de novo e de universal. Com uma perspicácia plus jusqu'à 1'infini"; car & 1'heure même ou Ia admirável, elle soube vêr toda a philosophia, a nationalité brésilienne prenait conscience d'elle< "inteiligencia infinita" a inspiração que ha em même, elle a senti toute Ia douleur de se voir Chanaan, como em Goethe e Shelley. Nabu- condamnée à disparaítfe." co, espirito universal, comprehendeu tudo isso e quando afíirmou que seria elle quem mais poderia fazer pelo brilho das nossas lettras já prévia a repercusâo no estrangeiro. Pouco depois da consagração definitiva de Em 1910, apareceu em França Chanaan. O Chanaan, em França, apparecia na Inglaterra a conde Prozor, o admirável traduetor de Ibsen, traducção ingleza do grande romance, prefaciado critico profundo, uma das personalidades mais desta vez por Gl. Ferrero e trazendo na capa a em vista no mundo das lettras parisienses, phrase de Anatole France: The great american prefaciando o livro, soube mostrar ao publico novel. francez toda a alta significação e o profundo O suceesso foi igual ao que o romance teve em valor duma das obras niais notáveis da nossa França. Em ambos os paizes, a critica soube vêr litteratura. Vamos vêr agora qual foi a opinião e apreciar a dualidade de Chanaan: a littéraria, da critica franceza, geralmente cão cheia de re- a philosophica-social. Com esse êxito, Graça ticências e fria com as obras alienígenas. Co- Aranha passou para as fileiras dos escriptove», mecemos com um italiano, Gl. Ferrero, univer- cujas obras não são lidas por um povo só, mas salmente conhecido. Ferrero escreve no "Fi- por toda a intellectualidade universal, por "tout garo", celebre pela sua critica littéraria, duas ce qui pense et lit." longas columnas. Como historiador, sociólogo Foi em 1911 que se representou em Paris, e pensador, Ferrero soube apontar o alto valor no Theatre de POeuvre, Malazarte. E' bom lem- philosophico e social do romance. Chanaan, diz brar aqui o papel importante que l"Oeuvre" re- elle, não têm só um valor litterario, mas uma presentava nessa epocha, na historia do drama alta significação philosophica. em França. Foi desse theatro que sahiram as Paul Adam, — que só hoje depois da sua obras mais fortes, mais características e que mais morte è que foi reconhecido pela França como influenciaram o theatro francez. Foi l'"Oeuvre" uma das personalidades mais fortes que ella que fez conhecer ao publico o grande Ibsen. Ha- teve, — e que os brasileiros lêm porque escre- veria uma historia a escrever sobre os theatros de veu um pessiano livro sobre nossas physiono- Paris, nestes últimos trinta annos. Nessa histo- mias, "Visages du Brésil", consagra a Chanaan ria, l'"Oeuvre", le "theatre Antoine", le "Vieux at? suas duas columnas na "Vie litteraire" do Colombier" teriam os logares mais .interessantes "Temps". Nesse longo artigo, Paul Adam estu- e mais salientes. O papel de Malazarte, papel cul- da minuciosamente o livro e considera-o uma minante, foi desempenhado por um dos melho- das obras primas da litteratura moderna. Ed- res actores que a França teve nestes últimos tem- mo.nd Jaloux, o célebre romancista francez, na pos: de Max, da Oomêdie française, o admirável k 1 a x o li
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successor de Mounet-Sully. Os outros foram en- tregues a Sephora Mossé e a Greta Prozor, a ex- 9 tiples enchantements. Conune le áh M. Camille Mauclair dans «a préface "c'est Ia fleur d'une traordinária interprete de Ibsen, uma das poueas expérience et Ia qirintesence d'une race." mulheres gênios que eú vi até hoje. Francisco de Miomandre, o grande escriptor Malazarte foi discutido e em parte incompre- francez, no "Excelsior" escreve um longo artigo hendido pelo "grande publico" Lendo-se o dra- sobre a personalidade de Graça Aranha e sua ma, entende-se perfeitamente que essa aglomera- obra, saUentando a belleza poética de "Malzar- ção denominada pelos especialistas de "publico", te" e J. Charpent er adianta: je ne saurais dire essa reunião de senhores gordos e calvos das ga- à quel point 1'admirable Malzarte m'a interesse lerias que escolhem o theatro como o melhor lo- et c'est três sincerement que je le considere gar para fazer, bem sentados, laboriosa diges- comme un chef-d'oeuvre. tão, não tivesse sentido Malzarte. Malzarte é Depois de "Malazarte" Graça Aranha escreveu um drama philosophico, para a elite. Essa elite a "Esthetka da Vida", onde o grande pensador composta, de homens como Prozor, H. de Re- reuniu toda a sua philosophia e que apareceu no gnier, Adolphe Brisson, Boutroux, Pierre Mille, Brasil em 1921. "A parte philosophica desse li- Gelouoteff e outros, acceitou desde a primeira re- vro", amnuncia o New-York Herald, edição pari- presentação, o grande drama. siense, de 14 de julho de 1921, "será publicada A verdadeira critica de Malzarte appareccu de- na "Revista de Paris", a parte metaphysica do pois da publicação do drama em volume prefa- Brasil na "Revista de Genebra", e a parte cri- ciado pelo maior critico francez contemporâneo, tica final no "Monde Nouveau". Camille Mauclair. Henrl de Regnier faz no folhetim do "Journal des débats" uma longa analyse de Malzarte, ex- plicando o symbolismo da peça. Camille Bruno, Além de todas essas criticas recebeu Graça na Revue de PAmerique latine, fallando do sym- Aranha uma manifestação que a intellectualida- bolismo no Brasil, á pròpostío de Malzarte, diz: de franceza só reserva aos grandes homens das "uns dos seus melhores escriptores acaba de lettras estrangeiras: foi recebido no grande am- obrigar (o Brasil) a acceitâr o symbolismo (dra- phyrheatro da Sorbonne, perante uma assistên- mático) pela magia de um canto dialogado, bri- cia de mais de trez mil pessoas. Graça Aranha lhante e louco como uma comedia de Shakes- não foi recebido em Sorbonne como diplomata peare, fantazista e "tendre" como um provérbio amigo da França, mas sim como litterato. Sau- de Musset, pensativo e triste como um drama dou-o Ed. Rostand, em prosa, e não em versos, de Maeterlinck" como costumava fazer, com a verve que lhe trou- Lugné Poe no "Eclair" diz: De cette pièce, orí- xe tantos admiradores e bastante dinheiro. ÍC inale par son sujet et par Ia façon dont elle est Bergson, felicitando Graça Aranha, a propósi- traitée, se dégage un três beau talent, La piéce to de sua commenda da Legião de Honra, diz: reallsée d'une façon êtonnante pos&éde un char- "jamais distinction ne fut mieux méritée, ella me partlculier par les legendes qu'elle rappelle, va au représentant par excellence de Ia pensée 1'eloquence dont elle est remplie et Ia sincérité, brésilienne dont j'aprécie pour ma part haute- Ia foi qui ne cessent de l'animer." ment le talent et les travaux." O "New-York Herald" diz: "Le theatre de l'Oeu- Como se vê, por este breve apanhado da criti- vre a donné 1'occasion aux parisiens d'applau- ca européa, sobre a obra de Graça Aranha, o grande pensador brasileiro sabia, rompendo a dir une des pièces les plus caracteristiques du bri- triste norma de nossos escriptores, fora do nosso Ihant génie de Graça Aranha. Mais conrme pour horizonte para brilhar em outros paizes. Graça toutes les oeuvres ou Ia perfection litteraire le Aranha foi o primeiro escriptor brasileiro que dispute à Ia puissance de Ia pensée il est agréa» nos1 trouxe, enriquecendo-nos, o pensamento, a ble de lire Ia pièce qu'on a vue représenter pour philosophia, a ânsia metaphysica no romance. Ia soumettre au second jugement, le meilleur, Elle nos livrou enfim dos eternos themas regio- cehii qui est soustrait à 1'ambiance particultére naes, estreitos e vazios como a moringa nacional. du spectacle." Segue uma longa analyse do dra- A litteratura brasileira checou a um ponto em ma e o auctor do artigo termina nestes termos: que ella não pôde mais continuar a cantar lyri- "1'abondance, Ja puissante poesie de cette oeuvre camente como o sabiá e descrever com exclama- symbolique donnera à ceux même que ne parti- ções e reticências. Nesta terra onde toda gente cipent pas à cette pensée, et qui croient que Ia canta em versos as nossas palmeiras, é preciso joie inconsciente est sans valeur, le plaisir de pensar ura pouco, porque todas as litteraturas suivre, par les images «éduisantes, une pensée verdadeiramente grandes foram construídas pe- claire dans son plein développement dramatique. los pensadores profundos. Les repliques semblent les clefs d'or dHnnombra- bles revêries. Malazarte est une féerie aux mui- RUBENS DE MORAES k 1 a x o ii
10 A s s i m Elle compõe esculptor Jean Magrou acha saccada a maré primaveril sobre as pe- que elle tem um perfil de Cé- dras illustres. O sar romano. Mas nos seus olhos revoam os sonhos millenarios do Celta. E não falamos. A luz derrama-se, espraia-se, canta, — soberana. (Elle anda para lá, para cá.) — Quer escrever? — Eu dicto. Pariz. Fevereiro. "A fremente energia que faz e refaz Semi-luz de desanimo. Cinzas do céu o mundo. " sobre as cinzas de Pariz. Ha cinzas A voz bateu-me aqui. Meu sangue também no ar. E o coração se aperta galopa. O peito se me dilata e elevo- e o espirito fraqueia, esmorecido. me todo. Agora vejo tudo melhor. . Sentados, frente a frente, elle lê. — E vou além, além, nas azas delle. Elle O ultimo capitulo escripto. — O Amor. fala. — Ou canta? — Já deixei a Um sopro brando, bem brando, mas terra e lá de cima como tudo é bello iJ. possante, imperioso, omnipotente, vin- grande e harmonioso! do do mysterio de nós mesmos, — uma Arrebata-me o rythmo eterno. Eu doce violência. Uma tristíssima ale- mesmo sou rythmo gria. Um tormento aniquilante, — (e Eu? — Que é o eu? — Não ha mais tão bom), que queima, torce, fere, dila- eu. cera, — e acaricia. Súbitas rajadas de esperança, em que o céu se rasga, mos- (Escrevo machinalmente.) trando a luz eterna. Um temor do creança, um orgulho de victoria, uma Um oceano me leva, em que me indizivel expansão emocional, — dis- afundo, me perco, me dissolvo. Suble- solução de morte e incêndio de vida. va-me uma emoção infinita, extatica. Prazer e tortura. O Amor! A voz parou. Corre-me um calafrio, e quando nos E fica como um despertar de chlo- olhamos, vemo-nos atravez um vidro roformio, em que tudo é vaporoso, in- fosco de lagrymas. certo, immenso e impalpavel. Um res- to de vertigem. Maio. O sol entra e ri na sala silenciosa. A luz, poeira resplandescente, inten- * sifica as vibrações das cores. E tudo tem O verão já se annuncia pelas trom- vida. betas do sol. O volume está quasi prom- Na janella, enquadram-se, lá em pto. baixo, uma perspectiva do Louvre, as Já nasceu, tomou forma e poliu-se a Tulerias geométricas e o Sena. obra philosophica. Mas qual será a sua Quando entrei, elle estava bebendo á applicação na nossa terra? k Ia x o n
11 De longe, de tão longe, vem a visão derão de todo, seguramente \ — mas que do mundo brasileiro. E o seu esplen- importam os velhos? São os jovens que dor formal, resplandescente da luz vi- elle alveja, a elles se dirige como um ctoriosa, além dos mares, impõe-se e grito do Futuro. impera, — e lhe segue a saudade. Alli De lá, da Cidade já exhausta de tan- se conjugam as forças de uma grande tas glorias, o Mestre procura ouvir ba- nação. ter o coração do Brasil vindouro e pal- Fundem-se o optimismo innato no pitar a sua anciã de pensar. De longe, destino da raça, a magia do espectaculo de tão longe. grandioso, o poder synthetico do seu — Assim nascia a ESTHETICA DA pensamento. E o Brasil, sua natureza e VIDA. sua gente incorporam-se á obra. Rio, Novembro de 1922. — Este livro já não é de hoje. E' de amanhã. Os velhos não o comprehen- LUIZ ANNIBAL FALCÃO MORMAÇO (Para GRAÇA ARANHA) alor. E as ventarolas das palmeiras, e e os leques das bananeiras abanam devagar, inutilmente, na luz perpendicular. Todas as cousas são mais reaes, são mais humanas: não ha borboletas azues nem rolas lyricas Apenas as tatouranas escorrem, quasi liquidas, na relva que estala como um esmalte; e, longe, uma ultima romântica — uma araponga metallica — bate o bico de bronze na atmosphera tympanica. GUILHERME DE ALMEIDA li I a V O II
13 HO BL Pour GRAÇA ARANHA ^ out seul f Et le Seigneur rxt né •* en ce jour de paix et de douceur Le Seigneur est né à Ia vie et ie renais à Ia soujfrance presque sereine Ia soujfrance múrie au soleil de mes déboires Noêl! J'ai aussi ma vache et mon âne ma bourse vide et ma solitude liahl rions en choeur voulezvous? I/écho fera le choeur et moi le soliste au centre de mes quatre murs Et je rirai si fort et si longtemps que Von croiru vraiment à ma gaite Noêl ! Jje Seigneur est né en ce jour de paix et de douceur... O pays de Judée oú nacquit le Sauveur (qui, entre nous, ne sauva personne!), Vagneau sans tache, le faiseur de miracles (un faiseurl-, le poete au verbe facile); ô pays de Judée dans Ia nuit des róis mages! Je févoque, ô pays de Salomé et de Saint Jean Baptiste! Et j'irdis volontiers vers toi comme les róis badauãs si favais une bonne étoile. Mais je n'en ai qu'une bien maigre et bien triste. Cest une étoile de café-concert... Tout seul Et tous les abandons J,écrirais volontiers une tragédie avec un cinqUième acte bien rempli de suicides et de trahisons oranons pamoisons et beaucoup d'auPres réflexions.. Shéhérazade! Olympia! Les dieux sont morts, ils ne pcuvent plus avoir soif... Moi seul ai soif... soif de bonheur, d'argent, d'amour, et plus encore, klaxon
13 une grande soif, une immense soif, soif... soif.. soif de quoit Je n'en sais rien. J'ai soif! Ualcool tuel Songeons àVavenir de Ia race... Jesus a dit Laissez venir à moi les petits enfants Mais Seigneur il y a en moi un petit enfant les poetes sont des enfants ils jouent avec des mots ils jouent avec des images ils jouent avec leur coeur aussi un joujou de riche... Pourquoi donc n'en voulez-vous pas de ces enfants-làf Je sais bien hélas que vous n'êtes pas uiv asyle pour enfants trouvés... Que d?'amertume! Amère, amçre, plus encore qu'un amer-picon quand il n'y a pas de diner au bout, cette fareei Et tout est force! La vie, 1'âme, "les senti- ments"... Je mens J'ignore tant de choses! Je ne sais pas. Je ne connais qu'un paysage, là-bas, tout blanc, tout frais, ou il y a des arbres de Noel, et des rires clairs de femmes en jerseys, et des maisonnettes pacifiques, et une gare toute petite, si petite qu'elle n'a pas Ia force dlarrêtcr tous les trains, et un labeau de joie dorée pendu à une fenêtre comme un drapeau... Je ne connais qu'un paysage mais beaucoup d'autres paysages me connaissent parce que je les ai croisés en passant... Noêl ! Jesus est né I Serge MILLIET JPoema Jlbulico A GRAÇA ARANHA Imobilidade aos solavancos. Mário, paga os 200 réis! Ondas de automóveis árvores jardins. As maretas das calçadas vêm brincar a meus pés. E os vagaihões dos edifícios ao largo. Viajo no sulco das ondas ondulantemente. klaxon
11 Sinto-me entre mim e a Terra exterior. TERRA SUBCONSCIENTE DE NINGUÉM Mas não passa ano sem guerra! Nem mês sem revoluções! Os jornaleiros fascistas invadem o bonde, impondo-me a leitura dos Jornais. Mussollni falou. Os delegados internacionais chegaram a Lausane. Ironias involuntárias! Esta mulher terá sorrisos talvez. Pouca atracção das mulheres sérias! Sei duma criança que é um Politeama de convites, de atra- cções. As brisas colorem-me os lábios com as rosas do Anhangabaú. Sol pálido chauffeur japonês atarracado como um boxista. Luz e força! Light & Power Eu sou o poeta das viagens de bonde! Explorador em busca de aventuras urbanas! Cendrars viajou o universo vendo a dansa das paisagens. Viagei em todos os bondes de Paulicéa! Mas em vez da dansa das paisagens, contei uma por uma todas rosas paulistanas e penetrei o segredo das casas baixas! Oh! quartos de dormir!. Oh! alcovas escuras e saias brancas de morim!. Conheço todos os enfeites das salas de visitas! Al mofadas do gato preto; lustres floridos em papel de seda. Tenho a erudição das toalhas crespas de crochê, sobre o mármore das mesinhas e no recôsto dos sofás! Sei de cór milhares de litografias e oliogravuras! Desdémona dorme muito branca Otelo, de joelhos, junto ao leito, põe a mão no coração. Have you pray'd to-night, Desdémona? klax on
15 E os bibelos gêmeos sobre os pianos! A moça está de azul Ele de cor de rosa. Valsas lánguidas de minha meninice! Em seguida: Invasão dos Estados Unidos. 8hlmmyficação universal! O fox-trott é a verdadeira música! Mas Liszt ainda atrai paladares burgueses. Polônias interminavelmente escravizadas! Paderewski desiiudiu-se do patriotismo e voltou aos aplausos internacionais. Como D'Annunzio. Como Clemenceau. Os homens que foram reis hão de sempre a- cabar fazendo conferências?!. Mas para mim os mais infelizes do mundo são os que nascem duvidando si são turcos ou gregos. franceses ou alemães? Nem se sabe a quem perten- ce a ilha de Martim Garcia!. HISTORIA UNIVERSAL EM PEQUENAS SENSAÇÕES Terras-de-Ninguem!. . .como as mulheres no regime bolshevista. No entanto meus braços com desejo de peso de corpos. Um torso grácil, ágil, musculoso. Um torso moreno, brasil. Exalação de seios ardentes. Nuca roliça, rorada de suor Uns lábios uns lábios preguiçosos esquecidos n'um beijo de amor. Creplto. E uma febre. Meus braços te agitam. Meus olhos proouram de amor. Sensualidade tem motivo. E> o olor óllo das magnóllas no ar voluptuoso* desta rua. Dezembro —1922. MARIO DE ANDRADE. klax on
16 (Del libro HÉLICES.) ubes gimnásticas sobre el trapecio atmosférico En Ias artérias pleonéxicas fluyen los glóbulos fabriles ESTAMPA DEL SIGLO XX Absorto ante un fascitol yo admiro el lirismo dei voltámetro FOGOS IMPULSOS La pleamar multitudinaria abraza con sus tentáculos Ia vida sádica Entre Ia fronda de los dinamos se forjan los espasmos hiperespaciales En Ias avenidas múltiples aflora Ia rosa tentacular Con Ia brújula dei sol en mi mano descubro trayectorias immaculadas Eva Porvenirísta formada de copos atmosféricos En sus mejillas siderales yo vendimio los besos dei horário Y dei horizonte dinâmico cae Ia poma plenisolar GUILLERMO DE TORRE. (Madrid.) k 1ax o n
n PAZ UNIVERSAL A GRAÇA ARANHA a legria! Só no meu paiz a terra ainda é vermelha. Esforço para germinar, ou para supportar o peso dos homens. Não ha mais sangue sobre o mundo. Elle está todo branco, lymphatico, côr de cidade, côr de riso. Alegria! Os povos, as grandes ruas iIluminadas, e os homens felizes, esquecidos das trincheiras, afastados da dôr, amputados da dôr O passado perdeu-se, e não conhece mais os caminhos, os caminhos das almas. E ninguém sabe que nesta hora, em toda a parte ha pessoas que agonizam, e ha veias que se esvasiam e ha corpos ainda quentes sob a terra fria. ALEGRIA! ALEGRIA! A vida vae na frente de cada homem, como uma espada polida que elles vão brandindo. k l a x on
ALEGRIA! 18 PAZ UNIVERSAL! Nunca houve tanta guerra, tanta lucta entre os homens! Lucta amarga para viver, lucta ardente para amar, lucta dolorosa para sorrir ALEGRIA! PAZ UNIVERSAL! CARLOS ALBERTO DE ARAÚJO. PROJECTOS A GRAÇA ARANHA e manhã: d Tenho convite para o baile Casaca Decote Orchestra phantastlca frenética Lindas mulheres. VOU. A' noite Conferência sobre os Eleatas No correio cintas para KLAXON 35-36-37-38-39 Dentro das grades a moça da folhinha não se cança de cheirar a rosa klaxon
19 MAIO 12 A pêndula Io relógio marca passo eternamente O guichet de madeira Guilhotina Decapitado como na figura de Changail A lua cheia de pó de arroz Espaduas nuas Prompta para o baile Rua 15 de Novembro de 1889 Que mulher linda! Passa deixando um sulco de perfume O asphalto de louça reflecte as pernas das costureirinhas E das dactylographas Meu coração dactylographa impressões Meu corpo é um mastro de sombra tombado A cordoalha dos meus braços Teus seios são proas Cabelleira desnastrada bandeira de navio Quadro naufrágio de projectos Minha alma braceja Cinematographo de sombras A bengala de Carlito é a batuta que reje a symphonla moderna No café mezas desoccu padas Esfrega o zinco do balcão CHA' CHOCOLATE LEITE Jornaes do Rio 200 reis para falar ao telephone 3 AVENIDA E' tudo quanto fiz aquelle dia MORAL: Eu nunca poderia escrever "PALUDES" LUÍS ARANHA k 1 a x on
20 A EXTRAORDINÁRIA HISTORIA DA MULHER QUE SI casamento de Adoasto com d. Brazi- começou alargando os vestidos do enxoval, des- lizia foi commentadissimo. Sobre a fe- amarrando os sapatos, remendando as meias, que O licidade e o futuro do casal, corriam prognósticos os mais desencontrados possíveis. O escrivão Proença, por exemplo, ponderava que a differença de idade entre marido e mulher cediam ante a inopinada invasão da gordura. Descuidado, Adoasto olhava para aquella disten- são orgânica como quem olha para um diverti- mento publico: sorria. Chegava a achar graça nas constituía seguro indicio de bemaventurança velleidades econômicas da esposa, a aproveitar eterna. E rematava dogmaticamente: "a mu- os minguados vestidos que trouxera. Com o tem- lher deve ser sempre mais moça que o ho- po, entretanto, d. Brazilizia deixou de lado as ce- mem". Em atititude diametralmente opposta, rimonias e principiou a distender-se a vontade e *)lantava-se Aíberico, o caixeíro, homem que lií a comprar novo stock de roupas, o que motivou » treslia com facilidade. Para Alberico só o facto certa appreherisão ao desprevinido espirito de de ser o esposo mais velho 15 annos que a espo.- Adoasto. O terrível era que o engordar de d. Bra- ea, deixava aquelle em situação nielindrosissima. zilizia não obedecia a nenhuma previsão scienti- Imaginem, dissertava o sábio, quando Ella tiver fica. Si fosse uma evolução lenta, pausada, acom- os seus trinta anos, a idade perigosa das mulhe- panhando, pari passu o deteriorar normal da In- res, Elle já estará exgotadissimo, morre hão mor- re. E o que acontecerá depois.. só Deus sabe ! dumentária, tudo iria muito bem. Ao contrario: Aos que não estavam dispostos a acceitar os seus era uma gordura frenética, desenfreada, gallo- vatícinios, o caixeiro arremessava "«em hesitação pante. Os gastos angmentavam assustadoramen- o tremendissimo Balzac e a sua Mulher dos te com a compra de matéria prima para abaste- Trinta Annos. Os outros, ante tanta massa, fi- cer o pudor nascente das novas carnes de d. Bra- cavam atordoados e gaguejavam escapatórias. zilizia. Adoasto chegou a pedir ã esposa que com- Mas, que é a opinião dos homens, miseráveis prasse os seus vestidos iam pouco mais folgados formigas a roer o mármore branco do mistério, do que que os de costume, para previnir, dizia comparada com a sabedoria muda e irônica do elle, para o que dér e vier. Retorquia-lhe a es- Destino ? posa, desdenhosa: então, você pensa que vou ap- D. Brazilizia era bonitinha, bem feitinha, cheia parecer mais gorda do que na realidade sou ? de pequenas linhas curvas, por onde toda a gra- Desta voeê está livre ! ça inquieta do seu corpo escorria encantadora- Os gastos, entretanto, não era o que affligia mente. Isto foi a perdição de Adoasto. Casada, Adoasto. O que lhe causava a mais desoladora d. Brazilizia deu de engordar. A principio como melancolia era ver o seu amor diminuir á me- que fazendo cerimonia, estufando um pouco o dida que a sua esposa augmentava. Seu amor es- rosto, as pernas e toda a região consileravel que tava na razão inversa da massa de d. Brazilizia. vae desde o diaphragma até a fossa illiaca. D. Quando Adoasto, por exemplo dizia: "a minha ca- Brazilizia, tomada de vergonha, quiz disfarçar ra metade", esta expressão perdia qualquer cunho aquelle augmento inesperado do seu physico e metaphorico, para exprimir com exactidâo a ver- k l a x o n
dade nua e crua; dizendo "cara metade", Adoa- 21 de transitória da energia, única realidade tangivel to referia-se ao corpo primitivo da esposa, o qual, e irreductivel". Neste ponto, não se conteve e bem contra a vontade dos cônjuges, duplicara de desatou em gargalhadas polyphonicas, em què pezo e de volume. havia prodigiosos sarcasmos. Na casa, já havia certo mal estar. Tudo pare- Dahi para a Theosopia e a Metapsychica não cia pequeno, acanhado para d. Brazilizia. E co- foi senão um passo. — O mundo é minha repre- mo o sen organismo ainda continuasse naquella sentação, monologava o afflicto sujeito. Aquel- desastrosa distensão orgânica, deu de reclamar la condensação excessiva Me átomos, porque não o exiguo espaço occupado pelo marido. E Adoas- poderei reduzil-a, pela applicação diuturna de to, conciliador e prudente, ante aquella obstina- minha energia espiritual inconsciente ? da reivindicação de espaço que lhe fazia a mu- lher, começou a ceder, com incrível resignação, E em casa, frente a frente com d. Brazilizia, o pequeno logar que o Creador lhe destinara no o seu deformado sonho de amor, encarava-a fi- mundo: entrou a emmagrecer, a diminuir-se, a xo, o olhar vidrado, índice de tremendas concen- apagar-se... Não parou ahi a tragédia gorduro- trações infra e ultra psychicas. Era o prenuncio da loucura próxima. A mulher, inquieta, refu- sa. D. Brazilizia triplicou se, quadruplicou-se. giava-se nos vizinhos pacatos e todos accendiam Foi quando Adoastro se alarmou seriamente. O velas, que ardiam unanimemente deante de san- seu amor não podia alcançar mais aquella dis- tos barbudos, de massa, que ameaçavam mila- tancia, pois o que amara na mulher não pas- gres. sava agora de Ínfima fracçâo, que, diga-se de passagem, não era imprópria... A endocrinologia offereceu-lhe margens para Consultando um amigo medico, este, entre jo- profundas inferencias praticas. O meu mal, su- coso e sério, retrucou-lhe: o único remédio que pirava, está naquela miserável glândula Ityrói- entrevejo, é uma' operação. Operação inathemati- de. Ah! Ah! Ah! Ele queria dizer ''extrair a ty- ca, bem entendido: extraia a sua raiz quadrada... roide" e disse "raiz quadrada". Falava por íue- Dolorosa ironia ! Desde então Adoasto, eusimes- tapnoxas, o demônio. Ah! Ah! Aü! mou-se na terrível cláusula do seu Eu. Nada de Neáte estado de espirito, Adoasto, sombra hu- confidencias. Atraz destas, vêem sempre os re- mana, á força de ceder espaço á esposa, entrou, uioques e os sorrisos tortos da piedade. Deliberou cheio de intenções cirúrgicas, no seu desventu- solucionar por si próprio o caso. tti arunüou-sse rado lar. Encontrou d; Brazilizia estendida num desordenadamente em estudos mathematicoe», bio- divan, a cintura apertadissima, a dividir-lhe o lógicos, physicos e nietaphysicos. Deu, de um 10- corpo em duas rotundissimas metades. Contem- lego, a obra de Blaringüem: " L e s transforma- piando-a,. Adoasto teve a impressão de ver um tions brusques des êtres vivants". A seguir, o 8 deitado, symbolo do infinito mathematico. As- calculo infinitesímal de Newton e as "Dores do sustado, tremendo, delirante, sahiu a correu pe- Mundo", de Schopenhauer. Obras de Spinoza, las ruas, gritando: "Soccorro! Soccorro! Açu- Leibnitz, Hartman e, de mistura, um volume ver- dam! que a minha mulher ficou infinita". Tinha melho de vulgarização scientifica. Neste ultimo, perdido irremediavelmente o juizo. topou com uma afArmação transcendente: "O que para os antigos physicos, parecia caracteri- Quanto á d. Brazilizia, chorou duas lagrimas zar a matéria era a massa, um coefficiente cons- gordas e esparramou-se de uma vez, afim. de pre- tante, absoluto. iNâo assim, ante as novas con- encher piedosamente o vácuo que o marido abri- quistas da sciencia. A massa, esse ultimo redu- ra no lar doméstico. cto da substancia, varia, é uma funcção da velo- cidade; a matéria não existe: é apenas modalida- A. C. COUTO DE BARROS. k l a x o n
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